“Nós, mulheres amazônidas, gestamos e maternamos a terra, no sentido do cuidar e integrar todos os ciclos dos quais fazemos parte”, explica Joyce Cursino, durante participação nos Diálogos Amazônicos, em Belém (PA).
Ela é diretora executiva da Negritar, uma entidade que atua em apoio às mulheres negras em seus mais diversos ambientes. “Temos sabedorias que vão muito além do esteriótipo de ‘caboclinha’, forma pejorativa como costumamos ser vistas pelas pessoas do sul do Brasil”, acrescentou.
Curandeira
Algumas ervas que servem para chás medicinais, servem para banho, explica a curandeira Raimunda Marta. Ela integra o Movimento dos Atingidos por Barragens do Amapá. Os conhecimentos tradicionais dela para limpeza do corpo e para as ajudas espirituais vêm dos ancestrais e da umbanda.
Ela explica que as interferências de três hidrelétricas no Rio Araguari prejudicaram bastante a rotina de diversas comunidades da região. O olhar da curandeira também carrega uma ótica de ciclos similar à da diretora do Negritar.
“As hidrelétricas e a poluição afetaram o ciclo da água, que afeta o ciclo dos peixes que fazem parte do nosso ciclo alimentar. Essas interferências prejudicaram a saúde da nossa comunidade”, acrescentou referindo-se à rotina de diarreia e vômito pela qual passam muitos de sua região, localizada nos arredores de Macapá (AP).
Liderança
Primeira comunidade quilombola titulada no Brasil, O Quilombo Boa Vista Trombetas, no município paraense de Oriximiná, tem como uma de suas lideranças uma mulher: Maria Zuleide Viana, de 68 anos.
Ela participou de algumas atividades durante o Diálogos Amazônicos, evento prévio à Cúpula da Amazônia que reunirá chefes de Estado dos países da região entre os dias 8 e 9 próximos. Uma dessas atividades envolveram os jovens de comunidades quilombolas, que reivindicavam maior participação na formulação das propostas que serão apresentadas aos chefes de Estado durante a Cúpula.
“A Amazônia também é negra. Nós moramos e somos parte da Amazônia. Não apenas fazemos parte da natureza. Nós somos a natureza”, disse ela à Agência Brasil.
Sobre o movimento de jovens, a liderança quilombola disse se sentir representada ali também. “Eles são fruto e resultado do nosso trabalho. São sementes que nós jogamos na terra”, disse ela ao observar, nesse processo, uma outra relação cíclica.
Entre as sementes que já geraram frutos nas novas gerações de sua comunidade está, segundo ela, a diminuição do patriarcado. “Homens e mulheres têm papéis cada vez mais parecidos entre nós”, disse ao comentar que, no passado, havia ali um machismo mais arraigado.
Base das comunidades
Carlene Printes, 35, é coordenadora de gênero da Malungu, associação quilombola da qual a comunidade Trombetas é integrante. Ela explica que quem sustenta as bases da comunidade são as mulheres. “Temos também um papel muito forte nas nossas articulações”, disse a jovem, uma das participantes mais ativas nas reuniões durante o Diálogos Amazônicos.
A explicação de Carlene sobre o papel da mulher negra em comunidades quilombolas em muito se assemelha àquela descrita por Joyce Cursino, do Negritar. “As mulheres, em muitos casos, são a base do território, relevantes para a proteção do espaço e das comunidades. Tudo está vinculado à ideia do cuidado e da autonomia para o bem viver”, disse.
“Nós, mulheres, somos o elo entre território, alimento e gestação de processos e projetos necessários para mantermos o equilíbrio com a natureza, porque nós somos a natureza que nos nutre”, complementou.