Africanos têm menos chance de encontrar doador de medula óssea

Estudo realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) confirmou que pessoas de ancestralidade africana têm mais dificuldade de encontrar um doador compatível de medula óssea. A pesquisa foi feita em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca), tendo sido publicada na revista científica Frontiers in Immunology.

O professor do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (Ibrag) da Uerj, Luís Cristóvão Pôrto, um dos coordenadores do trabalho, esclareceu, em entrevista à Agência Brasil, que essa informação já existia em outros registros de doadores de medula óssea na Europa e Estados Unidos. Apesar de campanhas feitas no Brasil pelo Ministério da Saúde para aumento de doadores, a representatividade não é tão homogênea, refletindo todo o perfil demográfico brasileiro, comentou.

“Temos bem representadas algumas cor/raça pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no nosso Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), mas na verdade, estariam desfavorecendo, de certa maneira, o paciente que tenha uma ascendência africana”. 

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Segundo dados de dezembro do ano passado, que foram trabalhados no estudo, existiam no Redome àquela época 5 milhões se registros de doadores, dos quais 2,760 milhões eram brancos; 1,218 milhão, pardos; 22,6 mil, indígenas; 364 mil, pretos; e mais de 165 mil, amarelos. Não informaram cor ou raça 543 mil pessoas. O Redome é mantido pelo Inca e apresenta, atualmente, mais de 5,249 milhões de doadores voluntários de todo o país.

Origem

Pôrto afirmou que outra razão é a origem europeia do povo brasileiro estar mais concentrada na Península Iberica, embora haja outros povos europeus que vieram para o Brasil, como italianos e alemães, que se instalaram mais na Região Sul, e asiáticos, como japoneses.

Essas populações têm uma diversidade no HLA (sistema de genes que é um dos principais determinantes da histocompatibilidade em transplantes, incluindo transplante de medula óssea) menor do que a população do continente africano como um todo. “Lá tem uma variedade em termos de moléculas HLA e de genes para isso muito grande, que não está representada em nenhum registro”, disse.

Segundo o professor da Uerj, a boa notícia é que, mesmo com essa diferença, “o nosso Redome tem atendido muito a uma demanda internacional que vem buscar aqui esses doadores que também estão sub representados, por exemplo, no banco norte-americano”. Ele afirmou que o grupo da USP fez um levantamento da ancestralidade com maiores marcadores. Além de adotar a classificação do IBGE com a autodefinição de “pretos”, “pardos” e “brancos”, a informação contida no DNA dos doadores foi usada para definir a ancestralidade genética em uma amostra de mais de oito mil brasileiros. 

A pesquisa demonstrou que brasileiros com maior proporção de ancestralidade africana no seu genoma têm redução de 60% nas chances de encontrar um doador compatível entre os cadastrados no Redome, quando comparados aos de ancestralidade majoritariamente europeia.

“O HLA reflete um pouco essa ancestralidade, mas nós temos mais ferramentas para definir essa ancestralidade”, observou Pôrto. A pesquisa se baseou não só na declaração dos doadores ao se cadastrarem no Redome, mas cruzou as informações com dados de marcadores genéticos de ancestralidade. “O grupo da USP caracterizou, de maneira molecular, essa ancestralidade, buscando, posteriormente, se o HLA dessas pessoas estava contratado dentro do Redome. O resultado apresentou uma diferença significativa”, explicou.

Ou seja, há poucos doadores de medula óssea de origem africana no Redome. “Temos um número suficiente mas, proporcionalmente, o outro grupo está melhor representado. A chance (de encontrar um doador) não é equitativa, de certa maneira”. Embora tenham vindo muitos negros da África para o Brasil, a diversidade não está bem representada no Redome, sustentou Pôrto.

Tipos de transplantes

Acrescentou que o ideal é que sejam feitas no Brasil campanhas direcionadas a estimular o cadastramento de novos doadores de origem africana, porque isso aumentará as chances de pessoas com essa ancestralidade encontrarem um doador de medula óssea compatível. Nos Estados Unidos, são feitas iniciativas direcionadas a recrutar mais doadores do grupo populacional de hispânicos, por exemplo, informou o professor.

O transplante de medula óssea é a cura para várias doenças, como leucemia e anemia falciforme, doenças hematológicas com defeitos genéticos. 

Os transplantes podem ser de três tipos: transplante alogênico aparentado, quando as células provêm de um doador da família do doente; transplante autólogo, quando as células são do próprio paciente transplantado; e transplante alogênico não aparentado, quando as células provêm de um doador desconhecido. 

A realização do transplante depende da disponibilidade de um doador com perfil imunológico compatível para os genes do sistema HLA (os mais variáveis do nosso genoma), a fim de evitar a rejeição. 

“Se não encontra entre um parente a mesma identidade HLA, o acesso realmente é buscar no Redome”, disse Pôrto. O tipo de transplante que mais se faz é o autólogo, ou seja, da pessoa para ela mesma. O professor informou ainda que em torno de mil transplantes de medula óssea não aparentados são feitos por ano no país.

Para se cadastrar como doador de medula óssea, a pessoa interessada tem que ter entre 18 e 55 anos de idade; estar em bom estado geral de saúde; não ter doença infecciosa ou incapacitante; não apresentar doença neoplásica (câncer), hematológica (do sangue) ou do sistema imunológico. O Redome esclarece que algumas complicações de saúde não são impeditivas para doação, sendo analisadas caso a caso.