Após 11 anos vivendo juntos, Gerlane de Sousa Felisbino, 38, e Antônio de Aquino, 48, vão se casar “de papel passado”. A celebração ocorre neste domingo (30), às 17h, em um dos famosos cartões-postais de Brasília, o Museu Nacional, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e construído na Esplanada dos Ministérios.
Quando ingressarem no auditório e caminharem em direção à juíza de paz e mestre de cerimônia Joyce Albuquerque, a técnica em enfermagem e o chefe de cozinha estarão acompanhados, a certa distância, por mais 39 casais. Todos selecionados para participar do primeiro casamento comunitário que a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) promove depois que o governo do Distrito Federal transformou em programa de governo a iniciativa de oficializar a união civil de pessoas sem condições financeiras para pagar pela documentação e por uma solenidade com direito a vestido de noiva, maquiagem, buffet e alguns poucos convidados.
“Há muito tempo planejamos fazer isso, mas nunca dava certo. Engravidamos, nosso filho nasceu, os gastos aumentaram e acabou que a gente teve que adiar, porque sempre tínhamos que colocar outras prioridades na balança”, contou Gerlane à Agência Brasil.
Desempregada há pouco mais de um ano, com um filho de oito anos e contando apenas com o salário de Antônio para custear as despesas familiares (incluindo o aluguel), Gerlane soube que o governo do Distrito Federal selecionaria 40 casais interessados em participar do evento comunitário. E decidiu arriscar a sorte antes mesmo de comunicar ao companheiro.
“Quando ele chegou em casa, contei que estávamos inscritos para participar da seleção. E que íamos nos casar”, lembra Gerlane. Questionada se Antônio ficou animado ao saber de sua iniciativa, ela riu e respondeu: “Ou fica, ou fica”. Afinal, uma vez selecionados, estaria superado o principal impedimento à realização do plano que o casal vinha acalentando há anos.
“Da última vez que olhei, só o aluguel de um vestido de noiva, dos mais baratos, saía por mais de R$ 900. Um profissional de maquiagem cobrava mais de R$ 200. E mesmo que pagássemos só o cartório, os gastos podiam chegar a R$ 400, dependendo do local. Você soma tudo e vê que é um gasto significativo. Principalmente agora, em um momento de pandemia e desemprego”, destaca a noiva.
Devido à crise sanitária, Felipe, o filho do casal, não irá à cerimônia. Além de preferirem não expor o garoto ao risco, cada casal só pode convidar até quatro pessoas para acompanhar a solenidade dentro do Museu Nacional. Gerlane e Antônio chamaram seus pais. Outros parentes e amigos poderão assistir ao casamento em tempo real, pela internet. Além disso, um telão será montado na área externa do museu, onde cadeiras estarão disponíveis para quem, respeitando o distanciamento social, preferir esperar do lado de fora.
Na última quinta-feira (27), a Secretaria de Justiça reuniu os casais para orientá-los sobre como evitar aglomerações durante a cerimônia, já que boa parte deles irá se vestir no próprio local do evento. Parceiro da iniciativa, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac-DF) vai instalar um salão de beleza volante ao lado do museu, onde alunos e instrutores dos cursos de cabeleireiro e maquiador prepararão as noivas e noivos. Restaurantes fornecerão almoço e salgados. As roupas cedidas a alguns dos casais vieram, em parte, do acervo da própria secretaria, e foram ajustadas por estudantes e professores do Senac.
Segundo a Sejus, as parcerias permitem ao governo do Distrito Federal realizar o sonho dessas pessoas a um custo mínimo para os cofres públicos, cerca de R$ 7,2 mil. E a iniciativa, lembra a secretaria, cumpre o objetivo de “consolidar a família como núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social”, conforme prevê o decreto que instituiu o Programa Casamento Comunitário – que tem mais dois propósitos legais: a defesa do direito à convivência familiar e a promoção dos direitos humanos, a proteção jurídica e garantia dos direitos civis da família e sucessões.
“Isso é algo muito importante. Principalmente se o casal tem filhos, como é o nosso caso. Porque, queira ou não, só com a oficialização [da união civil] nós temos certeza de que garantiremos alguns direitos, um amparo”, afirma Antônio, admitindo estar se sentindo cada vez mais ansioso com a aproximação do casamento. “Queríamos muito isso. E se não fosse desta vez, tentaríamos de novo na próxima”, acrescentou o noivo.