Decisão costuma ser tomada por juízes quando o sofrimento extrapola eventual pena. É preciso ainda que não tenha antecedentes de negligência ou maus tratos, explica advogado
O comerciante de 39 anos, preso por abandono de incapaz depois que a filha de 6 anos foi deixada sozinha e caiu do 12º andar de um prédio na Praia Grande (SP), pode ser beneficiado por perdão judicial. O desfecho é possível se o histórico demonstrar que havia bom relacionamento familiar, sem episódios de negligência ou maus tratos com a criança ou outros menores.
O crime de abandono de incapaz prevê pena de quatro a 12 anos de prisão por abandono de menores ou idosos que estão sob cuidado de uma pessoa, podendo ser aumentada em um terço se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.
Na Justiça, porém, os magistrados costumam decidir pelo perdão com base no artigo 121 do Código Penal, segundo o qual o juiz pode deixar de aplicar a pena, em casos de homicídio culposo (sem intenção de matar) se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
— As consequências do ato são bem mais graves para o acusado do que qualquer pena aplicada pelo Judiciário. Não há nada pior do que perder um filho e ficar com a culpa pelo resto da vida. Não tem motivo para aplicar pena numa situação como essa, a não ser que tenha prova ou indício de intenção ou que já tenha feito isso outras vezes — afirma Ariel de Castro Alves, integrante da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-SP e do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
O pai da menina foi preso e liberado depois da audiência de custódia. Segundo o delegado Alexandre Comin, que fez o flagrante, a criança teria ficado sozinha por 30 minutos, enquanto o pai saiu para levar a namorada em casa e comprar cigarros.
Castro Alves afirma que, se durante o inquérito ficar demonstrado que o comerciante é um pai zeloso, que sempre cuidou bem da filha, com vínculo de amor e cumprimento de deveres de amparo, educação e proteção, o Ministério Público pode também não oferecer denúncia.
— Essa pessoa já tem uma pena perpétua. Nenhuma pena é maior do que essa. Muita gente sequer consegue se manter viva. Quem enfrenta essa situação já é penalizado pelo sofrimento. Além de se sentir culpada, a pessoa é permanentemente condenada pelos demais familiares, por vizinhos, pela comunidade — diz ele.
Para ser beneficiado pelo perdão judicial é preciso que o acusado não tenha outros casos de violação de direitos da criança e do adolescente ou denúncias de maus tratos ou negligência. Ao término do inquérito, a Polícia deve concluir que a queda foi acidental e que não houve intenção.
Segundo Castro Alves, a não aplicação de pena já foi usada em casos de pais que esqueceram crianças trancadas dentro de carros, por exemplo. Porém, as sentenças não são tornadas públicas, pois os processos que envolvem crianças e adolescentes são protegidos por sigilo.
Os pais de Rafaella Lozzardo da Silva, de 6 anos, são separados. A menina passava o fim de semana com o pai e foi deixada dormindo sozinha em casa na madrugada de sábado. Ela acordou, foi até a sacada do apartamento e gritou por ajuda quando percebeu que estava sozinha. Uma vizinha tentou acalmá-la e tentou interfonar para a portaria, mas não deu tempo.
O que diz a lei:
Abandono de incapaz:
Artigo 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono.
Se o abandono resulta em morte, a pena é de quatro a 12 anos de reclusão, podendo ser aumentada em um terço se o abandono ocorre em lugar ermo e se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. O crime se aplica quando a vítima é criança ou adolescente ou idosa, com mais de 60 anos.
Perdão judicial
No artigo 121 do Código Penal existe previsão para os casos de homicídio culposo. O artigo 5º diz que, na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
Fonte: O Globo