Pouco antes de o esporte do planeta parar com a pandemia do novo coronavírus (covid-19), o paradesporto brasileiro fez história na Costa Rica. Dois atletas do país se garantiram na Paralimpíada de Tóquio no parataekwondo, modalidade que estreará nos Jogos de 2020. Nathan Torquato e Silvana Cardoso, ambos da classe K44 (atletas com amputação de braço), classificaram-se pelo qualificatório parapan-americano e se juntaram a Débora Menezes, da mesma classe (mas da categoria +58kg), que já estava garantida no Japão pela posição no ranking mundial. “Será a maior delegação das Américas e a quarta maior do mundo”, afirmou Alan Nascimento, técnico da seleção.
Embora a pandemia ainda não tivesse atingido níveis alarmantes na Costa Rica (à ocasião, o país tinha um caso confirmado do novo coronavírus), os organizadores realizaram o qualificatório com portões fechados. “Entrávamos no ginásio e os seguranças já estavam com álcool gel a postos”, lembrou Nathan, que nasceu com má formação no braço esquerdo e venceu as três lutas que fez na categoria até 61 quilos para sacramentar a vaga paralímpica. “Apesar de ter só 19 anos, foi muito tempo de luta até chegar aqui. É uma sensação inexplicável poder participar do maior evento esportivo do planeta”, contou o jovem de Praia Grande (SP), ouro nos Jogos Parapan-Americanos de Lima (Peru), em 2019.
A expectativa de intensificar os treinos após a classificação, porém, acabou frustrada pelo avanço da covid-19. A necessidade de cuidados para evitar a propagação da doença levou ao fechamento de clubes e do Centro Paralímpico, em São Paulo. “Tínhamos um planejamento com treinamentos de campo, um em maio, e competições para os atletas buscarem um chaveamento melhor nos Jogos. Com isso, cada técnico individual deles passou atividades, eles treinam individualmente em suas casas e nós acompanhamos por vídeo”, explicou Alan, reconhecendo que, apesar de ser a saída, não é necessariamente o ideal. “Acaba não tendo a correção, uma série de questões que o treinador acompanha, mas acreditamos que isso [pandemia] passará”.
“Estamos adaptando, sempre focando a parte de flexibilidade e mobilidade. Já os treinos de velocidade e potência, também adaptados, são realizados de forma moderada, claro, mas sem deixar de trabalhar”, descreveu Silvana, vencedora da seletiva na categoria até 58 quilos ao superar a jamaicana Shauna Kay. “As expectativas para Tóquio são as melhores. Quando passar essa epidemia, vamos voltar à rotina mais pesada para buscar medalha para o Brasil e a Paraíba. O sonho de todo atleta é chegar aos Jogos, estar entre os melhores do mundo”, completou a lutadora de 20 anos, nascida em São Bento (PB) e também campeã do Parapan de Lima.
De um lado, a ansiedade pela estreia paralímpica. Do outro, porém, diante dos riscos da realização de um megaevento em meio à pandemia que vive seu ápice global, com mais de 11 mil mortos, técnico e atletas entendem a necessidade de a Paralimpíada mudar de data. “Acho que a decisão não pode colocar em risco a saúde. Se acharem melhor adiar e preservar a saúde, penso que esse é o fator principal”, comentou Nathan. “É algo que não tem muito como segurar. É uma pandemia mundial”, emendou Alan. “Vamos seguir o que for decidido. Se [os Jogos] forem para os próximos anos, disputaremos com toda força e vontade”, completou o treinador.
Além do bem-estar, Silvana destacou o impacto que a “quarentena” vem trazendo a atletas de todo o mundo, olímpicos ou paralímpicos. “Sou, sim, a favor de adiar [os Jogos] para 2021. Uma Paralimpíada exige alto rendimento. Se não se pode treinar forte, não se conseguirá fazer uma competição forte. O rendimento na competição será baixo, quando deveria ser o contrário. Muitos atletas ainda não conseguiram classificação e não conseguiriam, pois não há evento até maio, isso se não houver [mais cancelamentos] depois. É uma situação que os desfavorece. É hora de pensar no coletivo, não no individual”, concluiu.
Até o momento, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês) mantém a data de abertura em 25 de agosto. O presidente Andrew Parsons, porém, apoia a decisão do Comitê Olímpico (COI) de analisar o adiamento dos eventos, admitido pela primeira vez no último domingo (22). O Comitê Brasileiro (CPB) defendeu que os Jogos sejam transferidos para o ano que vem. O Canadá, por sua vez, afirmou que não mandará atletas (olímpicos ou paralímpicos) ao Japão caso o início da competição permaneça inalterado. Pressão que, ao longo das próximas quatro semanas, deverá se intensificar.