Crítica: O Paraíso – Quando a Representação de Marginalizados Falha em Apontar Caminhos

O Paraíso filme LGBT
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O Paraíso, filme lançado em 2023, busca retratar a trajetória de jovens LGBTQIA+ e imigrantes na França, oferecendo uma visão sombria e trágica da exclusão social. O filme apresenta histórias paralelas de personagens que, embora lidem com diferentes formas de marginalização, compartilham um destino semelhante: a falta de perspectivas e a ausência de soluções para suas vidas. No entanto, apesar de seu esforço em abordar temas relevantes, O Paraíso peca ao deixar seus personagens presos em um ciclo de dor e isolamento, sem sugerir saídas ou alternativas, o que o torna uma obra frustrante e incompleta tanto como narrativa cinematográfica quanto como crítica social.

Sinopse de O Paraíso

A trama gira em torno de Joe (Julien de Saint Jean), William (Louis Durand), e Fahd (Amine Hamidou), três jovens que enfrentam a rejeição da sociedade por suas orientações sexuais ou status de imigrante. Joe e William são um casal LGBTQIA+ que, após enfrentarem uma série de discriminações e serem expulsos de suas casas, acabam envolvidos em atividades ilegais para sobreviver. O relacionamento entre os dois é central na trama, mas a pressão das adversidades leva à separação dos dois, com William sendo preso e enviado para outra unidade prisional, longe de Joe.

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Ao longo da narrativa, também conhecemos Fahd, um jovem imigrante que, apesar de seus esforços, não consegue encontrar uma recolocação no mercado de trabalho por causa de seu status de estrangeiro. O filme nos apresenta um retrato duro e muitas vezes cru da realidade enfrentada por esses personagens, mas, no final, não propõe soluções ou caminhos redentores para eles.

A Representação de Joe e William: Um Amor Sem Esperança

Interpretado por Julien de Saint Jean, Joe é o par romântico de William e um dos protagonistas mais complexos do filme. Julien de Saint Jean, com uma sólida carreira no cinema francês, é conhecido por suas atuações em filmes independentes e dramas sociais, como Les Ombres du Passé (2020). Em O Paraíso, ele traz intensidade e vulnerabilidade ao papel de Joe, um jovem lutando contra o preconceito, a rejeição e a perda. O relacionamento entre Joe e William, interpretado por Louis Durand, é retratado de maneira sensível, mas a narrativa não permite que essa relação floresça ou evolua.

No fim, o amor entre Joe e William é interrompido de forma abrupta e trágica, com William sendo preso e enviado para outra unidade, afastado definitivamente de Joe. O filme opta por um desfecho pessimista, sem oferecer qualquer alternativa ou esperança para o casal, reforçando a ideia de que seus destinos são imutáveis. Isso é um dos grandes problemas de O Paraíso: ao retratar a luta desses personagens, ele se aprofunda na dor e no sofrimento, mas não oferece soluções ou até mesmo uma reflexão sobre como suas vidas poderiam ser diferentes com políticas de apoio ou ressocialização, o que torna a obra limitada em seu impacto.

A História de Fahd: O Peso de Ser Imigrante

Amine Hamidou brilha como Fahd, o jovem imigrante que busca uma vida melhor na França, mas enfrenta o preconceito e as dificuldades de ser aceito no mercado de trabalho por conta de sua origem. Hamidou, um ator em ascensão que já havia sido elogiado por sua atuação em Les Égarés (2021), traz humanidade ao papel de Fahd, que, apesar de seus esforços, se vê constantemente barrado pelas instituições francesas. Seu personagem, assim como os demais, termina a história sem uma solução. A ausência de um programa de inclusão ou uma oportunidade concreta para Fahd apenas reforça a ideia de que sua marginalização é permanente, algo que o filme, novamente, não tenta resolver.

Fahd representa uma camada importante da crítica social de O Paraíso: a falta de integração dos imigrantes na sociedade francesa. No entanto, a crítica fica rasa, pois o filme não explora a possibilidade de políticas inclusivas ou programas de suporte, algo que, na realidade, tem sido uma estratégia eficaz na França. Ao ignorar esses potenciais caminhos, O Paraíso perde a chance de criar uma reflexão mais ampla e construtiva sobre o problema da exclusão social dos imigrantes.

Crítica Social: A Superficialidade do Filme em Propor Soluções

O que torna O Paraíso ainda mais frustrante é o contraste entre sua representação da realidade e os programas de ressocialização que, na prática, têm demonstrado sucesso na França. Com uma taxa de reintegração social de cerca de 75% e uma diminuição de 40% na reincidência criminal entre jovens vulneráveis, os esforços do governo francês para resgatar esses indivíduos são significativos e mostram que há soluções concretas para os problemas enfrentados pelos personagens do filme.

Contudo, O Paraíso escolhe focar apenas na tragédia, na desilusão e na impotência. Ao não incluir qualquer menção a programas de apoio, políticas públicas ou mesmo iniciativas locais que ajudam jovens marginalizados, o filme se torna um retrato desesperançoso, falhando como crítica social. Ele mergulha seus personagens em um ciclo de marginalização sem fim, sem nunca oferecer a possibilidade de mudança ou redenção. Isso faz com que a obra se torne superficial ao abordar temas tão complexos como a exclusão social e a marginalização da comunidade LGBTQIA+ e dos imigrantes.

Outros Personagens e Suas Histórias Paralelas

Além de Joe, William e Fahd, o filme traz histórias paralelas de outros jovens, todos enfrentando seus próprios demônios. Entre eles, temos Camille (interpretada por Marie Lambert), uma jovem trans que, ao fugir de casa, encontra ainda mais violência nas ruas. Marie Lambert, conhecida por sua atuação em La Ligne Rouge (2019), consegue entregar uma performance poderosa, mas sua história segue o mesmo padrão trágico de falta de apoio e marginalização. Anton (interpretado por Pierre Roussel), um jovem que lida com o vício em drogas, completa o elenco principal. Pierre, que estrelou o aclamado Sur le Fil (2022), também brilha em sua atuação, mas, mais uma vez, o filme não lhe dá uma saída, deixando seus personagens à deriva.

Reflexão Final: Um Filme que Deixa a Desejar

O Paraíso tem o mérito de levantar discussões importantes sobre a exclusão social, o preconceito e a marginalização, especialmente em relação à comunidade LGBTQIA+ e aos imigrantes. No entanto, ele falha ao não propor soluções para esses problemas. O filme se limita a expor a tragédia dos personagens, sem oferecer uma crítica social mais profunda ou sugestões de mudança. Com atuações poderosas, especialmente de Julien de Saint Jean, Louis Durand e Amine Hamidou, o filme poderia ter ido além e se aprofundado nas possíveis saídas e soluções que existem na vida real.

Em um momento em que o cinema tem o poder de instigar mudanças, O Paraíso escolhe apenas retratar o sofrimento, sem apontar uma direção. Como crítica social, o filme não passa de uma oportunidade perdida.

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