Das ruas do mundo para dentro de um espaço expositivo. A nova mostra em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, leva para as paredes a arte que surgiu nos muros e nos espaços públicos e está facilmente ao alcance da população. Chamada de Além das Ruas: Histórias do Graffiti, a exposição tem um panorama e um recorte histórico da arte urbana (street art) e do grafite, esse tipo de cultura que carrega um forte sentido de intervenção da cena pública.
“Entre outros grandes projetos, acredito que essa tenha sido uma das maiores oportunidades que tivemos para expor essa cultura”, diz Binho Ribeiro, artista e curador da mostra. “Esse trabalho mostra o reconhecimento de uma grande instituição. Para mim, como curador e como participante dessa cena toda, entendo isso como parte de um processo. Isso vem sendo construído em diversas outras exposições como as Bienais de Grafite”, revela.
“Esse diálogo com a rua e com essa produção já é algo que acontece em outras áreas da instituição. A gente já tinha feito uma exposição sobre grafite, mas não nessa dimensão. E quando retomamos o olhar para essa cultura, a gente quer trazer um olhar histórico para essa produção, como ela chega e quais são suas influências. O desafio para a exposição foi trazer uma narrativa de olhar para essa produção, que é recente”, acrescenta Juliano Ferreira, coordenador de artes visuais do Itaú Cultural.
Com 76 obras de 51 artistas grafiteiros e sob o olhar cuidadoso de Binho Ribeiro, um dos precursores dessa arte no Brasil, a mostra gratuita terminará no dia 30 de julho. A maior parte das obras é de artistas brasileiros, mas a exposição recebe também trabalhos de feitos em outros países, como T-Kid, de Nova York; Farid Rueda, do México; Saturno, da Espanha; e da chilena-canadense Shalak Attack.
O graffiti ou grafite é uma expressão fundamental dos espaços urbanos. Sua origem remete às pinturas rupestres e inscrições nas cavernas, mas sua consolidação se dá com os movimentos de contracultura nos Estados Unidos e na França, nos anos 60. É então que ele passa a refletir uma expressão artística e política de jovens de todo o mundo, ocupando os espaços públicos e colorindo a paisagem por vezes opressora das cidades.
Outras manifestações
O grafite compõe o que se chama street art, que agrega também outras manifestações como pintura, performances, teatro e cartazes. Seu surgimento veio como forma de protesto e com o objetivo de ser uma arte democrática, independente e acessível.
Em entrevista à Agência Brasil, Binho conta que começou a ter contato com a arte urbana em sua juventude. “Sempre desenhei, desde criança. Quando ganhei um concurso, aos 12 anos, ali tive a certeza que queria viver de arte. Aos 14 anos trabalhava na Galeria do Rock [um espaço dedicado ao rock no centro da capital paulista] fazendo fotolitos e, nesse mesmo período, andava de skate, dançava break e aí é que teve essa conexão com o universo do grafite”, recorda.
Nesse período, diz Binho, as informações sobre o grafite ainda eram difíceis de chegar ao Brasil. Mas essa arte começa a se firmar no país a partir dos anos 80, quando os brasileiros passam a ter contato com o filme Beat Street [chamado por aqui de A Loucura do Ritmo]. “Esse filme basicamente nos mostrou que havia uma cultura diferente no mundo, que era o grafite, ao qual me apaixonei e nunca mais me distanciei”, enfatiza.
Desde então, os artistas brasileiros começaram a se especializar e hoje são reconhecidos em todo o mundo. “Nossas próprias dificuldades de informação, nossa maneira de buscar alternativas porque os materiais eram muitos caros, todos esses elementos de dificuldade fizeram com que o grafite paulistano, inicialmente, depois logicamente brasileiro, tivesse esse destaque no cenário internacional. É difícil ter hoje um evento de grande impacto fora do Brasil que não tenha participação de algum artista urbano brasileiro”, ressalta.
Nos andares do centro cultural
Dos artistas que integram a mostra, 17 executaram suas obras diretamente nas paredes e outros suportes dos três andares do edifício que foram reservados para a exposição.
