Do churrasquinho à coxinha: festival mostra diferentes sabores da Maré

Nas ruas e becos estreitos da Maré, o calor parece multiplicar. Enquanto uns improvisam chuveirões e piscinas coletivas, o cearense Jorge passa o dia colado em uma churrasqueira. E não tem sensação térmica de 60°C que desmanche o sorriso no rosto. O sufoco é recompensado pelos elogios constantes dos clientes que se encantam com os 15 tipos de espetinhos que ele prepara. Carne, frango, porco, pão de alho, queijo coalho. O cardápio é variado. ebcebc

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Antônio Jorge Pereira, dono do Churrasquinho do Jorge, pretende abrir franquia do negócio- Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Estou há 18 anos aqui nesse mesmo ponto. Sem parar. E nunca esperei chegar no lugar que eu estou hoje. Eu não tinha nem um banquinho para sentar. E agora pretendo abrir uma outra franquia o mais rápido possível. Esse é um caminho bom para a gente crescer. Se você chegar aqui e perguntar sobre o churrasco do Jorge, todo mundo vai saber onde fica”, garante.

Essa alegria tem um ingrediente extra. É que ele está concorrendo na categoria “Melhor comida de rua” do Comida de Favela, um festival gastronômico organizado pela ONG Redes da Maré nas 16 favelas que compõem o bairro na Zona Norte do Rio de Janeiro. A outra categoria é a de “Melhor comida de bar, restaurante ou pensão”. Entre maio e junho desse ano, foram 110 estabelecimentos inscritos. Um comitê curador escolheu 17 deles para participar oficialmente do evento. 

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Churrasquinho do Jorge  concorre na categoria Comida de Rua do festival Comida de Favela – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Até o dia 2 de dezembro, o público pode conhecer os participantes, provar o prato principal de cada um deles e indicar o preferido. Os votos vão ser somados aos de jurados especializados. Os três primeiros de cada categoria vão receber prêmios em dinheiro entre R$ 3 mil e R$ 10 mil. Mas todos ganham de alguma forma: eles recebem consultoria profissional para aperfeiçoar o empreendimento, orientações sobre normas de conservação dos alimentos e atendimento ao público.

A primeira edição da feira foi em 2015. A segunda está ocorrendo só agora por falta de parcerias privadas e de apoio do poder público. A coordenadora do festival, Mariana Aleixo, diz esperar que o potencial econômico e social da Maré tenha maior reconhecimento.

“Somos negligenciados. Se pensarmos que a Maré tem 140 mil habitantes e 3.182 empreendimentos comerciais, a gente tem um poder econômico dentro desse território que existe a partir dos moradores. É uma economia local que precisa ser valorizada, não apenas no sentido de observar que ela existe, mas de receber políticas públicas, recursos e financiamentos. Porque isso gera economia para toda a cidade”.

Para conseguir o prêmio, os espetinhos do Jorge vão ter que superar concorrentes fortes como as empadas feitas por Filipe e Vera Lúcia. O casal começou o negócio há quase 3 anos vendendo salgados na porta de casa e nas ruas da favela Nova Holanda. As vendas cresceram, eles compraram uma carrocinha e hoje têm uma loja fixa, a Ki Empada Boa. O sabor de frango com cream cheese foi o escolhido para participar da competição. 

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Felipe Mariano Santos diz que o festival é uma oportunidade até para os estabelecimentos que não puderam participar – Tânia Rêgo/Agência Brasil

“O festival acaba sendo uma ótima oportunidade para a gente e até para os outros estabelecimentos que não puderam participar. Mais pessoas ficam interessadas e passam a frequentar a Maré. E ajuda a mudar aquele olhar de preconceito sobre a favela. A gente tem muito a oferecer e esse evento nos permite mostrar isso”, diz Filipe Mariano.

Se existe um lado competitivo do festival, também não falta uma rede de apoio. Dos organizadores, Felipe e Vera Lúcia receberam uma ajuda providencial para administrar as redes sociais e o marketing do negócio. E da comunidade, vem novas ideias que animam a pensar em passos maiores no futuro.

