Na Paralimpíada de Tóquio (Japão), o Brasil só não esteve representado em duas modalidades: basquete e rugby em cadeira de rodas. Para ambas, porém, o ciclo de Paris (França) começou bem, com a classificação das seleções aos respectivos Campeonatos Mundiais. No caso do rugby, será a estreia brasileira na oitava edição do evento.
A competição ocorrerá em Velje (Dinamarca), entre 8 e 17 de outubro. A equipe terá uma última fase de preparação, no Centro de Treinamento Paralímpico (CTP), em São Paulo, entre 10 e 16 de setembro, mês seguinte à realização do Campeonato Brasileiro – primeira e segunda divisões – de rugby em cadeira de rodas, de 15 a 17 de agosto, também no CTP.
A vaga inédita no Mundial veio com o terceiro lugar no Campeonato das Américas, realizado em Medelín (Colômbia), em março. Na primeira fase, os brasileiros venceram Chile (62 a 8) e Argentina (65 a 32) e foram derrotados por Canadá (33 a 57), Estados Unidos (38 a 60) e pelos anfitriões (39 a 45). Na semifinal, a seleção novamente não resistiu aos canadenses (35 a 52), mas conseguiu a revanche com os colombianos na disputa do bronze, fazendo 54 a 52 nos donos da casa. Os mesmos que, em 2019, deixaram o Brasil fora do pódio nos Jogos Parapan-Americanos de Lima (Peru).
“Em setembro, voltando [do auge] da pandemia, fizemos uma seletiva com 42 atletas. Chamamos 21 deles para um torneio preparatório na Colômbia, até fecharmos em 12 nomes. Foi um processo difícil, principalmente, pelo retorno da pandemia. Muitos atletas, de diferentes regiões, não tinham quadra para treinar, por conta das barreiras sanitárias. Fomos à Copa América com a expectativa alta, mas um planejamento visando a melhor condição física para o jogo do bronze”, descreveu Rafael Gouveia, técnico da seleção brasileira, à Agência Brasil.
“Sempre brigamos com a Colômbia como terceira potência das Américas, então sabíamos que teríamos chance. Fizemos um trabalho específico com relação a eles, que seriam nossos adversários diretos [pelo terceiro lugar e a vaga no Mundial], já que Canadá [país onde surgiu o rugby em cadeira de rodas] e Estados Unidos [prata em Tóquio e maior campeão mundial, com quatro títulos] estavam um patamar acima. Tivemos uma preparação física maior, mais horas de treino e o grupo ficou mais coeso”, emendou o capitão Guilherme Camargo.
A campanha em Medelín ficou marcada também pelo falecimento de Luiz Claudio Pereira, ex-presidente da Associação Brasileira de Rugby em Cadeira de Rodas (ABRC). Ex-atleta paralímpico de arremesso de peso, lançamento (dardo e disco) e pentatlo, além de quinto maior medalhista do país em Paralimpíadas (nove ao todo, seis douradas), ele era o chefe da delegação na Colômbia e a viagem marcaria o fim do ciclo na entidade. A morte de Luiz Cláudio ocorreu um dia antes da estreia no Campeonato das Américas.
“[O falecimento] Abalou um pouco o psicológico do grupo, mas ao mesmo tempo, fomos muito maduros. Soubemos nos fechar e nos fortalecer. Estávamos em contato com parentes dele, que pediram para continuarmos jogando. Prometemos que traríamos a medalha, que era o desejo dele. Fizemos nosso trabalho e cumprimos a promessa”, recordou Guilherme.
“Teve vários problemas na viagem. Perda da mala, dano nos materiais, perdemos treino por causa desse atraso e depois o falecimento. Um dano psicológico alto, mas o grupo valorizou ainda mais a medalha, comprou a estratégia e teve um comportamento bem positivo ante as adversidades”, destacou Rafael, que assumiu a seleção em abril do ano passado, por meio de um processo seletivo aberto pela ABCR, via edital.
O Brasil foi sorteado no Grupo B do Mundial, mesma chave da Austrália, Japão (atual campeão e bronze em Tóquio), Canadá, Colômbia e da anfitriã Dinamarca. No Grupo A, ficaram Grã-Bretanha (atual campeã paralímpica), Estados Unidos, França, Nova Zelândia, Suíça e Alemanha. Os dois primeiros de cada chave avançam às semifinais. As equipes que ficarem nos terceiros e quartos lugares disputam um mata-mata valendo a quinta posição geral, enquanto as que forem as duas últimas dos respectivos grupos competem pela nona colocação do campeonato.
