Mercado de carbono: como Petrobras garante neutralização de gasolina?

O crescimento do mercado de carbono é uma das principais apostas de especialistas de todo o mundo para reduzir o ritmo das mudanças climáticas.

No Brasil, uma proposta de regulação deste mercado vem sendo discutida no Congresso. Mesmo que uma legislação sobre o assunto ainda não tenha sido aprovada, transações envolvendo créditos de carbono já são uma realidade no país há alguns anos.

No mês passado, a Petrobras anunciou importante movimentação, lançando a gasolina Podium Carbono Neutro. Mas como a empresa garante a neutralização das emissões do combustível?

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Mercado voluntário de carbono

Como ainda não há um mercado regulado no Brasil, a movimentação ocorreu no chamado mercado voluntário de carbono. Através dele, empresas podem compensar as emissões decorrentes de sua operação e do uso de seus produtos custeando projetos ambientais.

Funciona da seguinte forma: organizações que desenvolvem medidas para reduzir os estoques de gases na atmosfera, por exemplo, através de ações de preservação e de reflorestamento, acumulam créditos de carbono que podem ser vendidos às empresas que desejam compensar suas emissões. Cada crédito corresponde à neutralização de uma tonelada de gás carbônico (CO2).

Há duas semanas, a Agência Brasil visitou o Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) no Rio de Janeiro e teve acesso a informações sobre o desenvolvimento da gasolina Podium e sobre o processo de neutralização das emissões. A Petrobras entrou em acordo com a Envira Amazônia, projeto que se dedica à conservação de áreas de floresta no Acre. Foram adquiridos 175 mil créditos de carbono, referentes à safra de 2019. Ou seja, são créditos acumulados pela Envira Amazônia ao longo do ano de 2019, por meio da preservação de 570 hectares de mata. A iniciativa não envolve reflorestamento.

No mercado voluntário de carbono, não há participação de órgãos públicos na regulação. Nesse caso, todos os cálculos foram realizados pela Petrobras ou por agentes privados. A própria companhia estimou o total de suas emissões com a gasolina Podium. Foi aplicada a metodologia de avaliação do ciclo de vida (ACV), cujas diretrizes são fixadas na norma ISO 14040 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A partir dela, foram mensurados os gases lançados pelo produto, considerando diferentes etapas do seu ciclo de vida: extração e produção das matérias-primas, transportes, processamento, distribuição e uso final pelo consumidor.

Os cálculos da Petrobras foram validados pela ACV Brasil, uma certificadora privada. Embora seja responsável pela regulação do setor petrolífero, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) não possui atribuição legal para fiscalizar a participação das empresas no mercado de carbono. No caso da gasolina Podium, por exemplo, cabe a ela apenas verificar se a Petrobras atende aos padrões de desenvolvimento do produto e aos parâmetros para a composição do combustível.

Desta forma, o cálculo realizado pela Petrobras para afirmar que compensou as emissões do combustível não passou por nenhuma avaliação da ANP. A consultora da Petrobras, diz Katia Moniz, explica que a análise da agência se dá com base nas normas vigentes. Precisam ser respeitados, por exemplo, limites para a temperatura de destilação e para o teor de enxofre. “A ANP tem duas especificações. Uma é a gasolina comum. E outra é a gasolina Premium. Cada uma dela tem os seus parâmetros. Gasolina com octanagem acima de RON 97 é considerada premium. A gasolina Podium da Petrobras tem RON 103, a maior do mercado. Mas para a ANP, ela é considerada como uma gasolina premium”.

O trabalho da Envira Amazônia também foi certificado por uma entidade privada. Ela recebeu o selo VCS (Verified Carbon Standard) da Verra, certificadora que atua em nível global. Também obteve o selo CCB [Climate, Community and Biodiversity], que valida não apenas sua capacidade de preservação ambiental e seu efeito para o clima como também atesta co-benefícios sociais associados ao crédito de carbono. Isto é, indica que as comunidades locais estariam envolvidas e seriam favorecidas pela iniciativa.

As cifras pagas pela Petrobras para adquirir os 175 mil créditos do Envira Amazônia não são públicas. A empresa afirma que os valores são confidenciais para não prejudicar compras de créditos futuros. Ao mesmo tempo, garante que o investimento não foi repassado ao consumidor. De acordo com a Petrobras, a negociação evoluiu após uma análise de projetos de diferentes organizações. Um dos critérios estabelecidos pela companhia para sua inserção no mercado de carbono foi a compra de créditos gerados a partir de iniciativas envolvendo exclusivamente biomas nacionais.

Transição energética

De acordo com o gerente de comercialização no mercado interno da Petrobras, Sandro Barreto, a movimentação no mercado de carbono deverá crescer, e vem acompanhada do interesse da companhia em exercer papel importante no processo de transição energética, que envolve a redução gradativa do uso de fontes de energia mais poluentes, em busca de uma matriz energética mais limpa. Ele cita, no entanto, aspectos econômicos que impedem uma rápida descarbonização da sociedade.

