Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi eleito presidente da República pela terceira vez neste domingo (30/10). Ele assume a Presidência em 1º de janeiro de 2023. O JOTA contou como foi a jornada eleitoral em sua cobertura ao vivo.
O resultado vitorioso das urnas garantiu a Lula 50,83% dos votos e derrotou no segundo turno o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que fez 49,17% votos. Até o momento foram apuradas 98,81% das urnas.
O petista já havia ocupado o cargo entre os anos de 2003 e 2011. Ele disputou a Presidência seis vezes desde a redemocratização do país, em 1989 — venceu três e perdeu três, uma vez para Fernando Collor e duas para Fernando Henrique Cardoso.
Em 2018, Lula ficou fora da corrida presidencial após ficar preso por 580 dias pela Operação Lava Jato, acusado de participação em um esquema de corrupção na Petrobras. Todos os processos que o levaram à cadeia acabaram posteriormente anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro e firmou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba.
De volta à cena eleitoral para a disputa de 2022, Lula formou coligação com nove partidos (a maior desta eleição) e escolheu como vice um dos seus principais adversários dos últimos anos: o ex-governador de São Paulo e fundador do PSDB Geraldo Alckmin, agora filiado ao PSB.
No segundo turno, Lula atraiu o apoio dos principais candidatos à Presidência que ficaram pelo caminho. Simone Tebet (MDB), que terminou o primeiro turno em terceiro lugar, com 4,2% dos votos totais, se engajou na campanha. Diferentemente de Ciro Gomes (PDT), quarto colocado no primeiro turno. Ele também declarou apoio a Lula, ao seguir a orientação do partido, mas se manteve ausente da campanha.
Entre as principais promessas feitas por Lula e Alckmin durante a campanha estão o fim do teto de gastos, a proposição de uma nova legislação trabalhista, a ampliação e reestruturação do Bolsa Família, a aprovação de uma reforma agrária e a isenção de imposto de renda para trabalhadores que ganham até R$ 5 mil, além de uma reforma tributária que simplifique impostos e aumente a taxação dos mais ricos.
Quem é Lula?
Luiz Inácio da Silva, que décadas depois incorporaria o apelido de Lula oficialmente ao nome civil, emergiu na cena política nacional ao liderar o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e por ser um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Em abril de 1980, meses após a aprovação da Lei da Anistia (1979) — ainda sob a ditadura militar —, cerca de 140 mil trabalhadores da região do ABC Paulista participaram de uma greve organizada pelos sindicatos locais, inclusive o presidido por Lula.
No terceiro dia de greve, o governo federal, sob o comando do general João Figueiredo, afastou os dirigentes dos sindicatos e Lula foi preso em sua casa, em São Bernardo do Campo (SP). A informação foi imediatamente repassada à imprensa pelo bispo católico Dom Paulo Evaristo Arns, que apoiava movimentos de combate à ditadura. Lula passou 31 dias, seis dos quais em greve de fome, na carceragem do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), enquadrado na Lei de Segurança Nacional.
Nascido em 1945 no município de Caetés (PE), à época um distrito de Garanhuns (PE), Lula emigrou aos sete anos com seis irmãos e a mãe, chamada Eurides e conhecida como Dona Lindu, em direção a Santos (SP). A família mudou-se em seguida para o município de Guarujá (SP), onde Aristides Inácio da Silva, pai de Lula e das outras crianças, havia estabelecido uma nova família.
Em 1955, Lindu se separou definitivamente do marido e foi com os sete filhos para a capital paulista, dividindo uma casa no bairro do Ipiranga com outras famílias. Foi em São Paulo que Lula arranjou o primeiro emprego, em 1960, aos 15 anos, como office boy em uma empresa de armazenamento e logística chamada Colúmbia. Em seguida foi trabalhar como aprendiz de torneiro mecânico na Parafusos Marte. A partir de um convênio da empresa com o Senai (Serviço Nacional de Aprendizado Industrial), Lula foi aprovado no curso profissionalizante com duração de três anos.
“Acho que foi a primeira vez que eu alcancei a cidadania, porque, fora do Senai, a vida era muito dura e no Senai a gente tinha o aventalzinho da gente, a gente tinha comida na hora certa, de boa qualidade, tinha café, tinha futebol de salão, tinha basquete”, recordaria Lula décadas depois, em entrevista ao jornalista Fernando Morais, autor de “Lula — Biografia, Volume 1” (Cia. das Letras), publicada em 2021. O livro foi a principal fonte das informações biográficas citadas até aqui, todas referenciadas em fontes primárias.
Durante os anos 1970, como dirigente sindical, Lula se notabilizou por dar declarações de ojeriza a políticos e à política em geral. “Detesto política e quem gosta de política”, disse ele certa vez. Essa posição começou a mudar em 1978, quando Lula fez campanha no ABC Paulista pelo então professor universitário Fernando Henrique Cardoso, do MDB, que concorria ao Senado Federal. FHC acabou eleito suplente de Franco Montoro e assumiu o cargo em 1983, quando Montoro foi eleito governador paulista. A história de amor e ódio entre petistas e tucanos é narrada no Podcast Petecanos.
Carreira política
Na segunda eleição que disputou, em 1986, Lula foi eleito deputado federal constituinte por São Paulo — para participar da elaboração da Constituição Federal de 1988 —, com a maior votação da história até aquele momento. Desde então, três deputados quebraram o recorde: Enéas Carneiro, Tiririca e Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente Jair Bolsonaro é o atual recordista ao receber 1,8 milhão de votos em 2018.
