O ciclo paralímpico da bocha para os Jogos de Paris (França) iniciou com uma mudança significativa. A partir de agora, as competições individuais serão divididas por gênero (masculino e feminino). Apenas as disputas por equipes ou pares seguem mistas.
O Campeonato Regional da Ásia-Oceania, que ocorre até sábado (20) em Dubai (Emirados Árabes Unidos), já segue o novo formato, que também será adotado na Copa América, entre 6 e 14 de dezembro, no Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo. O Campeonato Brasileiro, por sua vez, foi o primeiro no mundo, de nível nacional, a aderir à mudança. O masculino foi realizado em Joinville (SC) e o feminino terminou no último domingo (14), em Blumenau (SC).
A bocha paralímpica é voltada a pessoas com grau severo de comprometimento físico-motor. A modalidade tem quatro classes. A BC1 e a BC2 reúnem atletas que jogam com mãos ou pés – a diferença é que na BC1 é permitido que um auxiliar entregue as bolas. Na BC3, os jogadores têm apoio de uma calha para direcionar os arremessos, podendo usar instrumentos específicos para empurrar a esfera. Já na BC4, estão os competidores com lesão medular.
“Esse processo começou após o Mundial de 2018, em Liverpool [Reino Unido]. Os resultados confirmaram à federação internacional [World Boccia] algo que ela já desconfiava, que nas classes BC1, BC2 e BC4, onde o atleta lança a bola com a mão, os homens tinham resultados melhores. Dos 20 primeiros do ranking mundial, o número de homens era maior”, disse Leonardo Baideck, diretor-técnico da Associação Nacional de Desporto para Deficientes (Ande), responsável pela modalidade no país, à Agência Brasil.
Na Paralimpíada de Tóquio (Japão), as medalhas individuais das quatro classes foram todas para homens. No ranking da World Boccia que antecedeu os Jogos na capital japonesa, o top-10 da BC1 era 100% masculino, com a mulher mais bem colocada aparecendo em 16º lugar (a tailandesa Subin Tipmanee). A classe com mais jogadoras entre os dez primeiros era a BC3 (três, entre elas a brasileira Evelyn Oliveira).
“A federação informou que essa nova forma [divisão por gênero] seria implantada [após Tóquio]. Sabendo disso, preferimos não esperar a Copa América, pensando na representação da seleção e na temporada 2022. Percebemos resultados interessantes [nos Brasileiros masculino e feminino]. Aqueles que já integravam a seleção ganharam medalhas, mas abriu-se um espaço para outros atletas, principalmente jovens, aparecessem no pódio. Isso nos foi de grande valia”, avaliou Baideck.
No Brasileiro masculino, nomes como Maciel Santos (campeão na BC2) e José Carlos de Oliveira (vice na BC1), ambos bronze em Tóquio, fizeram valer o favoritismo. Mesmo assim, cinco das 12 medalhas distribuídas no campeonato foram para atletas que não apareciam no ranking mundial antes da Paralimpíada.
Entre as mulheres, metade das vagas no pódio foi ocupada por rostos mais experientes. Andreza Vitória (BC1), Natali Faria (BC2), Evani Calado (BC3) e Ercileide da Silva (BC4), todas presentes em Tóquio, foram as campeãs das respectivas categorias. A outra metade foi de caras novas. Na BC3, por exemplo, Débora de Jesus ficou com a segunda posição, entre Evani e Evelyn (terceira), duas campeãs paralímpicas nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016.
“O ponto positivo [da separação de gêneros] foi o aparecimento de muitas mulheres, de diversas idades, que começaram a praticar o esporte e tiveram sua primeira participação em um campeonato nacional. O negativo é que com a saída de atletas homens de alta performance, a competição acabou dividida entre as atletas iniciantes e outras mais experientes que se confrontaram na primeira fase, causando um desequilíbrio competitivo para ambos. Tento mostrar que a presença dos homens nas disputas, de forma mista, nunca foi empecilho para o meu avanço, pelo contrário. Quero passar às atletas que estão entrando nesse novo tempo o que eu aprendi: acreditarem na jornada como atleta e também na vida. A gente colhe à medida que planta, e recebe à medida que entrega”, analisou Evelyn, à Agência Brasil.
Passado o Brasileiro, as atenções se voltam à Copa América. A convocação da seleção – a primeira com a divisão por gênero – será divulgada nos próximos dias. A competição abre o ciclo da Paralimpíada de Paris, além de ser classificatória para o Mundial do ano que vem, entre 3 e 13 de dezembro, no Rio de Janeiro.
“Como Brasil é o país-sede do Mundial, [a Copa América] não tem grandes benefícios em termos de conquista de vaga, mas será importantíssima para que as mulheres da seleção confirmem seus resultados individuais, principalmente nas classes BC1, BC2 e BC4. Agora, elas brigam diretamente por quatro medalhas, uma por classe. Estamos muito otimistas. Em Paris, serão oito eventos individuais e três de pares ou equipes. Nossa expectativa é de cinco medalhas, sendo duas de final, ouro ou prata”, projetou Baideck.
“O Brasil é muito forte nas Américas, mas sabemos que países como o Canadá e Argentina vêm tendo uma crescente também. Nossa expectativa é apostar no nosso entrosamento de já algum tempo trabalhando juntos, caso se mantenha o mesmo grupo, e ir em busca do terceiro título dos pares em Copa América e meu segundo individual, se Deus quiser”, completou Evelyn.