Presidente manteve contato com apoiadores no mínimo em 70 viagens realizadas no período, segundo levantamento baseado nos álbuns de fotografia oficiais do Palácio do Planalto; ele usava máscara em apenas três ocasiões
RIO – O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), participou de pelo menos 84 aglomerações desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia da Covid-19 em 11 de março do ano passado. Em média, o chefe do Executivo brasileiro esteve presente em uma concentração de pessoas a cada 5,3 dias, algumas delas registradas na mesma data, segundo levantamento feito pelo GLOBO baseado exclusivamente nos álbuns oficiais do perfil do Palácio do Planalto no Flickr – comunidade online de compartilhamento de fotografias.
Nas aglomerações contabilizadas durante 70 viagens e atos em Brasília, Bolsonaro usou máscara em apenas três ocasiões. Em quase todas as demais, o presidente posou para fotos em meio a multidões e cumprimentou seus apoiadores com apertos de mão e abraços. Ele ainda segurou crianças no colo e se alimentou sem cuidados de higienização, em desacordo com os protocolos sanitários preconizados por especialistas de saúde.
O levantamento não considerou eventos, solenidades e reuniões com autoridades, embora em algumas situações o distanciamento social tenha sido desrespeitado. Em contrapartida, algumas aglomerações foram reportadas no mesmo dia em locais diferentes, ainda que na mesma cidade. Viagens em que o presidente desembarcou em um aeroporto e seguiu de carro a outra cidade foram admitidas como apenas uma.
O primeiro registro de aglomeração que consta no álbum oficial da Presidência foi em 11 de abril do ano passado, quando Bolsonaro vistoriou as obras de instalação do Hospital de Campanha de Águas Lindas de Goiás, acompanhado do governador do estado, Ronaldo Caiado (DEM).
Após chegar de helicóptero à cidade goiana, Bolsonaro colocou a máscara durante a inspeção dos trabalhos para erguer o hospital de campanha. O respeito ao protocolo não se repetiu ao cumprimentar apoiadores que estavam no local.
Múltiplas aglomerações
Em suas viagens, Bolsonaro promoveu quatro aglomerações no mesmo dia em duas ocasiões. Em 18 de setembro de 2020, o presidente fez duas paradas em Mato Grosso. Em Sinop, o primeiro compromisso foi um ato realizado pelos representantes do Agronegócio. Bolsonaro chegou sem máscara, cumprimentou os produtores rurais, tirou foto em frente a um outdoor que defendia o armamento da população e discursou em um palanque montado dentro de um galpão fechado.
No mesmo município, Bolsonaro visitou, sem máscara, a Usina de Etanol INPASA. Mesmo desprotegido, segurou no colo crianças que também estavam sem o equipamento – e até um cachorro entregue por apoiadores.
Após deixar Sinop, o presidente desembarcou em Sorriso (MT), onde participou de dois compromissos com aglomerações: o ato de entrega de títulos de propriedade rural e o lançamento simbólico do plantio de soja.
— Vocês não pararam durante a pandemia. Vocês não entraram naquela conversinha mole de ‘fique em casa, que a economia a gente vê depois’. Isso é para os fracos. O vírus, eu sempre disse, era uma realidade, e tínhamos que enfrentá-lo. Nada de se acovardar perante aquilo que nós não podemos fugir dele — disse Bolsonaro em discurso no município mato-grossense.
Em 13 de maio deste ano, quando a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 já estava em andamento e o Brasil alcançava 430.417 mortos pela pandemia, Bolsonaro viajou a Alagoas e promoveu no mínimo quatro concentrações de pessoas. No estado do senador Renan Calheiros (MDB-AL), ele ainda criticou o relator da CPI que investiga supostas omissões e irregularidades nas ações do governo federal durante a pandemia.
Em Maceió, Bolsonaro entregou 500 unidades habitacionais no Residencial Oiticica I e inaugurou o complexo viário das BRs 104 e 316. O presidente não usou máscara em nenhum dos dois eventos. Em ambos, ele foi ao encontro de apoiadores que se amontoavam no local.
Após deixar a capital de Alagoas, a comitiva presidencial esteve em São José da Tapera, localizado a 240 km de Maceió, para inaugurar o Canal do Sertão Alagoano. Bolsonaro estava acompanhado do senador Fernando Collor (PROS-AL) e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O trio dispensou as máscaras durante o evento.
O presidente ainda fez uma “parada inopinada”, conforme descrito no álbum de fotografias da Presidência da República, por não estar prevista na agenda oficial. O helicóptero oficial aterrissou em um campo de futebol de várzea no Povoado Alecrim, no município alagoano de Girau do Ponciano. Bolsonaro abraçou os moradores, tirou fotos com crianças, caminhou pelas ruas do lugarejo e entrou em um mercado. Tudo isso, outra vez, sem máscara.
Entre as mais recentes aglomerações registradas pelos fotógrafos do Planalto, em maio, está a motociata realizada no dia 23 no Rio de Janeiro. Além do séquito que acompanhava o presidente de moto, o passeio atraiu críticos do governo que protestaram contra a atual administração. O ato também contou com a presença do secretário de Estudos Estratégicos da Presidência da República e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
A presença do general contrariou o Regulamento Disciplinar do Exército e pelo Estatuto das Forças Armadas, que proíbe a participação de militares da ativa em manifestações políticas. O Comando do Exército, no entanto, avaliou que Pazuello não cometeu “transgressão disciplinar”.
Máscara
Das aglomerações em que Bolsonaro usou máscara, a primeira foi em 31 de julho de 2020, quando o presidente visitou a Escola Municipal Cívico-Militar de Ensino Fundamental São Pedro. Mas apesar de ter usado o equipamento de proteção durante a maior parte do tempo, Bolsonaro foi fotografado com o item abaixo do nariz.
No dia 5 de abril deste ano, Bolsonaro participou da inauguração de dois residenciais na região administrativa de São Sebastião, no Distrito Federal. O presidente estava acompanhado da ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL-DF), e do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB). Bolsonaro tirou a máscara apenas na hora de discursar.
Naquele mesmo mês, em visita ao Centro Avançado de Atendimento Covid-19 em Chapecó (SC), Bolsonaro chegou ao local de máscara, mas se aproximou de apoiadores aglomerados que negligenciaram o equipamento de proteção.
A reportagem entrou em contato com a Presidência da República, que não se pronunciou até esta publicação.
Fonte: O Globo