O futebol não é feito mais apenas com os resultados de dentro de campo. Se fosse assim, a temporada de 2021 iria se encerrando com a torcida do Vasco esperançosa para o próximo ano, já que seu time venceu o rival Flamengo por 3 a 1. Quem comemora esse resultado ainda não entendeu que o futebol é bem mais que uma simples vitória num campeonato estadual, ainda mais quando lembramos que a mesma nem mesmo afetou a classificação final (o Flamengo foi o campeão e o Vasco sequer disputou a fase semifinal).
É evidente que valeu a festa para os vascaínos naquele momento. Longe de mim tirar a importância de uma vitória em um clássico tão tradicional. Porém, estou tentando alertar para o que o futebol abrange e, em especial, lembrar que muitas vezes se faz necessário recuar nos objetivos esportivos para se alcançar o que o atacante Bruno Henrique, numa entrevista ao fim de um empate de 4 a 4 entre os dois rivais (vejam como a história dessa dupla se mistura), definiu como “outro patamar”.
Vamos voltar no tempo, mais exatamente a 2013, quando Eduardo Bandeira de Mello assumiu a presidência do Flamengo. A dívida era de R$ 737 milhões, os salários estavam atrasados e o mercado fechado para investidores desconfiados da fama rubro-negra de clube mau pagador. O novo mandatário bateu o martelo (redução do investimento no futebol em busca de um ajuste nas finanças). A folha salarial era de R$ 7,5 milhões. E um duro trabalho de ajuste fiscal, com redução drástica das dívidas trabalhistas e bancárias e a entrada no Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, do Governo Federal) ajudou o clube a (após seis anos) ter uma dívida de R$ 450 milhões, dos quais 65% parcelados por meio do Profut.
Nesse período, no entanto, o Flamengo conquistou dois campeonatos estaduais, em 2014 e 2017, e, com um pouco de sorte, uma Copa do Brasil em 2013. Uma conquista a cada dois anos.
Só que a vitória se vê agora, e é dessa paciência e sabedoria que o Vasco precisa no atual momento. A questão, porém, se torna imensamente mais difícil porque, enquanto o Flamengo equalizou as dívidas jogando a Série A, com mais visibilidade e cotas maiores de TV e patrocinadores, o Vasco, que já disputou a Série B esse ano, ao que parece terá mais uma temporada na segunda divisão. Haja matemática e esforço financeiro para se recuperar, além de entendimento do torcedor para aceitar essa nova situação.
Em 2020, por exemplo, quando estava na Série A, um estudo da consultoria EY indicou que o Vasco faturou R$ 200 milhões e acumulava dívidas de R$ 830 milhões. No cálculo do endividamento líquido/receita total, a média vascaína bateu em 4,33, ou seja, seriam necessários mais de 4 anos de faturamento, sendo exclusivamente utilizados para quitar a dívida, Já a média do Flamengo bateu, no mesmo período, em 1,01.
Ao se reunir os dados dos cinco anos anteriores ao do estudo (2016 a 2020) o abismo aumentou de forma considerável. O Flamengo arrecadou R$ 3,3 bilhões e o Vasco R$ 1,1 bilhão. É ou não é preocupante.
Como fazer, agora, com dois anos na Série B (a se confirmar que o time não subirá no fim da temporada), para voltar a bater de frente com o grande rival, não apenas num jogo do Estadual, mas brigando por títulos de igual para igual? Apertar o cinto totalmente? Buscar um patrocinador forte, interessado em investir nessa grande marca (afinal tradição não falta e o Vasco tem estádio próprio)? Ou sonhar com um mecenas? Seis anos serão suficientes para equilibrar as finanças, como aconteceu no Flamengo? Ou o tempo será maior?
Creio que existem alguns passos a serem dados nesse processo. O primeiro é o da união interna, das vertentes políticas, que parecem torcer por um momento cada vez pior dos atuais dirigentes. O segundo é entender que um rival existe apenas esportivamente. O Flamengo precisa de um Vasco forte para ser ainda maior. O Vasco precisa se mirar nos exemplos rubro-negros para voltar a ser, como gosta de dizer, o Gigante.
* Sergio du Bocage é apresentador do programa No Mundo da Bola, da TV Brasil.