Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, em setembro, para o Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig), revela que a maioria dos brasileiros acredita que o câncer de fígado, tipo mais frequente de câncer no Brasil e o terceiro mais letal, é secundário e se deve, principalmente, ao consumo abusivo de álcool e ao tabagismo.
O presidente do Ibrafig, hepatologista Paulo Bittencourt, disse hoje (8) à Agência Brasil que o dado não corresponde à realidade, porque grande parte do câncer primário de fígado é causado pelas hepatites virais, principalmente as hepatites B e C. “São doenças tratáveis e preveníveis. A gente pode falar que grande parte da população brasileira negligencia a prevenção de um dos principais tipos de câncer, que é o câncer de fígado”.
Paulo Bittencort reiterou que as hepatites virais são responsáveis por metade dos casos de câncer primário de fígado, o carcinoma hepatocelular, e são doenças que têm possibilidade de testagem gratuita na rede pública e tratamento também gratuito e inteiramente fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A pesquisa foi realizada entre os dias 8 e 15 de setembro com 1.995 pessoas maiores de 18 anos de idade, distribuídas em 129 municípios das cinco regiões do país. A sondagem identificou que apenas 40% dos entrevistados já haviam feito teste para hepatites virais. Indagadas por que não faziam a testagem, as pessoas, em sua maioria, disseram que não sentiam nada, nenhum tipo de sintoma relacionado ao fígado.
De acordo com a pesquisa, oito em cada dez brasileiros sabem que os testes para hepatite B e C podem ser realizados gratuitamente pelo SUS mas, apesar disso, 47% e 46%, respectivamente, não o fazem por não sentir necessidade, nem dor, ou por falta de interesse.
Doenças silenciosas
O presidente do Ibrafig esclareceu que essas doenças são inteiramente silenciosas. Tanto as hepatites virais como o câncer de fígado em seu estágio inicial não provocam nenhum tipo de sintoma. “O câncer de fígado, quando ele se manifesta, do ponto de vista clínico, geralmente já está em fase muito avançada, onde o tratamento curativo não é mais possível”, disse.
Dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) mostram que 70%, ou dois terços de pessoas com câncer primário de fígado no Brasil, já têm diagnóstico na fase terminal, com média de sobrevida de apenas três meses. “Ou seja, as pessoas não fazem o teste que é recomendado para todo mundo acima de 40 anos, que é a hepatite C, principal causa de câncer primário de fígado, porque não têm sintomas, mas não sabem que a doença pode ser inteiramente silenciosa e, quando se manifesta, já pode estar associada a uma redução importante de sobrevida e de impossibilidade de tratamento curativo”.
O hepatologista disse que é um engano da população pensar que o câncer de fígado é gerado pelo alcoolismo e pelo tabagismo. Admitiu que quem não bebe e quem não fuma tem risco menor, por exemplo, cirrose, e, até mesmo, câncer de fígado. Afirmou, no entanto, que a principal causa são as hepatites virais, que são doenças silenciosas.
O câncer de fígado, se diagnosticado em estágio precoce, pode ser tratado por cirurgia, por radiologia intervencionista e, se o indivíduo tiver cirrose, por transplante de fígado. No caso de diagnóstico tardio, não há tratamento terapêutico, só cuidados paliativos. “Isso, infelizmente, está acontecendo com dois terços dos brasileiros que têm esse diagnóstico”, disse o médico.
Covid-19
Com a pandemia da covid-19, o presidente do Ibrafig, Paulo Bittencort, disse que tudo piorou. O Brasil tem um plano de eliminação das hepatites virais junto com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cuja linha de cuidado é inteiramente financiada pelo SUS, incluindo testagem e tratamento. “Mas houve um impacto negativo absurdo com a pandemia”. Acho que a gente vai colher os frutos disso nos próximos anos”, alertou Paulo Bittencourt.
Devido ao distanciamento social, muitas pessoas não foram fazer exames preventivos. De acordo com médico, o câncer de fígado acomete principalmente, na maioria das vezes, quem tem cirrose, que deve fazer rastreamento com ultrassom de nódulos a cada seis meses. “Isso foi inteiramente desarticulado na pandemia. Quem não fez os exames preventivos e suas consultas nos últimos dois anos, quer fazer agora tudo de uma vez. Com isso, os laboratórios públicos estão todos abarrotados e não vai ter vaga para atender todo mundo. A consequência é o aumento de brasileiros com câncer de fígado. E de pacientes com câncer de fígado em fase avançada”, admitiu. O mesmo deve ocorrer para outros tipos de câncer.
A frequência de casos de câncer primário de fígado, diagnosticados no Brasil, alcança 8 mil pessoas por ano, enquanto os casos novos de cirrose no país por ano atingem entre 20 mil e 30 mil, segundo o Datasus. A tendência é aumentar esses números. Bittencourt informou também que na hipótese de diagnóstico na fase inicial, há chance de cura entre 50% e 70%, em cinco anos de sobrevida.
A prevenção do câncer de fígado inclui testagem para a hepatite C em maiores de 40 anos de idade, vacinação contra a hepatite B, bons hábitos de vida. Entre eles, o presidente do Ibrafig citou evitar consumo abusivo de álcool e gordura no fígado, que está muito associada à obesidade e ao diabetes.
Campanha
No próximo dia 13, o Ibrafig participa do lançamento de campanha mundial para conscientização sobre doenças do fígado. Nas redes sociais, o instituto já está esclarecendo a população sobre os fatores de risco para o câncer de fígado.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, cerca de 296 milhões de pessoas vivem com hepatite B no mundo e 58 milhões vivem com hepatite C1. “A hepatite C tem cura e a hepatite B tem vacina eficaz e segura”, lembrou Bittencourt.
O Ibrafig faz parte da força tarefa global para eliminação das hepatites virais até 2030 pactuada entre a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Estado brasileiro e de campanhas públicas de conscientização sobre câncer de fígado integrando desde 2021 a International Liver CâncerNetwork. Para isso, mantém à disposição da população o número de telefone 0800 882 8222, para informações sobre locais de testes para hepatites virais pelo SUS e envio de material educativo e formas de prevenção de doenças do fígado.