Coluna – Técnicos estrangeiros e clube-empresa invadem nosso futebol

O futebol realmente mudou. Há quanto tempo não vemos uma discussão boa e acalorada sobre o resultado de uma partida? Qual foi a última vez em que você debateu com um amigo sobre a justiça do placar de um jogo e sobre quem foi o melhor em campo? Talvez você não lembre, mas certamente está fresca na sua memória a última vez em que o árbitro de vídeo interferiu pro bem ou pro mal do seu time.

Mudou, não é? Até pouco tempo atrás, o árbitro de vídeo, ou o VAR, pra facilitar o diálogo, ocupou o principal espaço das discussões, e o árbitro de campo virou o maior personagem. Quem fez o gol passa quase incólume. O que vale na discussão é se o juiz errou ou, até mesmo, “roubou”, vejam só!

Pois agora surgiram outros dois personagens para deixar ainda mais distante a discussão sobre o futebol como esporte. O de dentro das quatro linhas. Pegue o noticiário e verá que os técnicos estrangeiros estão em alta e a cada dia um novo clube vai em busca de um treinador lá de fora. Os nomes que aparecem são desconhecidos da grande maioria e poucos, bem poucos mesmo, têm histórico de grandes conquistas que os façam mais competentes, ao menos no papel, que os profissionais que trabalham aqui.

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Eu seria um louco de negar os resultados que alguns deles apresentaram, mas vale lembrar que, à exceção do Juan Pablo Vojvoda, no Fortaleza, os demais só brilharam no Atlético-MG, no Palmeiras e no Flamengo, coincidentemente os três times mais fortes do país desde 2019. Então a responsabilidade maior realmente foi do treinador estrangeiro ou o trabalho foi facilitado pela qualidade do grupo?

Cuca, Rogério Ceni e Renato Gaúcho são três exemplos que contrariam qualquer das opções que tenha sido a sua resposta. O primeiro brilhou com o time do Galo; os outros dois decepcionaram com o elenco rubro-negro. É difícil responder. Mas é fácil perceber, também, que muito dos bons resultados dos estrangeiros por aqui deve-se aos outros profissionais que vêm com eles, formando comissões técnicas com inovações nos treinamentos e na administração do grupo.

O outro personagem é ainda mais recente, no caso a outra: a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que surge como salvadora dos clubes que não veem outra saída para quitarem suas dívidas para se manterem de pé. É fato que existem casos e casos, nem todos os que se transformaram, ou estão em processo de, passam por dificuldades financeiras. Mas os três que se destacaram recentemente – Cruzeiro, Botafogo e Vasco – não viam outro caminho a percorrer.

E a bola, que perdeu espaço para o vídeo e para os técnicos, agora é substituída pelos empresários ricos que querem faturar com o futebol brasileiro.

Eu fui contra o VAR. E continuo sendo. Não sou contrário à vinda dos técnicos estrangeiros, mas também não os vejo como única solução para as equipes que buscam melhor futebol. E ainda tenho algumas dúvidas quanto à chegada das SAFs, principalmente para os clubes de tradição e grandes torcidas. Porque o empresário não virá para ser campeão, mas sim pra ter retorno e lucro do investimento, equilíbrio nas contas e, quem sabe no futuro, levantar uma taça expressiva.

Será que o torcedor mais apaixonado saberá ter essa paciência? Não tem com o VAR, não tem com os técnicos estrangeiros. Para esses dois, ainda há alternativas, caso saiam de cena. Mas se a empresa for embora, o clube vai à falência. E é isso que me preocupa.

* Sergio du Bocage é apresentador do programa No Mundo da Bola, da TV Brasil.