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Empada do Ki Empada Boa também concorre no festival- Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Já teve recheio aqui que a gente colocou porque as pessoas sugeriram e deram dicas. A gente acredita que possa expandir o negócio até para fora mais para a frente. É a nossa meta, mas tudo aos poucos. Antes, vamos incrementando os sabores. Tem um bacalhau que estou planejando há uns meses”, projeta Filipe.

Gigante do Parque União

O Comida de Favela abrange negócios menores como os vistos acima, mas também tem entre os participantes aqueles que viram as vendas multiplicarem e se tornaram grandes empreendimentos. Logo na entrada da favela Parque União, um prédio verde se destaca pelo tamanho das demais casas. O Bar e Choperia Esperança tem quase 150 funcionários. Mais de 90% deles mora na Maré. E recebe, em média, 1,2 mil clientes por dia.

Para escolher o prato que representaria o estabelecimento no festival, eles fizeram um concurso interno com funcionários. E a vencedora foi a Coxinha Arretada. O salgado e os ingredientes não foram escolhidos à toa. Além do sabor, pesou o quanto o salgado seria representativo do encontro de culturas e tradições brasileiras.

“O nosso restaurante é nordestino. Carne seca e o nosso jerimum, ou abóbora, são bem característicos do Nordeste. E a coxinha é um salgado que você encontra em todas as comunidades. Então, a gente fez essa junção e ficou bem bacana. O retorno tem sido muito positivo”, diz Marcos Salles, gerente geral do Bar Esperança.

A presença nordestina no Comida de Favela é algo a ser destacado e reforça a herança trazida por migrantes que ajudaram a construir não só a Maré, mas a cidade do Rio de Janeiro. Alguns números do festival ajudam a dar essa dimensão: dos inscritos, 46,4% tinham donos de origem do Rio de Janeiro e 30,9% do Ceará.

O atual proprietário do Bar e Choperia Esperança, Rondinele, é um desses exemplo. Ele veio de Hidrolândia, no Ceará, e trabalhou durante 13 anos no barzinho do sogro. Em 2006, herdou o negócio e conseguiu transformar no que é hoje. O que era um negócio pequeno virou um exemplo para os outros estabelecimentos que sonham em crescer, atrair mais clientes e expandir os rendimentos.

Boteco LGBTI+

A carioca Edissandra Oliveira e a paraibana Edinalva Montenegro decidiram abrir um bar há 3 anos na favela Conjunto Pinheiro. Era para ser um empreendimento como qualquer outro do tipo, mas o acolhimento e incentivo da população LGBTI+ transformaram o local em um ponto de encontro para além das comidas e bebidas. As bandeiras arco-íris distribuídas pelas paredes deixam claro que ali é um espaço de festa, diversidade e afeto.

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Edissandra Batista de Oliveira ressalta que o Boteco Tô Chegando é local de diversidade e de afeto  – Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Aqui virou uma referência da comunidade. Até pensei que outras pessoas iriam implicar, mas todo mundo respeitou. Os clientes falam que em outros estabelecimentos não podem ficar à vontade, conversar em paz e trocar um carinho, porque todo mundo fica olhando feio. Aqui, podem ser eles mesmos. Se tiver que namorar, se beijar, estão tranquilos”, conta Edissandra.

O Boteco Tô Chegando concorre no festival com o Gurjão de Frango. Mesmo que não ganhe o prêmio, os resultados já estão aparecendo. Clientes de diferentes bairros do Rio têm ido conhecer o espaço e têm se surpreendido com o que veem.

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Detalhe do Boteco Tô Chegando – Tânia Rêgo/Agência Brasil

“É bom que as pessoas percebem que a favela não é só violência. Ela tem muita coisa boa. Tem gente que vem com família, se surpreende e fica muito feliz. Porque também tem essa imagem de que por receber a população LGBT, é bagunça. E não. Aqui tem muito respeito por todos”, defende Edissandra.

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Detalhe do Boteco Tô Chegando – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Serviço

Festival Comida de Favela

Data: 03/11 a 02/12 na Maré

Preços dos pratos variam de R$ 2,50 a R$ 30,00

Roteiros guiados com monitores-moradores da Maré aos sábados e domingos, às 12h. Saídas de dois pontos: Praça do Parque União e ponto de ônibus da Vila do João.

Informações: (21) 99723-5681 ou no site.