Candidatos usaram espaço para troca de acusações e resgate de escândalos e também elogiaram formato de banco de tempo.
Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), à frente da pesquisa Datafolha de intenção de voto para a Prefeitura de São Paulo, foram alvos dos rivais Pablo Marçal (PRTB) e Tabata Amaral (PSB) durante o debate Folha/UOL, nesta segunda-feira (30), marcado por discussões sobre corrupção, religião e mulheres. Propostas ficaram em segundo plano, mas também foram discutidas.
Clima tenso e provocações
Em clima mais ameno do que o de debates anteriores, que foram marcados por uma cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) em Marçal e por um soco dado por um assessor do candidato do PRTB no marqueteiro de Nunes, os candidatos tiveram confrontos verbais duros, mas sem ameaças físicas. Boulos reagiu a uma insinuação feita por Marçal, que mencionou uma passagem pelo Hospital do Servidor Público e retomou a acusação sem provas de que o rival seria usuário de cocaína. O candidato do PSOL revelou que ficou internado por depressão crônica quando tinha 19 anos.
“Lidei com ela, venci a depressão e segui em frente, que é o que eu desejo para todo mundo que enfrenta depressão”, afirmou Boulos, falando que o influenciador trabalha com “lama, mentira” e lembrou uma reportagem da Folha que mostrou que Marçal usava o caso de um homônimo de Boulos para sustentar a afirmação de que o candidato tinha sido detido por porte de droga. “A baixaria do Marçal não tem limite.”
Marçal também questionou Boulos diretamente sobre uso de cocaína e maconha. “Nunca usei cocaína. Não uso drogas. Maconha eu provei uma vez, na adolescência, me deu uma dor de cabeça danada, e nunca mais“, respondeu Boulos. O deputado disse que o candidato do PRTB tentou “forçar mais uma fake news”, que queria deixar para a reta final da campanha, mas “foi desmascarado ao vivo”. “Não vou ficar em bate-boca com um cidadão desse”, completou.
Vacinas e saúde pública
O influenciador provocou o aliado do presidente Lula (PT), chamando-o de “Lulinha paz e amor” e dizendo que o estilo é apenas “uma figura de marquetagem”. Marçal apelou ao eleitor para não votar em Boulos porque ele “ama a ideologia que ele defende” e “vai mostrar as garras [se eleito], e isso é terrível”.
Outro embate foi em torno da vacina contra a Covid-19, após Nunes ter se posicionado contra o passaporte vacinal. O candidato à reeleição reafirmou que “não vê sentido” na exigência de comprovante, o que foi criticado por Tabata, que acusou Nunes e Boulos de mudarem de posição por cálculo eleitoral. O candidato do PSOL tachou o prefeito de negacionista da saúde e da crise climática e citou o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao emedebista, comparando o comportamento de ambos e indagando quais teriam sido as consequências se o então prefeito Bruno Covas (PSDB) tivesse negado a ciência.
Disputa pelo voto feminino
Única mulher no debate, Tabata foi afagada por Marçal, com quem rivaliza desde o início, mas ele também a atacou. O influenciador falou que ela é a candidata mais inteligente e que, “se ela deixar esse esquerdismo e esse partido que ela está, é convidada para ser secretária de Educação, porque ela é brilhante na educação”. Em outros momentos, contudo, ele a atacou, dizendo que ela se comporta como “a tia do colégio” que, apesar de inteligente, não é sábia porque carece de experiência de vida.
A conversa evoluiu para uma discussão sobre mulheres e voto feminino, com Marçal afirmando que Tabata buscava apoio delas. “Ela quer provar para você que é mulher. Tabata, se mulher votasse em mulher, você ia ganhar no primeiro turno. A mulher não vota em mulher, mulher é inteligente”, disse Marçal. Boulos protestou: “Lamento a fala preconceituosa do Pablo Marçal insinuando que quem vota em mulheres teria menos capacidade”. Tabata afirmou que “a única coisa que disparou nessa eleição foi a rejeição” de Marçal. “Vocês sabem que a gente [mulher] está sendo sempre subestimada”, disse a deputada, que também reclamou de ser deixada de lado pelos homens nos debates. “A mulher no debate é a adulta na sala, justamente a mulher está aqui falando de proposta e batendo de cara com cada um dos marmanjos, que não conseguem responder minhas perguntas e não conseguem endereçar perguntas para mim.”
