Mais de 3 mil quilômetros separam Roraima de São Paulo. No entanto, bastam 20 passos para ver, de perto, a diversidade entre os dois estados. Começou hoje (4), no centro de Brasília o 15º Salão do Artesanato, edição que tem como tema Raízes Brasileiras.
O salão reúne, no shopping Pátio Brasil, mais de 40 mil peças artesanais produzidas em todas as 27 unidades federativas. Até o próximo domingo (8), os visitantes poderão ver, também por meio de oficinas e ateliês, a diversidade de materiais, técnicas e cores dos universos que compõem as peças feitas à mão por artesãos de todas as partes do Brasil.
Pajé, parteira e artesã
O estande de Roraima apresenta materiais, trançados, formas e tintas de sete etnias indígenas. Dependendo da fibra utilizada e das tranças feitas, estabelecem-se formas e resistências para itens que ajudam no dia a dia de índios Wapixana, Macuxi, Taurepang, Yanomami, Ingaricó, Ye’kuama e Wai-Wai que vivem naquela região.
Pode-se, ainda, conversar com a pajé, parteira e artesã da Aldeia Canauani, Vanda Domingos Macuxi, de 64 anos. Seus conhecimentos sobre artesanato tiveram como origem a mãe, para então serem repassados aos filhos.
Em meio a colares, cocares, saias, bolsas, cestas de fibras para carregar mantimentos e tipoias para carregar bebês, ela explica como algumas tonalidades de tinta são obtidas: “umas são à base de casca; outras à base de folhas, sementes ou raízes”, disse ela à Agência Brasil.
Alguns desses elementos são usados por ela também na função de pajé, papel que, segundo a própria, lhe dá a atribuição de “abrir caminhos para fortalecer a saúde, a partir dos conhecimentos sobre a floresta”, explica a “guia espiritual”. “A verdade é que tudo está ligado, porque tanto os remédios como as questões espirituais têm relação com a natureza”, completou.
Pedras e joias
A poucos passos dali, os elementos artesanais são completamente diferentes, inspirados nos movimentos, nas dinâmicas e nas formas encontradas na maior metrópole do país: São Paulo.
Essas imagens urbanas estão presentes no artesanato do designer de joias, desenhista e pintor José Américo, de 44 anos.
“Eu misturo prédios e joias”, resume o artesão que também faz pinturas com o dedo em azulejos, influenciadas por traços que vão desde o grafite até as paisagens pintadas por sua avó. “A isso, eu acrescento vários elementos urbanos”, explica.
Esses elementos urbanos, segundo ele, incluem as aranhas e escorpiões cada vez mais comuns na urbe paulistana e nas joias ali expostas, em busca de compradores. Essa relação comercial é o que dá a ele – em meio às dificuldades de movimentação decorrentes da poliomielite adquirida quando criança – condições de sobreviver “razoavelmente bem”.
Em 2005, aos 23 anos, José Américo viu suas dificuldades de locomoção ficarem ainda maiores naquele ambiente urbano. “Fui atropelado, nessa cidade que prioriza transporte sobre quatro rodas. Desde então, o artesanato ficou ainda mais relevante para a minha sobrevivência”, disse.
Agulhas e linhas
Em um ritmo mais lento, ali pertinho, no estande da Paraíba, estava a artesã Maria Marta Ferreira, uma cidadã do Quilombo Ingá que faz das técnicas de labirinto sua arte, tendo, literalmente, como pano de fundo peças de linhão e de linho.
“Eu primeiro rabisco o tecido para, então, desfiá-lo. Depois, preencho o espaço com a técnica de labirinto para, na sequência, fazer o chamado torcimento, uma técnica que detalha desenhos por meio de agulhas e linhas”, explica a artesã.
Por ser mais preenchido do que o torcimento, o enchimento resulta em uma textura mais pesada. “É dessa forma que causamos sensações de graduação no tecido”, detalha Maria Marta, ao explicar que aprendeu essas técnicas aos 7 anos com sua avó.
O convite para participar do Salão decorre do reconhecimento obtido após participar de diversas feiras por todo o país.
Flores do Cerrado
Mais alguns passos, e é possível conhecer as tapeçarias, bolsas, bancos, artefatos em couro, chinelos, cuias, fantoches, acessórios com pedras, e facas do estande do Rio Grande do Sul; ou a delicadeza das flores desidratadas do Cerrado, que costumam ser vendidas na Torre de TV e na Catedral de Brasília.
Se puxar um papo com a artesã Fabiana Barbosa, de 36 anos, no estande da capital federal, vai descobrir o quão difícil é chegar àquele delicado resultado final, obtido graças à experiência de quem pratica o ofício desde os 12 anos de idade.
“Primeiro, tenho de cozinhar a flor na soda cáustica, para ficar apenas a fibra, que é desidratada no cloro para então ser tingida e montada. A dificuldade está no processo para desidratar e ‘esqueletizar’ a flor”, disse ao se referir ao procedimento delicado de fazer restar apenas o esqueleto da folha a ser pintada.
Todas essas técnicas e experiências poderão ser trocadas pelos artesãos durante o 15º Salão do Artesanato em Brasília, em palestras e oficinas previstas para os cinco dias da feira.
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