Nascida no Brasil em 2002, a baleia-franca foi vista pela primeira vez em uma área de alimentação nas Ilhas Geórgia do Sul, na região de convergência com a Antártica, no Atlântico Sul. A descoberta foi possível devido ao trabalho conjunto iniciado em 2018 com a Inglaterra, O mamífero foi avistado em janeiro deste ano.
A descoberta foi anunciada nesta semana pela bióloga Karina Groch, coordenadora de pesquisa do Projeto Franca Austral (ProFranca), durante encontro virtual do Comitê Científico da Comissão Internacional Baleeira (IWC). Promovido pelos ministérios das Relações Exteriores e do Meio Ambiente, o encontro se estende até o dia 14 de maio próximo.
A baleia-franca foi catalogada com o número B139-02 e reavistada mais duas vezes no Brasil, em 2005 e em 2007, desta vez quando estava com seu primeiro filhote.
De acordo com a bióloga, o número de baleias-franca no país vem crescendo. Ela destacou a necessidade de uma forte ação de conservação para assegurar a sobrevivência e recuperação da espécie, que ainda é considerada ameaçada de extinção, em função da caça intensiva até o início da década de 1970. Dados do projeto revelam que, na Argentina, nos últimos 10 anos, ocorre alta mortalidade de filhotes no ano de nascimento.
Uma nova linha de pesquisa será iniciada e vai abordar as atividades que podem estar impactando a espécie, entre as quais os enredamentos em artefatos de pesca. “No caso da baleia-franca, não causa morte do indivíduo, mas é uma preocupação, porque provoca estresse para o animal e prejuízo para o pescador”. A ideia é encontrar, no médio e longo prazo, uma maneira de minimizar esse prejuízo tanto para o pescador, como para a baleia.
Trajeto
A descoberta do trajeto da baleia-franca nascida no Brasil foi feita por comparação de fotos aéreas do Catálogo Brasileiro de Fotoidentificação das Baleias-Franca com fotos obtidas durante a expedição Braveheart, da equipe do South Georgia Right Whale Project, coordenado pela pesquisadora Jennifer Jacskon, da British AntarticSurvey (Inglaterra).
O projeto é multinacional, contando com a colaboração de pesquisadores de vários países. A bióloga Karina e o médico-veterinário Milton Marcondes, do Projeto Baleia Jubarte, integram a delegação brasileira que participa da reunião do IWC. Os dois projetos são patrocinados pela Petrobras.
A baleia-franca austral ocupa a região sul brasileira, com concentração reprodutiva em Santa Catarina. É uma espécie migratória. Ela migra entre as áreas de reprodução e de alimentação, com relação com outros países onde a espécie ocorre também, como Argentina e Uruguai.
Os dados levados ao IWC são resultado de pesquisa de longo prazo iniciada há quase 40 anos, desde que a baleia-franca voltou a ocupar o país, depois de ser caçada por quase 400 anos, e que passou a contar com apoio da Petrobras a partir do final de 2019. A principal ação realizada desde então pelos pesquisadores é o monitoramento aéreo de baleias-franca na região, para identificação individual, contagem dos indivíduos e mapeamento de áreas mais importantes para a continuação da espécie.
Taxa de crescimento
Segundo a bióloga, a baleia-franca tem uma característica exclusiva da espécie que é a existência de um conjunto de calosidades no alto da cabeça, que servem para o reconhecimento individual, ao contrário das baleias jubarte, que têm na cauda um padrão de cor branco e preto. De acordo com Karina, as calosidades cabeça “são como uma impressão digital”. A partir de fotos aéreas, consegue-se reconhecer cada animal e catalogar. “Já temos mais de mil baleias-franca catalogadas”, disse.
A estimativa matual sobre as baleias-franca do Brasil, no Projeto Franca Austral (ProFranca), é que a população da espécie está crescendo a uma taxa de 4,8% ao ano.
“É uma taxa muito importante” disse Karina. Ela afirmou que há cerca de dez anos a taxa apurada foi de 11%, “mas era baseada em uma série pequena de dados”.
Além disso, os pesquisadores constataram que muito do crescimento populacional se deve à vinda de baleias de outras regiões para o Brasil. Segundo a bióloga, das mil baleias catalogadas no Projeto ProFranca, 124 também foram catalogadas na Argentina.
O número representa no Brasil 13% das baleias que foram catalogadas aqui. Segundo a bióloga, isso mostra que é preciso que o trabalho seja feito de forma coordenada com outros países da América do Sul. “Isso, se a gente quiser realmente proteger a baleia-franca no nosso litoral e garantir a recuperação populacional.”
Temporada
Cada fêmea se reproduz em geral a cada três anos. A estimativa é que cerca de 568 baleias-franca vêm à costa brasileira regularmente. Mas como elas têm um intervalo reprodutivo trianual e geram um filhote a cada três anos, a média de baleias-franca que chegam a cada temporada – de julho a novembro, com pico de ocorrência em setembro – alcança entre 100 e 120 animais.
Em 2020, o total de baleias-franca que chegaram ao Brasil foi bem baixo (43 animais), de acordo com sobrevoo realizado em setembro desde o Chuí (RS) até o norte de Santa Catarina. (PR). Em 2018, houve recorde de 300 baleias.
Inteligência artificial
O Projeto Baleia Jubarte está levando para o encontro do IWC um estudo ainda em desenvolvimento no Brasil, que usa uma câmera térmica com inteligência artificial para identificar a presença de baleias na rota dos navios que transportam celulose no Banco dos Abrolhos, no Sul da Bahia e Espirito Santo, local de reprodução das baleias jubartes.
O médico veterinário Milton Marcondes informou que a câmera está sendo testada em parceria com a Companhia de Navegação Norsul e a Veracel Celulose. Ela funciona com infravermelho que consegue identificar a presença do animal pelo calor do corpo até um quilômetro de distância e emitir um alerta para que o navio mude a rota. Marcondes explicou que, “normalmente, durante o dia, um observador vai no navio e avisa ao comandante quando um animal se aproxima, mas isso não é possível à noite. Por isso a importância do equipamento, para minimizar o risco de atropelamento das baleias”.
A Comissão Internacional Baleeira (IWC) é o maior fórum mundial sobre baleias e discute temas como conservação das espécies de cetáceos, poluição e a caça de baleias por alguns países. Milton Marcondes avaliou que é fundamental o Brasil participar do Comitê Científico, que dará a base técnica e cientifica para as decisões da comissão. Para ele, o Brasil pode não só ter contato com as recentes pesquisas mundiais sobre as baleias, “mas também para ajudar a defender a posição pró conservação do Brasil”. (Alana Gandra)