“O petróleo é a base de energia do mundo. Permite o fornecimento de energia de diferentes formas. Houve muito desenvolvimento em cima dele. É fácil transportar de um lugar que tem acesso no mundo para outro lugar que tenha falta. Quando comparado com fontes alternativas, continua sendo a forma de energia mais barata existente. Quando a gente fala em transição, significa trocar por algo mais caro”, diz.

Em sua visão, é preciso agregar uma percepção de justiça no processo de transição energética. “A energia é um bem dos mais essenciais para qualquer cidadão, para qualquer empresa, para a sociedade brasileira como um todo. Ser justo significa que as pessoas precisam continuar conseguindo comprar a energia necessária e as empresas brasileiras têm que continuar competitivas no mercado global. Se a transição fosse fácil e barata, não precisava ser regulada e obrigada”, acrescentou.

Segundo Barreto, a transição energética deve ter o ritmo correto para que a sociedade se adapte. O mercado de carbono seria assim um aliado nesse processo, pois permite que os efeitos do uso do petróleo sejam mitigados enquanto a sociedade ainda se mostra fortemente dependente dessa fonte de energia. Por atender um nicho específico, a gasolina Podium representa apenas 1% do mix de vendas de combustíveis para a rede de postos da Petrobras.

Barreto, no entanto, aponta que ela tem se mostrado atraente no mercado e que há sinais de crescimento. Seu preço em torno de R$ 7,80 é aproximadamente 38% superior ao da gasolina comum, considerando a média de R$ 5,65 apurada no último levantamento da ANP.

Criado em 2002 como um combustível de alta performance, a gasolina Podium vem sendo aprimorada desde então, e é a mais avançada do Brasil, de acordo com a Petrobras. Além de carregar o selo de carbono neutro, a nova versão recém-lançada alcançou a octanagem de fábrica RON 102. Isso significa que ela possui alta capacidade de resistência à detonação.

Dessa forma, em motores de alto desempenho que comprimem o combustível sob altas temperaturas, há um funcionamento mais eficiente e econômico. O ganho de eficiência foi comprovado no processo de desenvolvimento. “A gente fez testes no motor turbo GDI. Houve um aumento de 19% na potência”, diz Barreto.

Carros populares, que não possuem motores turbo, não terão ganho de potência com a gasolina Podium, mas podem usufruir de outros benefícios. É um combustível mais estável e que gera menos formação de depósitos no motor, ampliando sua vida útil e deixando-o menos suscetível a oxidação. É recomendado por exemplo para veículos pouco usados, em que a gasolina fica armazenada por muito tempo no tanque. Além disso, seu teor de enxofre, de 20 BPM, é considerado o menor do mercado brasileiro e é 60% menor do que o encontrado na gasolina padrão. Só por isso já é menos poluente.

No momento, o produto está acessível em cerca de mil postos com bandeira Petrobras, dos 8 mil existentes em todo o país. A maioria se concentra nas regiões Sul e Sudeste. “Existe um plano de expansão”, diz Maurício Fontenelle, diretor de produtos da Vibra Energia, empresa responsável pela distribuição da gasolina Podium.

Regulação

A ideia de um mercado de carbono ganha força no Protocolo de Quioto, firmado em 1997 e ratificado em mais de 170 países. Ele definiu metas de redução de emissões para as nações desenvolvidos, consideradas os maiores poluidores.

O artigo 12 criou o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Por meio dele, parte dos compromissos assumidos pelos países desenvolvidos poderia ser cumprido com a aquisição de créditos de carbono gerados por projetos baseados em países em desenvolvimento, como o Brasil. Foram definidas ainda entidades capazes de certificar as reduções de emissões resultantes de cada projeto.

Com o tempo, diversos países criaram regulações internas para o mercado de carbono, nas quais empresas que emitem mais gases do que os limites estipulados precisam compensar, comprando créditos de carbono. Boa parte deles usa o modelo conhecido como Cap and Trade. Nele, as empresas recebem cotas para emissão de gases. Aquelas que economizarem suas cotas podem vendê-las para aquelas que extrapolarem.

O Acordo de Paris, assinado em 2015 por quase 200 países, voltou a apontar o mercado de carbono como um instrumento indicado para o cumprimento das metas estabelecidas com vistas ao combate do aquecimento global.

Tema de debate

No Brasil, a regulação interna é tema de debate. Por enquanto, como em outros locais do mundo, transações ocorrem em um mercado de carbono voluntário. Isso significa que ainda não há metas ou obrigações legais para empresas nacionais. A discussão, no entanto, tem avançado neste ano a partir da tramitação do Projeto de Lei 412/2022.

Preocupações em torno do tema cresceram no mês passado após a Defensoria Pública do Pará denunciar três empresas por suspeita de grilagem de terras públicas e uso de certificados de crédito de carbono obtidos de forma fraudulenta.

A importância da atuação de um órgão regulador público na engrenagem do mercado de carbono tem sido apontada por diferentes especialistas para coibir crimes. “A experiência mostra que é preciso estruturar uma governança e procedimentos normativos robustos para evitar fraudes e certificados sem lastros”, registra nota técnica sobre o tema divulgada em dezembro de 2020 pela Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.