Discussão sobre passe livre avança em grandes capitais

Bandeira levantada por movimentos populares nas grandes manifestações de junho de 2013, o fim da cobrança da passagem no transporte coletivo público urbano tem avançado nas casas legislativas e nas prefeituras de capitais do país. São Paulo e Belo Horizonte são exemplos de capitais em que a pauta tem ganhado espaço seja por novas leis vindas das câmaras municipais ou de decisões do poder executivo.

No país, 74 municípios já adotaram a tarifa zero plena no transporte coletivo. A maioria está em São Paulo e Minas Gerais: são 21 cidades paulistas e 18 mineiras. Em consonância com os municípios menores, as capitais desses estados agora avançam também no sentido da adoção do passe livre. 

No final do ano passado, a prefeitura de São Paulo pediu um estudo de viabilidade para a adoção do passe livre na cidade. O projeto “Tarifa Zero” está sendo desenvolvido pela São Paulo Transporte (SPTrans), empresa pública que faz a gestão do transporte no município. Segundo a administração municipal, o estudo ainda não está pronto. 

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No último dia 15, vereadores de São Paulo propuseram um projeto de lei (PL) que dá passe livre parcial no município paulista, especialmente para pessoas de baixa renda: inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) e desempregados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

No dia 23, a Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte aprovou o passe livre no transporte público municipal para estudantes, mulheres vítimas de violência em deslocamento para atendimento, e em linhas que passem por favelas e vilas.  Também foi aprovada a permissão para prefeitura abrir créditos adicionais no orçamento para implementar o transporte gratuito para toda a população aos domingos e feriados.

“Os políticos em São Paulo e BH que passaram a defender a tarifa zero não são do campo progressista. Como é que você entende essa movimentação de empresas e políticos conservadores abraçando essa pauta progressista? Pelo colapso iminente do sistema de financiamento do transporte público”, diz o pesquisador Daniel Santini.

Dados da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) mostram que a demanda de passageiros pelo transporte público de ônibus no país caiu quase 20% após a pandemia de covid-19. O número de passageiros em fevereiro de 2023 caiu para 82,8% do registrado no mesmo mês de 2020, o que mostra que a utilização do meio de transporte não se recuperou mesmo após a crise sanitária.

“Você tem um colapso em curso, com o sistema de transporte encolhendo de maneira muito acelerada, e as empresas vislumbraram isso, estão cientes de que essa é uma situação quase irreversível. E estão buscando soluções em função disso”, acrescenta o pesquisador, que também é autor do livro Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização, e coorganizador do livro Mobilidade Antirracista

De acordo com o Santini, adoção do passe livre nas cidades, na atual conjuntura, congregaria interesses das empresas de transporte, porque aumentaria a demanda de passageiros, com a remuneração feita diretamente pelo poder público; dos usuários; e até dos políticos, interessados em ganho de capital eleitoral.   

“Isso que está acontecendo [o avanço do passe livre] é porque você tem a questão social, econômica e política caminhando na mesma direção. E o fator eleitoral talvez seja o gatilho acelerador de todo o processo”, ressalta.

Transporte como direito

A mobilidade como um direito foi uma das bandeiras do movimento de junho de 2013. Na época, no entanto, a ideia enfrentou muita resistência em diversos setores da sociedade. De lá para cá, o entendimento tem mudado e se consolidado a ideia de que o transporte deve ser garantido pelo Estado.     

“A gente está vivendo um momento interessante em que não se discute mais se mobilidade é um direito ou um serviço. Está todo mundo partindo da mesma base, de que é um direito, e que ele deve ser garantido pelo estado. Está se discutindo agora como viabilizar isso, como se estruturar isso”, diz Santini.

De acordo com o pesquisador, a solidificação da mobilidade como direito é um primeiro passo para a revisão, por exemplo, de investimentos massivos em mobilidade motorizada individual. “Em vez da criação de avenida, construção de rodoanéis, esse modelo de planejamento urbano já há muito tempo superado, a gente está começando a olhar para soluções efetivas, que é fortalecer o transporte coletivo. E aí tem um recorte de justiça social que ele é particularmente interessante”.

O pesquisador lembra que a mobilização nas ruas, liderado pelo Movimento Passe Livre (MPL), foi fundamental para aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 74, de 2013, promulgada como Emenda Constitucional 90, de 2015. A emenda, sugerida pela deputada federal Luiza Erundina elevou, na Constituição Federal, o transporte a direito social que deve ser garantido pelo Estado.

“A semente para a tarifa zero, na verdade, foi a luta nas ruas. Para muito além do MPL, sabemos que desde que existe catracas, existe luta contra elas. A Revolta do Vintém no Rio de Janeiro, a revolta do Buzu, em Salvador, e as jornadas de 2013, em todo Brasil, são alguns exemplos”, destaca a integrante do MPL de São Paulo, Grabriela Silva. Foi através da luta que o transporte foi reconhecido como direito constitucional em 2015, e que a tarifa zero virou uma pauta nacional. O transporte público é um direito fundamental, que inclusive torna possível o acesso aos outros direitos. É obrigação da prefeitura e do estado garantir a tarifa zero pra toda a população”, disse.

Além de São Paulo e Belo Horizonte, outras sete capitais estão com o tema da tarifa zero em discussão na administração municipal ou nas casas legislativas: Campo Grande, Teresina, Fortaleza, -Curitiba, Florianópolis, Palmas, e Cuiabá.