“A chave não está das mais fáceis. Sendo bem realista, nossa expectativa é brigar pelo quinto lugar [geral]. Se ficarmos em terceiro ou quarto no grupo, dependendo dos resultados do Canadá, podemos cruzar com Alemanha, Nova Zelândia ou Suíça, países que estamos focados em vencer. O top 5 no Mundial traz outra perspectiva”, analisou o capitão do Brasil, atualmente nono colocado do ranking da World Wheelchair Rugby, federação internacional da modalidade.
“Na semana de [treinamentos de] abril, realizamos exames para ver toda a composição corporal [dos atletas], massa gorda e massa magra, testes de velocidade e resistência. Agora, sabendo os adversários [o sorteio foi no último dia 7 de julho], estamos preparando o material sobre cada jogo. Teremos encontros online para chegarmos em setembro sabendo o que enfrentar nos treinos. Viajaremos mais cedo [para a Dinamarca], para nos adaptarmos ao fuso horário, treinar e disputar amistosos e chegar no torneio na ponta dos cascos”, descreveu o técnico brasileiro.
Rumo à Paris
O Mundial é o primeiro passo rumo à Paris, já que o vencedor assegura vaga antecipada aos Jogos. A próxima oportunidade será no Parapan de Santiago (Chile), no ano que vem, que classifica o medalhista de ouro à Paralimpíada – se for a mesma seleção campeã do mundo, o vice fica com o lugar. Ao Brasil, chegar à França seria histórico, pois a única participação paralímpica foi em 2016, no Rio de Janeiro, como país-sede.
No ciclo de Tóquio, os brasileiros disputaram, em março de 2020, a repescagem mundial em Vancouver (Canadá). O torneio reuniu sete equipes, em sistema de pontos corridos, no qual os quatro primeiros avançaram às semifinais e os dois finalistas se classificaram para os Jogos. A seleção, porém, não resistiu a suíços, alemães, canadenses, franceses, colombianos e suecos.
“São dois ciclos bem diferentes [Tóquio e Paris]. Implementamos uma nova preparação, focando, também, na parte tática dos adversários e implementando novas tecnologias que o CT Paralímpico vem oferecendo. Acho que temos feito um trabalho melhor, mais amplo, com profissionais de mais áreas e um pensamento de longo prazo. Isso tem feito diferença para os resultados e a preparação psicológica serem melhores, com mais confiança”, analisou Guilherme, que sofreu uma lesão medular em 2007 após um acidente de carro e defende a seleção de rugby em cadeira de rodas há 13 anos.
“Temos atletas muito bons funcionalmente, mas em uma leitura bem profissional, éramos meio previsíveis taticamente. Começamos com um número um pouco maior de variações táticas e procuramos capacitar os atletas para construirmos um outro line [formação] e termos alternativa à velocidade excessiva que os times de fora têm. Fazemos o scout [análise estatística] de todos os treinos e jogos, chegarmos a um nível de detalhe numérico e visual. O Brian [Muniz, ex-jogador da seleção norte-americana e técnico do Brasil entre 2009 e 2010] e o Tomasz [Bidus, ex-capitão da Polônia], nossos auxiliares, são muito bons nessa parte pedagógica e nosso modelo cresce. Acho que o bronze [na Copa América] deu uma segurança maior para fazermos o trabalho”, concluiu o técnico.
A modalidade
O rugby em cadeira de rodas é praticado por homens e mulheres, sem divisão por gênero, com tetraplegia ou grau elevado de comprometimento físico-motor. Os competidores são divididos em sete classes, que vão de 0,5 ao 3,5, variando a cada meio ponto. Quanto menor o número da categoria, maior a deficiência. A soma das classes dos atletas em quadra (quatro por time) não pode passar de oito.
O jogo tem quatro períodos de oito minutos e ocorre em uma quadra com dimensões de basquete (15 metros de largura por 28 metros de comprimento). Para pontuarem, os atletas devem ultrapassar a linha do gol rival com as duas rodas da cadeira e a bola (que é semelhante à do voleibol) em mãos.