A negritude, a autoestima da juventude periférica, o racismo e a violência são alguns temas abordados pelas obras da exposição Chora Agora, aberta neste sábado (25) no Complexo Cultural Funarte, no centro de São Paulo. A mostra foi organizada pelo coletivo Vilanismo, formado por 12 artistas negros, a partir da proposta de discutir o lugar dos homens pretos na sociedade brasileira.
“A gente era sempre visto como vilão, assim como a gente é andando na rua. A ideia é pensar porque somos vistos como homens assustadores”, explica um dos integrantes do grupo, Renan Teles, em relação aos estereótipos construídos em relação aos homens negros. “Por isso já se emprega a violência sobre nós antes que a gente faça qualquer coisa”, acrescenta ao falar das consequências dessa construção social.
Há seis meses, o grupo ocupa duas salas na sede da Fundação Nacional de Artes (Funarte) no bairro da Santa Cecília. Renan explica que o espaço era usado como depósito e também acumulava entulho. Ao mesmo tempo, os artistas buscavam um local onde pudessem ter um ateliê e realizar reuniões. A localização central facilita o acesso aos integrantes, residentes nas diferentes extremidades da cidade.
Fraternidade
Ao encontrarem o espaço ocioso na entidade cultural, vinculada ao Ministério da Cultura, os artistas propuseram a ocupação, limparam e reformaram o local. “Quase tudo que a gente conseguiu até hoje foi na base do mutirão, uma tecnologia ancestral indígena”, destaca o fotógrafo Rodrigo Zaim, que também faz parte do grupo, que ele prefere descrever como fraternidade.
Para além da produção artística, o coletivo se propõe a ser uma rede de apoio, com discussões sobre masculinidade e até um fundo de reserva financeira comum, que pode ser acessado por qualquer um que passe por momentos difíceis. “Eu mesmo já precisei desse apoio em algum momento. Um dia que eu puder eu devolvo o dinheiro para o banco”, diz Teles ao exemplificar como funciona o caixa coletivo.
A própria exposição é um passo mais ousado do que simplesmente expor a produção dos membros do grupo. A partir das discussões foi pensada uma curadoria para convidar outros artistas a ocuparem o espaço criado pelo grupo e batizado de Covil.
“É a nossa primeira curadoria, abrindo para pesquisa, visitando ateliês de artistas, mesmo uma artista se morasse em longe”, detalha Teles a respeito da construção da mostra.
Fotografia e pintura
São 23 trabalhos com diferentes técnicas de 18 artistas. Em Casa Verde, Teles parte de uma fotografia montada em uma moldura de grades de ferro, típicas de portões residenciais, para retratar uma senhora que observa uma casa, em uma cena cotidiana da periferia.
As pinturas sobre tecido de Guto Oca mostram um rosto negro com os dizeres “sereno” e “tranquilo”, para discutir a necessidade de homens negros de conterem as próprias emoções.
A fotógrafa Daisy Serena traz o rosto de mãe Bernadete, líder quilombola assassinada na Bahia, como a carta de tarô que remete à justiça.
Já Andrea Lalli relembra as histórias de sua família ribeirinha, nos peixes bordados e pintados sobre peças de tecido.
Ri depois
O espaço de trabalho dentro do centro cultural tem permitido ainda que o grupo estabeleça trocas com pesquisadores e artistas, inclusive de outros países. “Aqui no Covil, estando tão bem localizado no centro, a gente tem recebido pessoas quase todos os dias. Muitos pesquisadores africanos já vieram, de Burkina Faso, de Angola, do Senegal, do Marrocos. E temos recebido professores e curadores também já dos Estados Unidos”, comemora Teles.
O título da exposição, que vai até 12 fevereiro de 2024, faz referência a um verso do grupo de rap Racionais MC’s, além de expor um desejo do coletivo. “Chora agora, ri depois é algo que tem muito a ver com o que a gente está fazendo, que é: agora a gente luta, a gente trabalha sonhando com um futuro em que a gente possa ter um terreno, [conquistar] o próprio espaço.”