Em 1989, Lula disputou a primeira das seis eleições presidenciais a que concorreu até agora. No primeiro turno, ficou na segunda colocação, à frente do pedetista Leonel Brizola, por uma diferença de menos de 500 mil votos, o que representou 17,18% dos votos válidos para Lula contra 16,51% para Brizola. O candidato Fernando Collor de Mello passou para o segundo turno como o mais votado, com 30,47% dos sufrágios.
Lula e Collor se enfrentaram em dois debates televisivos no segundo turno, promovidos e transmitidos simultaneamente, ao vivo, por quatro emissoras. No entanto, um compacto apresentado no dia seguinte no Jornal Nacional, da Globo, concedeu 1 minuto e meio a mais de cobertura a Collor, com uma edição que o PT questionou na Justiça Eleitoral. Décadas depois, a emissora admitiu ter cometido erros naquela ocasião.
Collor saiu vitorioso, com 35 milhões de votos (53,03%) contra 31 milhões (46,97%) a Lula. Derrotado, o petista voltou à Câmara dos Deputados, onde permaneceria até 1991.
Com o sucesso do Plano Real, que estabilizou a inflação do país após décadas de tentativas fracassadas — e ao qual o PT havia sido contrário —, o ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, que havia deixado o MDB para fundar o PSDB, cacifou-se como favorito para vencer a disputa eleitoral pela Presidência da República em 1994. FHC saiu vencedor no primeiro turno, com 54,24% dos votos válidos. Lula foi o mais votado no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal, somando 27,07% do total dos votos. O terceiro colocado foi Enéas Carneiro.
Em janeiro de 1997, o Congresso Nacional aprovou uma proposta de emenda constitucional que autorizou a possibilidade de reeleição a ocupantes de cargos dos Executivos municipal, estadual e federal — o que beneficiou FHC. Em 1998, Fernando Henrique Cardoso se tornou o primeiro presidente da República reeleito democraticamente, em primeiro turno, com 53,06% dos votos. Lula ficou em segundo, com 31,71%, e Ciro Gomes — ex-ministro do governo tucano — em terceiro, com 10,97%.
Governos anteriores de Lula
Em 2002, Lula adotou como estratégia eleitoral, a construção da imagem de um político moderado, uma mudança fundamental em relação às outras campanhas presidenciais que havia feito até então.
Entre outras decisões, fazem parte dessa construção a escolha do candidato a vice — o empresário José Alencar Gomes da Silva (1931–2011), fundador da gigante têxtil Coteminas —, a publicação da Carta ao Povo Brasileiro e a escolha de Antonio Palocci, que mantinha boa interlocução com o meio empresarial, para o cargo de ministro da Fazenda. Era o “Lulinha Paz e Amor”.
O petista recebeu 46,44% dos votos no primeiro turno, com José Serra em segundo (23,19%), Anthony Garotinho em terceiro (17,86%) e Ciro Gomes em quarto (11,97%). Serra havia sido ministro da Saúde de FHC e foi escolhido como candidato tucano apesar de o então presidente ter declarado que o governador do Ceará, Tasso Jereissati, seria “um melhor candidato”. No segundo turno, Garotinho e Ciro anunciaram apoio ao PT, e Lula venceu com 61,27% dos votos, a maior votação percentual que um candidato à presidência recebeu na história.
Em junho de 2005, o então deputado Roberto Jefferson, ex-aliado de Lula que se tornara opositor, declarou em entrevista à jornalista Renata Lo Prete, da Folha de S.Paulo, que o governo pagava mesadas de R$ 30 mil a deputados da base aliada para que votassem de acordo com os interesses do governo. “Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em malas”, disse Jefferson. “Eu digo: sou contra.”
O caso que ficou conhecido como Mensalão é o principal escândalo de corrupção do governo Lula e se tornou a Ação Penal 470, que seria julgada pelo STF a partir de 2012, reunindo mais de 50 mil páginas. Lula não foi réu no Mensalão e declarou que não sabia de nada.
Em 2006, o petista ampliou sua coalisão e concorreu à reeleição com o apoio do PMDB do Senado, ao lado de senadores como Renan Calheiros, Eunício Oliveira, Valdir Raupp e de deputados do partido como Michel Temer — que foi presidente da Câmara em três mandatos —, Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha.
O principal candidato de oposição foi o então governador paulista, Geraldo Alckmin, então no PSDB, e agora vice de Lula. Apesar das denúncias contra o PT, Lula foi reeleito no segundo turno com 60,83% dos votos válidos, após ter chegado próximo de vencer no primeiro turno, quando recebeu 48,61%.
Soltura, suspeição de Moro e volta de Lula à política
Lula deixou a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba em 8 de novembro de 2019, após ficar 580 dias preso. “Eu saio daqui sem ódio. Aos 74 anos meu coração só tem espaço para amor porque é o amor que vai vencer neste país”, ele afirmou, em discurso ainda no local. O petista foi beneficiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal que concluiu que a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado, e não após condenação em segunda instância, revertendo entendimento que o próprio tribunal havia adotado em 2016.
Em abril de 2021, Moro deixou o governo Bolsonaro e acusou o presidente da tentar interferir politicamente na Polícia Federal. A acusação virou um inquérito que até hoje está em andamento no Supremo Tribunal Federal. Naquele mês, o plenário do tribunal formou maioria para decidir que o juiz havia atuado de forma parcial nos processos envolvendo o ex-presidente Lula. O tema terminou de ser julgado em março, e a 2ª Turma do STF decidiu pela suspeição de Moro por 3 votos a 2. Todos os processos envolvendo Lula foram extintos ou arquivados, seja por falta de provas ou devido a prazos de prescrição.