Esse contexto proporcionou a um seleto grupo de fãs (5,4 mil, segundo a produção) a chance de ver o ídolo de perto na pequena casa de espetáculos. Maior guitarrista vivo, Clapton, beirando os 80 anos, esbanja a excelência técnica que lhe alçou ao estrelato. Econômico, ele faz jus mais do que nunca ao apelido ‘Slowhand’ (mãos lentas). A magia de seu dedilhar na Fender Stratocaster ainda hipnotiza, encanta e sobrepõe o ligeiro cansaço de sua voz.

Clapton subiu ao palco às 21h e abriu os trabalhos com Sunshine of Your Love, clássico de 1967 gravado na época do Cream, power trio que formou com os falecidos Jack Bruce e Ginger Baker. A banda também foi homenageada em Badge e na versão enérgica de Crossroads, cover de Robert Johnson. Outros destaques foram Little Queen of Spades e Kind Hearted Woman Blues, ambas do álbum-tributo Sessions for Robert J. (2004), trazendo mais referências ao mítico bluesman.

Uma sessão acústica com participação especial

O concerto contou com uma sessão acústica, fruto do sucesso do álbum Unplugged (1992), registro ao vivo mais vendido da história. O músico brasileiro Daniel Santiago se uniu a Clapton nas delicadas Lonely Stranger, Believe In Life e Tears In Heaven – esta última, como todos sabem, composta em homenagem a Conor, filho de Clapton, vítima de uma tragédia aos quatro anos ao cair da janela do 53º andar de um apartamento em Nova York.

Dentre as canções apresentadas, Old Love e Got To Get Better In a Little While trouxeram um frescor pop ao espetáculo, que totalizou 1h50. Apesar da presença de Cocaine, com destaque para a banda magistral, outros mega hits ficaram de fora: Layla e Wonderful Tonight, compostas para Pattie Boyd, figura central no mais célebre triângulo amoroso do rock, que também incluía o beatle George Harrison.

As ausências mostraram a força de um repertório ousado que fugiu do óbvio e valorizou outros momentos da carreira do artista. Clapton se destacou por sua capacidade de manter a originalidade e a criatividade em seu setlist, cativando o público presente.

Clapton e as polêmicas contemporâneas

Recentemente, o roqueiro enfrentou muitas críticas devido a suas opiniões sobre a pandemia da Covid-19 e as medidas de saúde pública, incluindo vacinação e confinamentos. Ele expressou ceticismo em relação às vacinas após sofrer efeitos colaterais de uma dose da AstraZeneca e participou de músicas que abordavam o tema de forma contestadora, o que gerou controvérsia.

Por isso, houve uma clara tentativa da geração ‘canceladora’ de tentar apagar seu imensurável legado – um movimento malsucedido. O guitarrista segue atraindo multidões pelo mundo e prepara o lançamento de um novo disco de estúdio, Meanwhile, que promete trazer novas canções que refletem sua visão e vivências atuais.

Ele finalizou o show com Before You Accuse Me, cover de Bo Diddley, na companhia de Santiago, de volta ao palco, e do talentoso Gary Clark Jr., atração de abertura da turnê. A performance foi um lembrete da capacidade de Clapton de criar uma conexão íntima e significativa com seu público.

Um artista com propósito e mensagem

Defensor da causa palestina, Eric empunhou uma guitarra com as cores da bandeira do Estado asiático e entoou com vigor os versos deste blues que veio em forma de resposta aos ataques sofridos: “Antes de me acusar, dê uma olhada em si mesmo…”. Essa atitude reforça sua imagem não apenas como músico, mas também como um artista consciente e engajado em questões sociais.

Ao voltar a se apresentar em São Paulo, Clapton não apenas trouxe sua música, mas também uma mensagem poderosa sobre resistência e a busca pela verdade em tempos difíceis. Seu legado, marcado por inovação e transcendência, permanece intacto, desafiando qualquer tentativa de cancelamento.