Atletas devem ser acompanhados por psicólogos, defendem especialistas

A saúde mental de atletas de alto rendimento tem ganhado destaque durante os jogos olímpicos de Tóquio. Especialistas ouvidos pela Agência Brasil ressaltam a importância do acompanhamento psicológico durante a trajetória dos atletas e defendem a presença de um profissional especializado em psicologia do esporte nas equipes técnicas de treinamento, desde a base até a chegada a competições de maior visibilidade.

Os atletas estão sujeitos a pressões que afetam a saúde mental assim como qualquer outro profissional. No entanto, além de questões que afetam a população em geral, como a atual pandemia, dificuldades financeiras, o machismo e o racismo, eles enfrentam, de forma sobreposta, situações características inerentes à sua atuação, como pouca margem para erros, expectativas, prazos de competições, além da rotina exigente de treinos. Os prejuízos à saúde mental podem ser minimizados ou evitados se houver acompanhamento psicológico especializado.

“Considerando que o atleta é uma pessoa que não vive isolada das questões maiores da sociedade, tudo o que desestabiliza essa pessoa tanto no seu grupo social menor como as questões de ordem macrossocial interferem no rendimento do atleta. Por exemplo, a pandemia, a morte de um ente querido, uma lesão, às vezes até a mudança da data de uma competição é geradora de desestabilização para o atleta”, explicou a psicóloga Katia Rubio, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

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Como tais questões podem interferir no desempenho do atleta depende das competências emocionais de cada um e do acompanhamento profissional. Alguns lidam muito bem com o que não foi planejado, outros seguem à risca um projeto de treinamento e se desestabilizam diante de qualquer imprevisto. “É super importante [a presença do psicólogo] porque é possível acompanhar proximamente todas essas questões e a necessária correção de rota para que ele siga cumprindo com aquilo que foi planejado.”

Além disso, Katia ressaltou que a presença do psicólogo neste cenário ajuda a combater abusos sofridos pelos atletas. “A escuta do psicólogo é uma escuta privilegiada e, por isso, é preciso também preparar as instituições para lidar com aquilo que a escuta do psicólogo traz para as instituições. Isso porque muitas vezes as instituições são coniventes com o agressor, porque normalmente o agressor está em posição de poder”, disse Katia.

Baixa tolerância

Professora da Faculdade de Educação Física da Universidade de Campinas (Unicamp), a psicóloga Paula Teixeira Fernandes destacou que todo ser humano está suscetível à baixa tolerância, à frustração e que a grande questão do esporte de alto rendimento é saber lidar com as adversidades que acontecem no momento da prova.

“Um grande exemplo agora é o de Ítalo Ferreira, que no meio da prova, com o tempo rodando, teve a prancha quebrada. Tem pessoas que, com uma prancha quebrada, desistem. Ele foi lá, trocou a prancha e conseguiu”, disse.

Na final olímpica do surfe, em Tóquio, o atleta do surfe Ítalo viu sua prancha quebrar durante a prova. Ele voltou para a areia, pegou outra prancha e deu continuidade à sua participação na competição, levando a medalha de ouro ao final da prova.

Paula citou ainda a questão da satisfação em desempenhar determinada modalidade. “Quando você tem a felicidade e faz porque gosta, o rendimento fica melhor. Inclusive uma das estratégias para melhorar o desempenho que nós, psicólogos, usamos é exatamente isso, é você pensar em situações felizes, porque isso faz com que todo o nosso sistema cerebral se organize de uma maneira diferente e o rendimento aconteça. As pessoas ficam só preocupadas com resultado e nós vamos sempre nos preocupar com o processo”, explicou Paula.

Cuidados preventivos

Para a presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (Abrapesp), Thabata Castelo Branco Telles, é importante que o processo de preparação do atleta inclua o cuidado com a parte psicológica durante todo o treinamento, e não sejam realizados apenas trabalhos pontuais como palestras motivacionais ou uma preparação psicológica apenas semanas antes da competição.

“A ideia é que a gente tenha um processo preventivo, cotidiano, para que depois a gente não vá viver de apagar incêndio, para que não esperemos que uma coisa muito grave aconteça, que o atleta queira desistir do esporte, que não aguente mais, que chegue em um nível muito pesado para a gente começar a se preocupar com isso. Realmente [acompanhamento psicológico] precisa fazer parte dessa rotina mesmo do atleta”, disse Thabata.

