Moro revela ter recebido R$ 3,6 milhões por 12 meses de contrato com escritório Alvarez & Marsal

TCU apura possível ‘conflito de interesse’ na atuação do ex-juiz da Lava Jato em escritório americano que administra a recuperação judicial de empreiteiras condenadas por ele.

O ex-ministro da Justiça e ex-juiz da Operação Lava Jato Sergio Moro revelou nesta sexta-feira (28), durante transmissão em uma rede social, que recebeu US$ 45 mil mensais em um ano de contrato com o escritório americano de consultoria Alvarez & Marsal — o escritório é responsável pela administração judicial de empreiteiras investigadas pela Lava Jato.

Além do rendimento mensal, Moro afirmou ter recebido da consultoria um “bônus de contratação” de US$ 150 mil, dos quais diz ter devolvido R$ 67 mil por ter encerrado o contrato antecipadamente. No total, considerados os valores informados pelo ex-juiz, os rendimentos de Moro na consultoria somaram R$ 3,65 milhões, conforme cotação do dólar desta sexta-feira.

Na transmissão, o ex-juiz disse que pagou todos os impostos referentes à relação com o escritório Alvarez & Marsal.

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Pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos, Moro divulgou as cifras após questionamento do Tribunal de Contas da União (TCU), que abriu procedimento para apurar possível conflito de interesses na relação entre o ex-juiz e o escritório.

O ex juiz Sergio Moro em 10 de novembro, durante cerimônia de filiação ao Podemos — Foto: Agência de Fotografia/Estadão Conteúdo

Na transmissão, Moro disse que não estava revelando os detalhes do contrato com o escritório Alvarez & Marsal em razão do processo no TCU, o qual classificou como um ato de “abuso de poder”.

Também negou que rumores de criação de uma CPI para investigar as condutas dele tenham motivado a divulgação, uma vez que os adversários “sabem que não tem nada de errado”.

“A CPI foi enterrada, eu não precisava revelar [os valores]. Esse processo do TCU, do ministro lá, do procurador, é um abuso, porque o TCU serve para investigar governo, administração pública e não investigar contrato entre uma pessoa privada, que é meu caso depois que eu deixei o Ministério da Justiça, e uma empresa privada. E ainda mais um contrato feito no exterior”, disse.

Segundo o ex-juiz, a decisão de revelar os valores decorre da condição de pré-candidato a presidente.

Depois que deixou o Ministério da Justiça, o ex-juiz da Lava Jato foi anunciado em novembro de 2020 como diretor da consultoria americana de gestão de empresas Alvarez & Marsal.

O escritório atuou como administrador judicial da Odebrecht, OAS e Galvão Engenharia, empreiteiras alvos de investigação da Lava Jato e que tiveram dirigentes condenados por Moro.

Na transmissão, Moro disse jamais ter recebido “um tostão” da Odebrecht e de empresas investigadas pela Lava Jato.

“Quando eu entrei na Alavarez & Marsal, eu pedi: vamos colocar, no contrato, uma cláusula dizendo que eu não prestaria serviço de investigação, compliance para empresa envolvida na Lava Jato”, disse o ex-juiz.

Em outro momento da transmissão, Moro disse que não enriqueceu com os serviços prestados para o escritório americano.

“Falam que eu enriqueci. Eu não enriqueci. Eu tinha um bom salário. É normal. com todas as qualificações, que você tenha um salário bom para os padrões dos Estados Unidos e da função que eu ocupava. Mas longe de qualquer perspectiva de enriquecer”, disse.

O pré-candidato aproveitou a transmissão para provocar dois rivais: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e o atual chefe do Executivo, Jair Bolsonaro, do PL.

Moro disse que Lula deveria esclarecer os recursos que recebeu com palestras e as reformas no sítio de Atibaia (SP) e no tríplex do Guarujá (SP).

Sobre Bolsonaro, o ex-ministro afirmou que o presidente podia “abrir as contas” do seu gabinete, quando era deputado federal, e esclarecer o relacionamento com Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). “Abram as contas BolsoLula, essa é a campanha que estamos abrindo hoje”, disse.

Práticas ‘ilegítimas’

Para o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, Moro pode ter cometido práticas ilegítimas de revolving door – pela qual um agente público migra para o setor privado na mesma área de atuação e repassa informações privilegiadas que podem beneficiar clientes – e de lawfare, que seria a utilização, de forma estratégica, do sistema jurídico para se beneficiar.

Diante do posicionamento do MP junto ao TCU, o ministro da corte de contas Bruno Dantas determinou à consultoria Alvarez & Marsal que revele serviços prestados e valores pagos ao ex-juiz federal.

Nesta sexta-feira, Dantas determinou à Secretaria de Controle Externo do TCU que apure, nas bases de dados disponíveis para acesso do órgão, “todas as informações que possam guardar relação com o vínculo estabelecido entre o ex-juiz Sergio Moro e a Alvarez & Marsal, ou ainda com outras empresas envolvidas na Operação Lava Jato, ficando a secretaria autorizada a utilizar todas as ferramentas de inteligência à disposição”.

Moro deixou a Alvarez & Marsal em outubro do ano passado. Em novembro de 2021, filiou-se ao partido Podemos e foi lançado pré-candidato da legenda à Presidência da República nas eleições deste ano.

O ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro afirma que, enquanto esteve no escritório Alvarez & Marsal, não atuou em casos de conflito de interesses. Ele também nega ter trabalhado em casos de conflito de interesses.

Moro diz ainda que não advogou para empresas em processos de corrupção e que seu trabalho era dar consultoria em políticas antissuborno, compliance e investigações corporativas internas.

O escritório Alvarez & Marsal tem dito que o contrato firmado com Sergio Moro “obedeceu a todos os trâmites de transparência legais” e regras de compliance.

Fonte: G1