A prefeitura de Belo Horizonte ajuizou hoje (3) uma ação pedindo à Justiça que suspenda o licenciamento ambiental concedido às atividades da mineradora Tamisa na Serra do Curral, cartão postal da capital mineira. É mais uma contestação ao empreendimento, que já é alvo de outros questionamentos judiciais apresentados pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pelo partido Rede Sustentabilidade.
Em 31 páginas, a prefeitura de Belo Horizonte sustenta que a capital mineira deveria ter sido consultada, já que pode sofrer diversos impactos. Para o município, há inconstitucionalidade no Decreto Estadual 47.383/2018, que fixa regras para o licenciamento ambiental. O artigo 18º foi acusado de afrontar a legislação nacional quanto à participação dos municípios afetados, violando também a Constituição e precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF).
Entre os impactos que a capital poderia sofrer, são citados a queda da qualidade do ar em decorrência da liberação de poeira e o aumento da poluição sonora, afetando inclusive usuários do Hospital da Baleia, situado a menos de dois quilômetros (km) da área de exploração. As explosões necessárias para a implantação do empreendimento e o tráfego de caminhões são apontados como potenciais causadores de vibrações e ruídos capazes de afetar o sossego dos moradores.
O município alegou ainda que uma das cavas previstas seria aberta a cerca de 500 metros do limite do Parque das Mangabeiras e manifestou preocupação com a segurança hídrica e o abastecimento de água. “Na área do empreendimento está localizada a Adutora do Taquaril, responsável pelo transporte de 70% da água tratada consumida pela população de Belo Horizonte”, registra a ação.
Por fim, a prefeitura vê risco geológico de erosão do Pico Belo Horizonte, que se encontra em área tombada nas esferas municipal e federal. Foram também anexadas imagens que atestam a interferência da nova cava no perfil montanhoso, impactando a visibilidade do pico.
Nomeado de Complexo Minerário Serra do Taquaril, o empreendimento da Tamisa foi licenciado na madrugada de sábado (30) pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), órgão colegiado consultivo e deliberativo vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad).
A reunião que analisou o assunto teve início na manhã de sexta-feira (29) e, dada a quantidade de manifestações, durou cerca de 18 horas. O placar final foi 8 a 4. Todos os quatro representantes do governo mineiro defenderam o aval à mineradora, enquanto as entidades da sociedade civil com cadeira na atual composição do Copam se dividiram.
Com o licenciamento, a Tamisa foi liberada para instalar um complexo minerário de grande porte com vida útil de 13 anos em uma área de 101,24 hectares. Esta área inclui 41,27 hectares de vegetação nativa de Mata Atlântica que precisarão ser desmatados. A área de instalação do empreendimento situa-se em Nova Lima, próximo ao seu limite com Belo Horizonte. O município vizinho à capital foi o único consultado no processo de licenciamento e atestou a conformidade do projeto em fevereiro deste ano.
A Semad sustenta que amplos estudos técnicos servem de suporte para decisão dos conselheiros do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e também da Câmara de Atividades Minerárias (CMI). “A empresa responsável pelo projeto terá que cumprir compensações ambientais e florestais impostas pela legislação, que incluem a preservação e/ou recuperação de cerca de 4 vezes a área total suprimida, além de investir 0,5% do valor total de investimentos do projeto em ações ambientais”, informa em nota. Ainda segundo o órgão, foram impostas diversas condicionantes como a elaboração do Estudo de Dispersão Atmosférica (EDA) e a realização de ações de resgate de animais silvestres no entorno do empreendimento.
Em seu site, a mineradora mantém um vídeo de três minutos onde afirma que informações distorcidas vêm sendo disseminadas sobre o seu projeto e alega que o perfil da Serra do Curral não será afetado. “A interferência nos recursos hídricos será mínima, sem rebaixamento do lençol freático e sem afetar a vazão das três nascentes envolvidas. O projeto não terá barragem de rejeitos e sua implantação se dará em harmonia e equilíbrio com a fauna e a flora, contando com robustos programas de manejo e conservação de espécies ameaçadas. Os efeitos de poeira, ruído e vibração ficarão restritos à área do projeto”, diz o locutor.
Contestações
No início da semana passada, antes mesmo da reunião do Copam, uma ação judicial foi movida pelo MPMG para contestar a prefeitura de Nova Lima. Os promotores à frente do caso sustentam que a legislação urbanística municipal proíbe a atividade de mineração na região. Após a aprovação, o partido Rede Sustentabilidade também foi à Justiça alegando que a votação não levou em consideração as manifestações técnicas e populares. Com o assunto em pauta, Belo Horizonte registrou diversos protestos na última semana.
Além de abrigar grande diversidade de espécies de fauna e flora, a Serra do Curral também é referência histórica e geográfica da capital mineira. Em sua encosta, há vestígios arqueológicos remanescentes do antigo arraial de Curral Del Rei, que foi escolhido para dar lugar à Belo Horizonte no final do século 19. A decisão levou em conta a beleza natural da região, a condição climática e a riqueza hídrica.
Em 1995, a Serra do Curral foi escolhida símbolo de Belo Horizonte em um plebiscito organizado pela prefeitura, superando a Igreja São Francisco de Assis, a Lagoa da Pampulha, a Praça da Liberdade e outras referências da cidade. Para estimular o ecoturismo na região, foi criado em 2012 o Parque da Serra do Curral. Abrangendo uma área de 400 mil metros quadrados, ele atrai interessados em fazer trilhas e conta com 10 mirantes.
Desde 1960, a Serra do Curral já é considerada patrimônio histórico e artístico nacional. No entanto, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) apenas o trecho que, tendo como eixo central a Avenida Afonso Pena, se estendia 900 metros à esquerda e à direita. Na prática, protegeu-se apenas a vista a partir de Belo Horizonte. Essa proteção foi reiterada em 1991, com o tombamento pela prefeitura de Belo Horizonte de toda a porção inserida nos limites da capital.
Mas a preservação das porções situadas em municípios vizinhos como Nova Lima e Sabará depende de um tombamento pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). Um processo com esse objetivo teve início em 2018 e o dossiê final já foi concluído, mas ainda resta pendente apreciação pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep). Com base nesse processo, o MPMG já havia em maio do ano passado contestado o avanço da avaliação do licenciamento do projeto da Tamisa. Para os promotores, a Serra do Curral deveria estar resguardada até a conclusão da votação que poderá selar seu reconhecimento definitivo como patrimônio de Minas Gerais.