Francieli Fantinato disse que ‘falas do líder da nação’ prejudicam imunização. Ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações passou da condição de investigada para a de testemunha.
Ao prestar depoimento à CPI da Covid nesta quinta-feira (8), por seis horas, a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) Francieli Fantinato listou uma série de entraves à vacinação contra a Covid no país.
Afirmou também ter deixado o cargo após a “politização” da vacinação no Brasil e declarações de autoridades que colocaram em dúvida a eficácia dos imunizantes.
Francieli Fantinato assumiu a coordenação do PNI em outubro de 2019 e foi exonerada nesta quarta-feira (7), um dia antes do depoimento à CPI. O programa, vinculado ao Ministério da Saúde, é responsável por definir as ações e diretrizes de campanhas de vacinação.
Nas seis horas de depoimento, a agora ex-gestora do PNI listou alguns pontos que dificultaram a vacinação contra a Covid-19 no país, entre os quais:
- Falta de campanhas publicitárias em apoio à vacinação;
- Politização do tema;
- Declarações que colocaram em dúvida a eficácia dos imunizantes;
- Baixo quantitativo de doses;
- Pressão de segmentos para a mudança de grupos prioritários.
“Há uma evidência muito forte de que [a vacina] tem resultado. Quando começa a se tratar o tema em relação à vacinação, e se coloca em dúvida essa prática, tendo o aval da Anvisa, tendo o aval em relação aos estudos, isso pode trazer prejuízos para a campanha de vacinação”, disse Francieli.
Francieli Fantinato também atribuiu ao ex-secretário-executivo do ministério da Saúde Elcio Franco, braço-direito de Eduardo Pazuello na pasta, a responsabilidade pela decisão do Brasil de adquirir menos doses da vacina do consórcio internacional Covax Facility – o governo optou por 40 milhões de doses, sendo que foram oferecidas até 200 milhões.
‘Líder na nação’
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), e o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), pediram mais detalhes sobre o que Francieli entendia como “politização”. Ao responder, a ex-gestora citou a postura do “líder da nação”, em referência ao presidente Jair Bolsonaro.
“Ter uma politização do assunto por meio do líder da nação, que traz elementos que muitas vezes colocam em dúvida… [interrompida por senadores] Qualquer indivíduo, qualquer pessoa que fale contrário à vacinação, vai trazer dúvidas à população brasileira. Então, há uma necessidade de uma comunicação única, seja de qualquer cidadão, seja de qualquer escalão”, declarou.
Além de defender o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid, Bolsonaro afirma ser “mais eficaz” a pessoa contrair a Covid do que se vacinar. Essa afirmação remete à tese de imunidade de rebanho, que pressupõe a superação da pandemia por meio do alto número de pessoas infectadas. Especialistas em saúde, contudo, rechaçam a tese. Afirmam que muitas pessoas morreriam no processo.
“Eu, enquanto coordenadora do programa de vacinação, preciso de apoio que seja favorável à fala em relação à vacinação. Então, quando o líder da nação não fala favorável, a minha opinião pessoal é que isso pode trazer prejuízos”, afirmou Francieli nesta quinta.
No início da audiência, a ex-gestora se negou a prestar juramento de dizer a verdade por ter sido incluída na lista de investigados da comissão. Ela obteve um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) para não assinar termo de compromisso como testemunha, quando é necessário dizer a verdade sob o risco de incorrer no crime de falso testemunho.
Na sessão, no entanto, o relator Renan Calheiros decidiu retirá-la da lista de investigados.
Menos doses
À CPI, Francieli Fantinato afirmou que, como coordenadora do PNI, não tinha a prerrogativa de negociar a aquisição de vacinas ou discutir questões contratuais, e que participou de reuniões para tratar sobre questões técnicas dos imunizantes, como tipo de aplicação e de armazenamento do produto.
Nesse contexto, ela explicou que coube ao ex-secretário executivo do ministério Elcio Franco a decisão do Brasil adquirir apenas a quantidade mínima de vacinas no consórcio Covax Faciltiy, coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo ela, o PNI sequer foi consultado sobre a decisão.
A CPI apura justamente as motivações que fizeram o país priorizar determinados imunizantes e se houve algum tipo de beneficiamento a empresas ou a políticos no processo de compra das vacinas.
“Nós fizemos uma nota técnica inicial do Covax com o mesmo teor da nota técnica que nós fizemos para a AstraZeneca, apontando que tinha necessidade de vacinar dentro dos cenários ou 55% da população até 95%, num cenário de incerteza. Depois, veio o contrato fechado, para que a gente se manifestasse, por uma nota técnica, qual seria o grupo a ser atendido com aqueles 10%. Então, o Programa Nacional de Imunizações não participou da questão da escolha do percentual que tinha no mecanismo Covax”, disse Francieli.
Ela afirmou ainda que o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco, ao justificar a opção pelos 10%, disse que “não tem como colocar todos os ovos na mesma cesta”.
“Eu perguntei verbalmente se a gente ia aderir, porque inicialmente era para 20%, e o que me foi respondido é que não era para se investir todos os ovos na mesma cesta, um linguajar assim, que não poderia se investir em tudo isso, porque era um investimento de risco. Foi verbalmente, não foi formalmente. Foi o que eu fiz”, explicou a ex-coordenadora do PNI.
O senador Humberto Costa (PT-PE) disse que a fala de Francieli era “muito grave”.
“Nós confirmamos aqui uma questão que há muito nós temos trabalhado e a demonstração de que a decisão da aquisição de vacinas do Covax se deveu não a critérios técnicos, mas a critérios econômicos, políticos”, disse.
Fonte: G1