Mais cedo, Ministério da Defesa da Rússia chamou de ‘provocação’ relatos que atribuíam detonação a mísseis do país; presidente polonês diz não haver ‘prova inequívoca’ de quem disparou o míssil
Em nota divulgada na noite desta terça-feira por seu Ministério das Relações Exteriores, a Polônia, país-membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), atribuiu a um “míssil de fabricação russa” uma explosão que deixou dois mortos perto da fronteira do país com a Ucrânia. “Um míssil de fabricação russa caiu, matando dois cidadãos da República da Polônia”, disse o comunicado do porta-voz do ministério, Lukasz Jasina, acrescentando que o embaixador da Rússia em Varsóvia foi convocado para dar “explicações detalhadas” sobre o ocorrido.
O episódio ainda não foi esclarecido, ressaltou logo depois o presidente polonês, Andrzej Duda. Segundo ele, não há confirmação de quem disparou o míssil, “que era muito provavelmente de fabricação russa”.
— No momento não temos provas inequívocas de quem disparou o míssil, uma investigação está em andamento. Era muito provavelmente de fabricação russa — disse Duda a jornalistas.
Duda falou com o presidente americano Joe Biden, que está na cúpula do G20 na Indonésia, e disse que os dois concordaram em manter coordenação sobre o episódio, enquanto a investigação avança. Os chanceleres da Otan se reunirão nesta quarta em Bruxelas para discutir o incidente, embora não haja, até o momento, evidências de um ataque intencional à Polônia. Pelo tratado da Otan, os 30 países-membros da aliança militar liderada pelos Estados Unidos se comprometem a defender qualquer um deles que tenha sofrido um ataque externo.
O primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, por sua vez, pediu calma à população:
— Peço a todos os poloneses que mantenham a calma diante desta tragédia (…) Precisamos ter moderação e cautela — declarou Morawiecki após uma reunião de emergência do Comitê de Segurança Nacional polonês.
Na reunião, o governo havia confirmado a ocorrência da explosão, mas não havia chancelado os relatos, divulgados mais cedo pela agência de notícias Associated Press, de que a região fronteiriça teria sido atingida por mísseis lançados pela Rússia, num dia de fortes bombardeios contra a infraestrutura ucraniana.
— As autoridades estão no local investigando o episódio e continuarão a investigar por toda a noite ou o tempo que for necessário para esclarecer esse caso — disse então Piotr Muller, o porta-voz do governo polonês, anunciando também a decisão de elevar o nível de alerta “de algumas unidades de combate”.
A explosão teria atingido um silo de grãos em Przewodow, um vilarejo no Leste do país a cerca de seis quilômetros da fronteira ucraniana. Um vídeo de três segundos que teve sua autenticidade verificada pelo New York Times mostra uma única explosão perto de um local de estocagem de grãos na cidade. O vídeo não deixa clara a origem da detonação. Imagens que circulam em redes sociais na Polônia e que não foram verificadas mostram uma cratera e um trailer virado, aparentemente com grãos, segundo a BBC. Outra imagem também não verificada parece mostrar o fragmento de um míssil.
Mais cedo, diante dos relatos que a Associated Press atribuía a uma fonte da Inteligência americana, o Ministério da Defesa da Rússia disse que “as declarações da mídia polonesa e de autoridades sobre uma suposta queda de mísseis russos perto da cidade de Przewodow são uma provocação intencional que busca agravar a situação”. De acordo com o ministério, “nenhum ataque foi realizado a alvos perto da fronteira ucraniana-polonesa”. As imagens de “destroços publicadas pela mídia polonesa (…) da cidade de Przewodow não têm relação” com bombas russas, acrescentou a nota.
O ministro do Exterior da Ucrânia, Dmytro Kuleba, também disse numa postagem no Twitter que a explosão na Polônia não foi causada por um míssil da defesa antiaérea do país que poderia ter se desviado de sua rota.
Um alto funcionário da Otan informou, sob anonimato, que a aliança investiga o caso em “estreita coordenação” com a Polônia. O secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg, escreveu no Twitter que “monitora a situação” e que “é importante que todos os fatos sejam esclarecidos”. Por sua vez, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos informou mais cedo que não podia confirmar as informações sobre a suposta origem russa da explosão, mas que também conduz uma investigação.
— Estamos cientes dos relatos da imprensa de que dois mísseis russos atingiram o interior da Polônia, na fronteira com a Ucrânia — disse o porta-voz do Pentágono, Patrick Ryder, ressaltando que ainda não há “informações corroborantes” de que realmente houve um ataque com mísseis ou de que projéteis russos tenham se desviado de sua trajetória.
Bem cedo nesta terça-feira, a Rússia bombardeou infraestruturas de energia em várias cidades da Ucrânia, inclusive a capital Kiev, que ficou parcialmente sem eletricidade. Alguns dos ataques atingiram a cidade de Lviv, a cerca de 100 quilômetros da fronteira com a Polônia. De acordo com a Força Aérea ucraniana, a Rússia lançou 90 mísseis, dos quais 70 teriam sido derrubados por sua defesa aérea. Em Kiev, dois prédios residenciais foram atingidos, um deles por destroços de um míssil russo derrubado.
Apenas o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e o governo da Letônia, antiga república soviética hoje membro da Otan, acusaram diretamente a Rússia pela explosão na Polônia. Zelensky disse que Moscou promoveu uma “escalada muito significativa” do conflito e sugeriu uma intervenção direta dos países da aliança militar ocidental— algo que os Estados Unidos e seus aliados têm evitado, pelo risco de uma guerra que engolfaria toda a Europa.
— Mísseis russos atingiram a Polônia hoje, o território de um país aliado. Pessoas foram mortas. Por favor, aceite nossas condolências — disse Zelensky. — Disparar mísseis contra o território da Otan é um ataque russo à segurança coletiva. É uma escalada muito significativa. Devemos agir.
Já o vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa da Letônia, Artis Pabriks, afirmou em uma postagem no Twitter que mísseis russos “caíram no território da Otan na Polônia”. “A Letônia apoia totalmente os amigos poloneses e condena este crime”, acrescentou.
Nas primeiras semanas após a invasão russa da Ucrânia, Jens Stoltenberg, o secretário-geral da Otan, havia alertado para a possibilidade de incidentes do tipo ocorrerem no território de países da aliança, enfatizando a importância dos canais de comunicação militar com a Rússia para evitar que possíveis mal-entendidos saíssem do controle.
— Quando vemos mais atividades militares, quando vemos combates acontecendo perto das fronteiras da Otan, sempre há um risco — disse Stoltenberg em março.
No início da guerra, um drone de reconhecimento não tripulado de seis toneladas cruzou o Leste Europeu vindo da Ucrânia e caiu na capital da Croácia, Zagreb.