Suspeitos ouvidos pela polícia até o momento são os mesmos que Bruno Pereira já havia apontado às autoridades como invasores de terra indígena
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) de Tabatinga já tinham conhecimento da atuação de uma organização criminosa que atua na pesca e caça ilegal no Vale do Javari há dois meses. Em uma reunião realizada no dia 4 de abril, o indigenista Bruno Pereira, da Fundação Nacional do Índio (Funai), havia feito um mapeamento da área para as autoridades, inclusive com indicação do local e de fotos dos homens que agora aparecem como suspeitos de envolvimento no seu desaparecimento e do jornalista inglês Dom Phillips. Mesmo após as denúncias, nenhuma ação da PF ou do MPF foi feita para investigar as ilegalidades.
O GLOBO apurou que os nomes então apontados por Bruno Pereira ao delegado da PF, Ramon Santos Morais, e da procuradora Aline Morais Martinez, presentes na reunião, também já figuravam como suspeitos no envolvimento da morte de outro servidor da Funai, Maxciel Pereira dos Santos, morto em 2019, em plena luz do dia, em Tabatinga.
Maxciel foi assassinado com dois tiros na cabeça na frente de sua mulher, uma semana depois de participar de uma apreensão de mais de 1 tonelada de carne de pescados e caça. A suposta organização teria continuado com a prática ilegal três anos depois da morte do servidor. Até hoje ninguém foi preso ou acusado pelo assassinato.
Procurados, PF e MPF não retornaram aos pedidos de entrevista da reportagem.
Desde segunda-feira, cinco pessoas já foram ouvidas na condição de testemunhas, mas apenas uma foi presa. Trata-se de Amarildo da Costa de Oliveira, de 41 anos, conhecido como Pelado, preso na terça-feira. Ele está detido na delegacia da Polícia Civil e vai passar por audiência de custódia ainda nesta quarta-feira.
Preso foi visto em perseguição
Policiais militares que prenderam Pelado afirmaram ao GLOBO que a lancha do suspeito foi vista perseguindo o barco do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips logo depois que eles deixaram a comunidade de São Rafael, em Atalaia do Norte. O suspeito foi preso e trazido para a cidade na própria lancha.
Testemunhas relataram aos policiais que a embarcação do suspeito, apreendida e trazida com ele até a cidade, passou em alta velocidade atrás de Bruno Pereira e Dom Phillips tão logo eles deixaram a comunidade São Rafael, em uma visita previamente agendada, para que o indigenista fizesse uma reunião com o líder comunitário apelidado de “Churrasco”, que é tio de Pelado, com o objetivo de consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado pelas intensas invasões.
“Churrasco” foi detido na segunda-feira à noite para prestar esclarecimentos como testemunha e liberado logo depois.
Os dois desaparecidos viajavam com uma embarcação nova, com motor de 40 HP e 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem, e 07 tambores vazios de combustível. A lancha de Pelado tem um motor 60 HP e é mais veloz.
Os dois chegaram ao local de destino (Lago do Jaburu) no dia 03 de junho de 2022, às 19h25. No dia 05, os dois retornaram logo cedo para a cidade de Atalaia do Norte. No entanto, antes eles pararam na comunidade São Rafael, em uma visita previamente agendada, para que o indigenista Bruno Pereira fizesse uma reunião com o comunitário apelidado de “Churrasco”, que é tio de Pelado, com o objetivo de consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado pelas intensas invasões.
Na comunidade São Rafael, a dupla iria conversar com o líder, o “Churrasco”, mas foram recebidos por sua mulher, que ofereceu a eles “um gole de café e um pão”, segundo os vigilantes. Isso tudo ocorreu por volta das 4h do domingo.
De acordo com lideranças da Univaja, os dois se deslocaram pelo rio Itaquaí com o objetivo de visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontra próxima à localidade chamada Lago do Jaburu (próxima da Base de Vigilância da Funai no rio Ituí), para que o jornalista visitasse o local e fizesse algumas entrevistas com os indígenas.
— Às 16h, outra equipe de busca saiu de Tabatinga, em uma embarcação maior, retornando ao mesmo local, mas novamente nenhum vestígio foi localizado. Vale ressaltar que o indigenista Bruno Pereira é uma pessoa experiente e que conhece bem a região, pois foi coordenador Regional da Funai de Atalaia do Norte por anos — afirma o advogado da Univaja, Eliésio Marubo.
Bruno Araújo era alvo constante de ameaças pelo trabalho que vinha fazendo junto aos indígenas contra invasores na região, pescadores, garimpeiros e madeireiros. O Vale do Javari é a região com a maior concentração de povos isolados do mundo.
