Ex-ministro da Saúde tentou proteger presidente em temas como tratamento precoce, compra de vacinas e uso de máscaras, avaliam integrantes da comissão parlamentar de inquérito.
Por Marcela Mattos, Gustavo Garcia e Sara Resende, G1 e TV Globo — Brasília
Após dois dias de depoimento à CPI da Covid, o ex-ministro Eduardo Pazuello buscou principalmente preservar o presidente Jair Bolsonaro, segundo avaliações de senadores integrantes da comissão parlamentar de inquérito.
Para os senadores, o general sustentou nestas quarta (19) e quinta-feira (20) essa posição em temas relativos à propagação do tratamento precoce e ações para evitar a compra de vacinas, entre as quais a CoronaVac – em outubro, o próprio presidente chegou a dizer que cancelaria o contrato para aquisição do imunizante chinês desenvolvido em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.
Para o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Pazuello foi o “campeão das mentiras” entre os que prestaram depoimento à comissão. Segundo levantamento do relator, o ex-ministro mentiu ou entrou em contradição pelo menos 14 vezes.
Pazuello também evitou comentar comportamentos do presidente em desrespeito a medidas preventivas e sanitárias, como o uso de máscaras e a defesa do distanciamento social. Logo no início do depoimento, ele próprio se disse favorável às medidas.
“O senhor está aqui claramente protegendo uma pessoa: o presidente da República. Seria melhor o senhor colaborar mais diretamente com esta Comissão Parlamentar de Inquérito porque ficou claro aqui de quem foi a responsabilidade sobre toda essa tragédia que estamos vivendo”, afirmou o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Até o momento, Pazuello foi o único depoente que compareceu à comissão por duas vezes. Tanto na quarta quanto nesta quinta-feira, a oitiva foi interrompida quando ainda havia inscritos para fazer questionamentos.
Nas duas ocasiões, a sessão teve de ser encerrada por causa da abertura dos trabalhos do plenário do Senado — as comissões não podem funcionar simultaneamente às sessões deliberativas do plenário.
Sobre Bolsonaro, o ministro afirmou que o presidente participou de reunião em que ficou decidido que o governo federal não iria intervir na saúde pública do Amazonas, mesmo diante do colapso do sistema público estadual.
“A intervenção não foi feita porque chegou-se à conclusão de que o governo do estado tinha condições de continuar à frente da saúde”, disse o ex-ministro. “A argumentação, em tese, é que o estado tinha condição de continuar fazendo a resposta”, disse Pazuello. “Em tese, mas a argumentação eu não tenho aqui. O resumo é que tinha condição de continuar fazendo frente à missão”, completou.
CoronaVac
O ex-ministro foi diversas vezes questionado sobre o anúncio feito por Bolsonaro, em outubro do ano passado, de que tinha mandado cancelar o protocolo de intenções de compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan.
“Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós”, afirmou Bolsonaro à época, um dia depois que o Ministério da Saúde tinha informado sobre o avanço das negociações.
Logo na sequência, Bolsonaro apareceu com o então ministro da Saúde em uma transmissão nas redes sociais. “Senhores, é simples assim: um manda e o outro obedece”, disse Pazuello.
Questionado nesta quinta por senadores, Pazuello disse que o presidente “nunca” falou pessoalmente com ele para que a CoronaVac não fosse adquirida. Segundo ele, a demora na contratação de vacinas foi motivada pela ausência de uma medida provisória que permitisse a compra.
“Isso aí é uma posição de internet, não interfere em nada com o contrato”, disse o ex-ministro, em referência à manifestação do presidente. “O que não houve é a interferência no processo. Não podia, não havia compra, não havia contrato. A intenção de compra foi mantida”, afirmou.
A declaração foi criticada por senadores. “O senhor está assumindo toda a responsabilidade, mesmo a gente tendo presenciado o senhor prometer aos governadores que ia comprar os 46 milhões do Butantan. A gente vibrou, e o senhor presidente desautorizou o senhor publicamente. E ainda foi à sua casa e o senhor disse: ‘Um manda e outro obedece’”, afirmou a senadora Zenaide Maia (Pros-RN).
“O senhor disse ontem que o presidente orientou o senhor a comprar a vacina. Ele não orientou, ele foi contra a compra de vacina. Eu acho até que, quando o senhor disse essa frase, certamente o senhor estava se protegendo, porque o presidente é comandante em chefe das Forças Armadas, e, naquele momento, o senhor era subordinado a ele. Talvez tenha sido a proteção, porque não pode ficar assim, as pessoas [estão] morrendo”, disse Otto Alencar (PSD-BA).
Máscara e distanciamento social
Durante o interrogatório, Pazuello também buscou preservar o presidente da República quando o tema eram medidas de prevenção.
Bolsonaro, com frequência, provoca aglomerações e não utiliza máscaras durante viagens oficiais e passeios pelo Distrito Federal.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) questionou o general do Exército se ele, enquanto ministro da Saúde, não tinha conseguido convencer o presidente da importância da adoção das medidas.
Pazuello disse, incorretamente, que não há comprovação científica do benefício do distanciamento social e do uso de equipamentos de proteção no enfrentamento à pandemia.
Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo, demonstrou a eficácia das medidas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defende as precauções inclusive para pessoas já vacinadas. Além disso, entidades médicas brasileiras afirmam que o lockdown, apesar de extremo, é eficaz.
Em resposta a Alessandro Vieira, na pergunta relacionada a Bolsonaro, Pazuello disse considerar, pessoalmente, medidas preventivas como “necessárias”.
“Não quer dizer que você não escorregue em nenhum momento da sua vida, mas em que você acredita? Eu acredito que as medidas preventivas são necessárias”, disse o militar.
Na sequência, Vieira contestou: “Quando um ministro da Saúde ‘escorrega’ muita gente morre na rua”.
Fabiano Contarato (Rede-ES) declarou que, com uma pesquisa rápida na internet, é possível encontrar registros que mostram que Pazuello e Bolsonaro “difundiram” a não utilização de equipamentos de proteção.
“Se nós colocarmos lá no Google o nome do senhor e o do presidente da República, vamos ver tanto o senhor como o Presidente da República difundindo a utilização de medicação sem nenhuma comprovação científica, difundindo a não utilização de máscara, difundindo o não distanciamento social, contrário à aquisição de vacina, chegando ao ponto de falar que não comprou vacina pelo preço”, afirmou Contarato.
Em outro momento, ex-ministro disse ser um “divulgador” do uso de máscaras, de cuidados pessoais e de distanciamento social e que, à frente do MS, fez campanhas divulgando essas ações.
“O senhor fazia campanha aqui, e o presidente da República ia para lá aglomerar, incentivar a aglomeração e não usar máscara”, afirmou Zenaide Maia (Pros-RN).
Manaus
À CPI, Pazuello apontou como responsáveis pela falta de oxigênio hospitalar em Manaus a empresa fornecedora, White Martins, e a Secretaria de Saúde do estado.
Manaus foi uma das capitais que mais sofreram na pandemia. No início da segunda onda da doença, no fim de janeiro deste ano, a cidade registrou o colapso do sistema da saúde, com falta de oxigênio hospitalar e filas nas UTIs. As mortes por Covid dispararam, e o Ministério Público de Contas aponta pelo menos 31 vítimas por falta de oxigênio hospitalar.
“Vejo aí duas responsabilidades muito claras: uma começa na empresa que consome a sua reserva estratégica e não se posiciona de uma forma clara, e a outra, da secretaria de saúde”, afirmou.
“A empresa White Martins, que é a grande fornecedora, somada à produção da Carbox, que é uma empresa menor, já vinha consumindo sua reserva estratégica e não fez essa posição de uma forma clara desde o início”, afirmou o ex-ministro. Ele acrescentou que se “a Secretaria de Saúde tivesse acompanhado de perto, teria descoberto que estava sendo consumida uma reserva estratégica”.
Senadores afirmaram que, diante do aumento de consumo, o poder público tinha de ter atuado.
“A empresa tem um contrato para atender a um certo volume. Se esse volume é quadruplicado, é o poder público que tem que tomar responsabilidade. É o governo do estado, é o Ministério da Saúde, é a Prefeitura de Manaus”, disse o senador Eduardo Braga (MDB-AM).
Os parlamentares também tentaram apurar o momento inicial em que o ex-ministro soube da situação no Amazonas.
Pazuello voltou a dizer que somente foi informado no dia 10 de janeiro. Diante do colapso de saúde em Manaus, o ex-ministro somente foi ao Amazonas em 11 de janeiro, quando anunciou um plano de contingência.
O próprio Ministério da Saúde, no entanto, formalizou que Pazuello teve conhecimento no dia 7 de janeiro, três dias antes do que ele afirma e quatro dias antes da viagem. Pazuello disse durante o depoimento que a informação da data foi “erro de um servidor”.
“Isso é o papel, escrevendo. Agora, eu estou falando pessoalmente aqui sobre esse assunto. O telefonema do secretário de Saúde para mim, no dia 7, à noite, foi exclusivamente para apoio logístico de transporte de tubos de oxigênio que iam para o interior do Amazonas, saindo de Belém para Manaus”, disse Pazuello.
Cloroquina
Pazuello também foi questionado, pela senadora Leila Barros (PSB-DF), sobre a “frequente” recomendação, feita por Bolsonaro, do uso da hidroxicloroquina, um medicamento ineficaz contra a Covid-19.
O militar, que quando era ministro da Saúde participou de uma “live” com Bolsonaro em que uma caixa do remédio estava sobre a mesa, disse que não houve “pressão” do presidente para produção do remédio.
“Eu nunca fui pressionado, porque eu jamais faria [recomendação do remédio]”, disse o militar.
Leila insistiu: “O que senhor acha de um presidente, o tempo todo, estar numa ‘live’, insistindo no tratamento precoce, usar um remédio que não tem [eficácia]. Você acha que não influencia?”.
O ex-ministro respondeu: “Isso não impactou a minha posição pessoal, que é: eu não vou prescrever nada disso, eu não vou fazer orientação, não vou fazer protocolo de medicamento algum que não tenha certificação médica etc., inclusão no SUS. Isso é uma posição particular. Por isso, quando eu ouço isso aqui, eu fico olhando e dizendo: olha, isso não cola em mim, porque eu não aceitaria essa pressão”.
Fonte: G1
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