Religião e acusações de corrupção
Mais adiante, Marçal retornou ao tópico após Tabata dizer que ele está desesperado. “Mulher é inteligente, é por isso que vocês não estão dedicando voto para a Tabata”, respondeu ele. Os candidatos também travaram embates sobre religião, expondo a disputa pelo voto evangélico. Marçal desafiou Nunes, que tem frequentado igrejas evangélicas na campanha, a demonstrar conhecimento bíblico. “A Bíblia tem mais de 30 mil versículos, ele não consegue citar nem dois aqui”, disse o influenciador. Tabata reclamou do que classificou como instrumentalização da fé e afirmou que ninguém ganha com isso. Boulos também disse não ver sentido em uma discussão sobre “quem é mais cristão”.
Nunes e Boulos travaram um embate paralelo a respeito das acusações de corrupção contra o prefeito. O deputado do PSOL mencionou a investigação da Polícia Federal sobre a máfia das creches e a apuração do Ministério Público sobre obras emergenciais, citando dois casos em que conhecidos do emedebista foram escolhidos pela prefeitura. “Comigo nunca teve e nunca vai ter benefício para ninguém”, rebateu Nunes, afirmando que Boulos iria ficar “igual ao Marçal, com título de mentiroso”. O prefeito afirmou ter tolerância zero em relação a desvios e mencionou a posição de Boulos na denúncia de rachadinha do deputado federal André Janones (Avante-MG). O deputado, como relator do caso no Conselho de Ética, emitiu parecer pela absolvição do parlamentar. “Entendo que você fique desgostoso, mas são coisas que a população precisa saber”, disse Boulos, acrescentando que Nunes foi um prefeito ausente por três anos.
Violência doméstica e acusações pessoais
Em dobradinha, Marçal e Boulos questionaram Nunes sobre violência doméstica, usando o boletim de ocorrência registrado contra ele em 2011 pela esposa do prefeito, Regina Carnovale Nunes, com quem é casado até hoje. O postulante do PRTB perguntou reiteradas vezes ao emedebista por quais razões Regina registrou o BO. “Pablo Henrique, eu sou casado há 27 anos. Nunca levantei um dedo para minha esposa. O que tem de verdade é que o rapaz que agrediu o Duda Lima armou briga, rasgou a camisa para dizer que foi agredido”, respondeu Nunes, dizendo que não iria cair em uma suposta armadilha de Marçal para tirá-lo do foco.
Boulos, por sua vez, disse que o prefeito precisaria se explicar sobre agressão à esposa, mas que tem se esquivado em todos os debates. Marçal insistiu em diferentes momentos para Nunes responder por que Marta Suplicy (PT), que foi secretária da gestão até o fim do ano passado, hoje é vice de Boulos, numa articulação de Lula. O candidato do PRTB também foi alvo de Boulos quando o deputado afirmou haver muita desconfiança “sobre a turma que anda com ele”, por ligações “com PCC, tráfico, todo tipo de coisa”, e questionou a presença de ex-aliados do ex-governador João Doria (ex-PSDB) em sua campanha.
Formato do debate e considerações finais
Este foi o primeiro debate da campanha de São Paulo neste ano com o formato de banco de tempo, em que o próprio candidato administra a duração das falas dentro de um limite estabelecido — 20 minutos, no caso. O modelo foi elogiado pelos participantes, que exaltaram a possibilidade de interação. Cada candidato pôde fazer uso da palavra em qualquer resposta, mesmo que a pergunta não tivesse sido dirigida a ele. Para isso, bastava sinalizar com a mão que gostaria de fazê-lo. Marçal recebeu uma advertência por ter usado um apelido (“Boules”) para se referir ao membro do PSOL. O candidato do PRTB e Nunes também tiveram um pedido de direito de resposta cada um.
O debate mostrou-se como um campo fértil para acusações e ataques pessoais, ao invés de um verdadeiro espaço para propostas e debates construtivos sobre os problemas enfrentados pela cidade de São Paulo. Com a proximidade das eleições, as promessas e discussões ainda estão em aberto, enquanto os eleitores aguardam um posicionamento mais claro e responsável dos candidatos.