A psicóloga observou que, além das adversidades características, questões como o machismo e o racismo podem afetar a saúde mental dos atletas, já que o esporte não existe apartado da sociedade, e são fatores que devem ser levados em consideração. “Se a gente tem situações frequentes de machismo e racismo ainda hoje na nossa sociedade, isso vai acontecer no esporte também. Se há situações de abuso e assédio, isso vai ocorrer no esporte também. O esporte está dentro de uma cultura, de uma sociedade, e tudo isso vai fazer parte da saúde mental daquele indivíduo.”

Para mitigar os impactos na saúde mental dos atletas, a professora da Unicamp, Paula Fernandes, afirmou que é preciso ter uma rede de apoio, desde a família até a comissão técnica, e um preparo de forma integral. “Nós sempre vamos pedir uma comissão técnica interdisciplinar, que trabalhe com diferentes áreas: preparador físico, treinador, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, médico, todo mundo que está ali envolvido, conversando com o atleta, tendo uma comunicação importante”.

Ela ressalta que, em alguns momentos de decisão no esporte, principalmente quando os fatores técnicos, táticos e físicos dos competidores são muito semelhantes, como é o caso de atletas olímpicos, o aspecto psicológico pode ser o diferencial durante as provas.

“Quando a gente tem todos os treinamentos integrados, conseguimos fazer com que o atleta desenvolva melhor todas as habilidades que ele tem. Quando a gente consegue trabalhar as competências psicológicas relacionadas ao esporte [atenção, foco, autoestima, autoconfiança], a gente está trabalhando as competências psicológicas relacionadas à vida, e isso é fundamental”, disse Paula.

A professora da USP, Katia Rubio, concorda com o papel importante de um psicólogo do esporte nas comissões técnicas. “Esse seria o melhor dos mundos, que toda equipe tivesse não só um psicólogo, mas um psicólogo especialista em esporte, porque nem sempre um psicólogo generalista, um psicólogo clínico, por exemplo, consegue entender a especificidade do esporte para poder orientar de forma apropriada um atleta.”

Avanços da psicologia do esporte

Já houve avanço na presença desses profissionais nas equipes, reconheceu Katia ao citar que especialistas em psicologia do esporte seguiram para Tóquio, acompanhando a delegação brasileira. Mas avaliou que esse acompanhamento deve vir desde o começo do desenvolvimento do atleta.

“Essa atuação [dos psicólogos do esporte] ainda tem que chegar aos clubes, à base. É fundamental que um atleta ou uma atleta cresça e se desenvolva compreendendo que esse é um trabalho tão importante quanto é a preparação física, a nutrição, a fisiologia, e que o trabalho psicológico é só mais uma das especialidades da ciência do esporte que contribuem para do desenvolvimento do atleta”, disse.

A presença de um psicólogo do esporte nas equipes de treinamento dos atletas de alto rendimento não deve ser vista como um bônus, mas como parte integrante da preparação daquele indivíduo, conforme avalia a presidente da Abrapesp. “Às vezes parece que estamos falando de uma coisa extra, como se fosse um bônus, mas na verdade não é isso. Ele [psicólogo] deve fazer parte, vai ter benefícios óbvios no sentido de que, se a gente entende o atleta como alguém que tem um corpo e uma mente, a gente precisa cuidar das duas coisas.”

O reconhecimento da importância do psicólogo do esporte no contexto de alto rendimento já ocorre atualmente, segundo Thabata, mas ainda há o que avançar. “O que falta hoje é termos um trabalho mais sistemático, um trabalho contínuo, que não seja com quebras – porque às vezes isso depende de ciclo olímpico, de verba. É comum encontrar um atleta que fez esse trabalho preparação psicológica em algum momento e depois não fez mais por conta dessas quebras.”

Thabata ressaltou a importância de que o trabalho seja feito de forma mais abrangente e acessível. “Porque, quando a gente fala em termos de Brasil, uma coisa é falar da realidade dos clubes do eixo Rio-São Paulo, outra coisa é falar disso no norte do país. Acho que tem que ter uma abrangência também, tem que ter uma sistematização e uma consistência dessa área [psicologia do esporte] em todo o país.”