Novo depoimento
Pelado vai prestar novo depoimento nesta quarta-feira e passará por audiência de custódia. Detido na véspera, ele permaneceu em silêncio no primeiro interrogatório feito pelos investigadores, em Atalaia do Norte, no Amazonas.
O suspeito foi preso com cartuchos deflagrados de espingarda calibre 16. Os policiais também encontraram com ele uma munição intacta de calibre 762 e uma pequena quantidade de um pó branco, supostamente cocaína. Os agentes investigam a suspeita de participação de “Pelado” no desaparecimento de Phillips e Pereira. O paradeiro dos dois é desconhecido desde domingo, quando foram vistos pela última vez no Vale do Javari, na Amazônia.
Acompanhado de advogados, Pelado não deu qualquer informação sobre o caso no primeiro depoimento. O suspeito permaneceu detido por ter outros crimes imputados a ele, conforme informou a colunista do GLOBO, Miriam Leitão.
Contra Pelado pesam denúncias de reiteradas ameaças às lideranças da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
— Temos 3 suspeitos. Tivemos a detenção de um deles e esperamos que esses dois sejam capturados nas próximas horas, para apresentarem sua versão, de tudo que foi imputado a eles — disse o procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, Eliesio Marubo.
Na tarde de segunda-feira (6), a Polícia Federal ouviu outros dois suspeitos de envolvimento no caso. Os agentes detiveram os pescadores identificados apenas por “Churrasco” e “Jâneo” no início da noite, que foram prestar depoimento em Atalaia do Norte. Eles já foram liberados.
A Secretaria de Segurança Pública informou ao G1 confirmou que o suspeito estava sendo ouvido nesta noite e que não ainda houve prisões nas investigações. A Polícia Civil informou que está “tomando todas as medidas cabíveis para auxiliar na elucidação do caso, em colaboração ao Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal (PF) e Funai”.
O indigenista tinha uma reunião agendada com o comunitário apelidado de “Churrasco”, com o objetivo de consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado pelas intensas invasões. O encontro seria na comunidade São Rafael, no Vale do Javari, e Bruno Pereira compareceu acompanhado de Dom Phillips, mas Churrasco não apareceu. Bruno e Dom seguiram para Atalaia, então, e desde a saída do local não foram mais vistos e nenhum contato foi feito.
O desaparecimento foi alertado pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) nesta segunda-feira. Pereira era alvo constante de ameaças por combater a invasores como pescadores, garimpeiros e madeireiros. O Vale do Javari é a região com a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo.
— Segundo relatos dos colaboradores da Univaja, essa semana a equipe recebeu ameaças em campo, além de outras que já vinham sendo feitas, e de outros relatos já feitos para a Polícia Federal e ao Ministério Público Federal em Tabatinga — afirmou Beto Marubo, da coordenação da Univaja.
De acordo com a organização, os dois viajavam com uma embarcação nova abastecida com 70 litros de gasolina, além de sete tambores vazios de combustível.
No sábado, véspera do desaparecimento da dupla, o jornalista britânico Dom Phillips teria registrado imagens de três homens armados que faziam ameaças aos indígenas, segundo dois membros da Unijava. Uma dessas pessoas que ameaçaram o grupo seria um dos suspeitos ouvidos pela polícia, afirmou nesta terça-feira o advogado da Unijava, Eliésio Marubo.
Governo é alvo de críticas
A União dos povos indígenas do Vale do Javari (Unijava), em parceira com mais três instituições representativas dos povos indígenas, publicou nesta terça-feira uma nota exigindo apoio e rapidez dos órgãos federais de proteção e segurança, assim como das Forças Armadas, nas buscas. De acordo com a nota, apenas seis policiais militares e uma equipe da Funai iniciaram as buscas na segunda-feira junto com a equipe da instituição.
As instituições apontam que o número de agentes disponibilizados no momento é “ínfimo diante da urgência em se encontrar o paradeiro do indigenista e do jornalista desaparecidos”. Em conjunto com a Defensoria Pública, elas recorreram à Justiça Federal solicitando que a União viabilize o uso de helicópteros e barcos para auxiliar nas busca.
Na nota, as instituições afirmam que as informações passadas pelo Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), Polícia federal e pela Marinha do Brasil, apontando que agentes estavam atuando na região e tomando todas as providências para localizá-los o mais rápido possível, não são verdadeiras.
“Tais informações divulgadas pelo Governo Brasileiro, no entanto, não são verdadeiras, considerando que na data de ontem a Marinha do Brasil ainda não havia iniciado as buscas e apenas 01 agente da Polícia Federal havia sido deslocado para a região. Assistimos uma vez mais o atual Governo Brasileiro se omitir de suas responsabilidades diante da escalada de violência contra os povos indígenas e defensores de direitos humanos no Brasil”, diz a nota.