Calendário da nova gestão nos primeiros 12 meses envolve posicionamentos com impacto em áreas como economia e política externa, na avaliação de especialistas
Por Bernardo Mello — Rio de Janeiro
Ao fim de sua primeira semana de governo, o presidente Lula fez uma reunião com seus 37 ministros e corre para cumprir um cronograma de posicionamentos e decisões esperados em diferentes áreas, da economia à política externa, passando pela relação com os Poderes. Nos próximos meses, o petista deverá enviar ao Congresso uma proposta de âncora fiscal que substituirá o teto de gastos, com prazo até agosto, e indicar o procurador-geral da República e dois ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF), até outubro.
Além disso, o novo presidente tem previsão de apresentar uma reforma tributária antes do segundo semestre e de fazer viagens para Argentina, Estados Unidos e China nos três primeiros meses do ano, com o objetivo de realinhar relações diplomáticas do Brasil.
Para especialistas, o desenrolar do calendário de definições de Lula em questões-chave ajudará a dar o tom do novo governo. A pauta econômica reúne o maior número de decisões importantes com prazos dentro dos próximos 12 meses.
Além da âncora fiscal e da reforma tributária, há expectativa de que a gestão petista defina um acordo de compensação com os estados por conta do teto do ICMS sobre combustíveis, aprovado pelo Congresso com apoio do governo Bolsonaro no ano passado.
Economistas apontam que a proposta de reforma tributária estudada pela nova gestão tende a aumentar a alíquota incidente sobre o setor de serviços, em comparação ao setor de produtos, e não descartam que o governo Lula busque ampliar a taxação sobre lucros e dividendos — apesar de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter declarado em entrevista ao GLOBO que não vai se debruçar sobre este tópico em um primeiro momento.
— O fato de haver mudança da âncora, prevista pela “PEC da Transição”, leva a crer que há o objetivo de aumentar gastos seja qual for o modelo escolhido, se atrelando a um percentual da dívida sobre o PIB ou a uma meta de superávit primário. Para isso, a reforma tributária deve vir com algum aumento de impostos na prática, e dificilmente haverá espaço para uma queda de arrecadação com isenções no Imposto de Renda, por exemplo, que foi uma das promessas da campanha — avaliou Marcelo Faria, presidente do Instituto Liberal de São Paulo e autor de artigo sobre a “PEC da Transição” publicado pelo Instituto Millenium.
Ainda no primeiro semestre, Lula deverá fazer sua primeira indicação ao STF devido à aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, que completa 75 anos em maio. Em outubro, haverá a abertura de outra vaga com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Entre os nomes cotados para uma das vagas está o advogado Cristiano Zanin, que atuou na defesa de Lula em processos na Lava-Jato.
Após ter introduzido o método de escolha do chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR) seguindo a lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Lula sinalizou ao longo da campanha que pode adotar outro critério em setembro, quando se encerra o mandato de Augusto Aras. Há possibilidade de uma lista ampliada, contando com sugestões de outras entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil.
O advogado constitucionalista Cristiano Vilela, membro da Confederação Americana de Organismos Eleitorais (Caoeste), observa que a Constituição não exige a escolha via lista tríplice para a PGR. A legislação atribui a escolha ao presidente, com posterior análise pelo Senado, mesmo trâmite seguido para indicações ao STF.
No caso do Supremo, o constitucionalista pondera que laços pessoais ou políticos do indicado com o chefe do Executivo não são empecilhos legais, mas que podem despertar questionamentos à escolha. No governo Bolsonaro, o critério adotado para a indicação do ministro André Mendonça à Corte, segundo o próprio presidente, foi o fato de ser evangélico e de ter o aval de pastores próximos ao governo.
– Esse tipo de crítica tem menos força quanto maior for a reputação jurídica, o reconhecimento da qualidade técnica do indicado – observou Vilela.
Na área internacional, Lula deve buscar um contraste com a política externa do governo Bolsonaro. O petista deve participar da reunião da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) na Argentina, em janeiro.
O cientista político Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da Uerj, observa um “peso simbólico” no roteiro de viagens traçado por Lula, que sugere maior enfoque na integração regional e uma postura assertiva na política externa, com aposta em gestos multilaterais.
– Lula deve buscar essa integração com governos de esquerda e de direita na América Latina, revertendo uma tendência recente de prolongamento de disputas partidárias na política regional. No cenário global, como na Assembleia-Geral da ONU em setembro, uma das principais cartadas de Lula deve ser a preservação ambiental aliada à criação de mecanismos para proteção social e combate à fome. A forma de lidar com a Amazônia é o tema que hoje pode tanto tirar quanto colocar o Brasil das mesas que reúnem as principais potências do mundo – avalia Santoro.
Fonte: O Globo