Cada andar do Itaú Cultural se dedicou a um tema diferente desse universo da arte de rua. No piso 1, por exemplo, o público vai encontrar um recorte histórico dessa arte.
Já no primeiro subsolo (-1), o foco é a street art. Por fim, o segundo subsolo (-2) destaca a cultura hip hop. É nesse andar que, aos sábados, são feitas apresentações de break dance.
“Não queríamos uma exposição de painéis apenas, de murais. Queríamos trazer um percurso que possibilitasse ao visitante ter essa experiência histórica, entender um pouco sobre essa cultura, quais suas influências e como está o cenário hoje”, explica Juliano Ferreira.
A exposição tem início no piso 1. Nesse andar o visitante é recebido com uma grande escultura colorida de André Gonzaga Dalata. Depois, ele se depara com uma linha do tempo, que traça o trajeto da grafitagem, desde os tempos das cavernas até a chegada ao Brasil. Neste piso, há artistas brasileiros com grande reconhecimento internacional como o próprio curador da mostra, além de Kobra, OSGEMEOS e Kátia Suzue, considerada uma das 10 mulheres mais atuantes da street art brasileira. Nesse andar há também obras do californiano John Howard, que veio ao Brasil nos anos 70 e se tornou um precursor do grafite no país.
“Para essa exposição, montei uma história e um roteiro para ela. Busquei artistas que me ajudaram a contar essa história”, destaca o curador. “Acho que conseguimos fazer uma mostra bem abrangente de grafite e de arte de rua”, acrescenta.
Neste primeiro piso, há também uma sala reservada para abrigar uma instalação de Walter Nomura, conhecido como Tinho. Para refletir sobre a transição entre o grafite e a arte contemporânea, a sala é composta por espelhos que simulam caleidoscópios e por grandes bichos de pelúcia, que são levados ao local pelo próprio público – e que depois serão doados para instituições.
“O Tinho tem um personagem – um bichinho de pelúcia. Inclusive, há uma obra tátil que foi disponibilizada para essa exposição. E quando pedimos para ele esse boneco, por questões de acessibilidade, o trabalho dele já previa esses bichos de pelúcia ali no espaço. Essa foi uma ideia do próprio artista de coletar essas doações para que depois fosse feita uma doação para uma instituição. E as pessoas estão trazendo seus bichinhos”, relata Ferreira.
Os demais espaços são dedicados à street art e ao hip hop. “O piso-1 traz uma proposta mais urbana com referências de murais que estão em prédios”, acentua. “No andar subterrâneo (-2) há um andar inteiro dedicado ao grafite e ao hip hop. Tem um trem todo grafitado produzido por um artista de Nova York, que participou dessa cena nos anos 70, no início da cultura do grafite”, acrescenta Binho.
Oficinas e acessibilidade
Em paralelo às obras, a exposição promove, também, shows de hip hop, oficinas e outras atividades educativas. Em maio, as oficinas são direcionadas para o break dance, modalidade que vai figurar pela primeira vez em uma Olimpíada: em Paris, em 2024. Já em junho, as oficinas se ocuparão das rimas.
“A ideia era ter uma pista de dança para que as pessoas se apropriassem do espaço”, assegurou Ferreira. “Chamamos o coletivo Matéria Rima, que já tem esse trabalho nas periferias de São Paulo, para apresentar essas ações de grafite, de slam [batalha de rimas ou de poesias], de rima, de dança e de discotecagem”, destaca Ferreira.
O Núcleo de Formação do Itaú Cultural também preparou uma programação especial que prevê desde passeios pela Avenida Paulista até a construção de um painel colaborativo a ser composto por criações do público.
Um dos destaques da mostra é que ela conta com recursos de acessibilidade. Há 11 obras táteis, além de piso, vídeoguias com interpretação em libras e audiodescrição em todos os andares. “Nessa exposição, além da visita das obras, tem também algumas instalações interativas. Há diversas obras que são também acessíveis. Tem também uma parte de tecnologia e de realidade aumentada”, finaliza Binho.
Mais informações sobre a exposição, que é gratuita, podem ser obtidas no site da instituição.