UE e Otan manifestaram indignação com a aterrissagem forçada de uma aeronave civil em Minsk. A Rússia, por outro lado, citou um incidente semelhante em 2013 – que envolveu um voo que transportava Evo Morales.
O que aconteceu?
A UE anunciou sanções mais duras contra Belarus – que incluem cortar o país do tráfego aéreo europeu. Os Estados europeus e a aliança militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) também solicitaram uma investigação internacional sobre o pouso forçado de um avião da Ryanair no domingo (23/05), no qual o blogueiro e crítico do regime belarusso Roman Protasevich e sua parceira foram presos.
Com a ajuda de um caça, Belarus forçou o avião de passageiros a fazer uma escala em Minsk. O voo, que no momento atravessava o espaço aéreo belorusso, fazia a rota de Atenas a Vilnius e tinha a bordo Protasevich, que até então estava exilado na Lituânia. As autoridades belorrussas afirmam que a razão para tal intervenção foi uma ameaça de bomba da organização terrorista islâmica radical Hamas – uma declaração que foi recebida com ceticismo internacional diante da prisão de Protassevich.
Já houve algum caso semelhante?
Ao se pronunciar sobre o episódio, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, falou de um incidente perigoso e inaceitável e de sequestro de Estado. No Twitter, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, descreveu o acontecimento como um ataque à democracia.
The hijacking of the Ryanair plane by the Belarus regime is an attack on democracy.
An attack on freedom of expression.
An attack on European sovereignty.
Roman Pratasevich & Sofia Sapega must be released immediately. pic.twitter.com/r2rxBSnzer
— Ursula von der Leyen (@vonderleyen) May 25, 2021
Enquanto isso, a Rússia acusou o Ocidente de hipocrisia – e fez uma comparação com o pouso forçado de um avião de Evo Morales em 2013. Até hoje, as circunstâncias exatas do episódio ainda não foram esclarecidas, sobretudo devido a declarações contraditórias por parte dos envolvidos.
No entanto, aparentemente, o motivo do pouso não planejado na Áustria da aeronave em que se encontrava o então presidente boliviano teria sido a necessidade de reabastecer – afinal, França, Espanha e outros países da UE haviam fechado temporariamente seu espaço aéreo para o voo de Morales.
A justificativa teria se baseado em informações dos EUA, que sugeriam que a bordo do avião estaria o analista americano Edward Snowden, procurado por alta traição de Estado. Após uma busca na aeronave – supostamente com a permissão de Morales – , constatou-se a ausência do ex-funcionário do serviço de inteligência dos EUA e o presidente boliviano pôde prosseguir em seu trajeto. A legalidade da operação também foi contestada na época, com a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) criticando a parada obrigatória. Os políticos europeus, por outro lado, silenciaram a respeito.
Outros casos semelhantes de poucos forçados são raros na história da aviação, explica Steven Truxal, especialista em direito aeronáutico. Vagamente comparável, no máximo, teria sido o fechamento do espaço aéreo para aeronaves do Catar pelo Egito, Bahrein, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos em 2017.
O pano de fundo na ocasião foi a interrupção das relações diplomáticas com o Catar, que havia sido acusado de apoiar grupos terroristas e desestabilizar a região. O bloqueio só terminou no início de 2021, quando os Estados do Golfo (e o Egito) resolveram o antigo conflito.
Houve violação de tratados aéreos?
Em princípio, conforme a Convenção de Chicago sobre Aviação Civil Internacional, os Estados podem sim solicitar pousos. Mas o pedido deve ser justificado e servir para evitar um risco de segurança ainda maior do que uma aterrissagem não programada.
“Segundo relatos, um jato militar teria disparado contra o avião. Algo assim é sempre arriscado, pois temos dois aviões voando muito próximos um do outro e em comunicação”, explica Truxal, professor de direito aeroespacial da Universidade de Leiden, na Holanda.
Se a ameaça de bomba realmente se revelar apenas um pretexto para prender Protassevich, Belarus poderia, portanto, ter violado o Acordo de Chicago. Segundo Truxal, também pode ter relevância jurídica no caso o Acordo de Montreal sobre o Combate a Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil. Belarus aderiu ao tratado em 1971 – ainda que com a reserva de não se vincular ao Artigo 14, que prevê que as disputas entre os Estados contratantes sejam levadas ao Tribunal Internacional de Justiça de Haia.
Segundo o especialista, a parada da aeronave de Evo Morales em Viena em 2013 é juridicamente diferente “no sentido de que não havia ameaça à segurança do voo, nem fabricada, nem real”. Pelo que foi informado, o avião pousou na capital austríaca para reabastecer porque não havia recebido a permissão de alguns países europeus para atravessar seus respectivos espaços aéreos. “Isso é bem diferente do pouco emergencial de um avião devido a uma suposta ameaça de bomba.”
Os países europeus, portanto, não teriam violado a Convenção de Chicago ao bloquear seu espaço aéreo para o voo de Morales, diz Truxal, se – e de acordo com relatos da mídia na época – se tratasse de um uma aeronave do governo boliviano. Afinal, os aviões estatais não são cobertos pela Convenção de Chicago e devem sempre solicitar autorização para sobrevoar o território de outro país.
Dois pesos e duas medidas?
Legalmente, a aterrissagem forçada do avião da Ryanair em Belarus é apenas em parte comparável com a escala do avião Morales em Viena em 2013. No entanto, pode ter havido violações de acordos em ambos os casos – e a atual indignação no Ocidente parece desproporcional em comparação com a da época.
Nem mesmo a Alemanha viu necessidade de pedir esclarecimentos sobre o incidente com o presidente boliviano, conforme se pode deduzir a partir da resposta do então secretário de Estado do Ministério do Exterior, Harald Braun, ao pedido de um membro do Bundestag: “A recusa de sobrevoo para o presidente boliviano, Evo Morales, por alguns Estados europeus, no início de julho de 2013, não foi tema de conversações entre o governo federal e o governo dos Estados Unidos, nem com os países europeus em questão”.
As diferentes condutas europeias na questão certamente se devem, por um lado, ao contexto geográfico do episódio. Tratava-se, afinal, de um avião de uma companhia aérea irlandesa que viajava em Belarus de um país pertencente ao espaço Schengen para outro, com muitos passageiros europeus a bordo.
Por outro lado, as implicações foram maiores desta vez, pois houve de fato uma prisão – ao tempo que, no voo de Morales, não havia vestígios de Snowden. Mas e se o denunciante procurado estivesse a bordo? Então o escândalo teria sido provavelmente muito maior e os Estados da UE teriam sido forçados a se posicionar de forma mais clara.
Fonte: Deutch Welle