Estado contabiliza ao menos 39 mortes e monitora barragens; aeroporto Salgado Filho suspende voos
Com o alerta da cheia histórica do Guaíba, frequentadores e trabalhadores do centro de Porto Alegre viveram um dia de caos, medo e muita preocupação com mercadorias nesta sexta-feira (3).
O lago ultrapassou a marca de 4,5 metros no Cais Mauá pela manhã. É nível mais alto desde 1941, a maior enchente da história da cidade, quando o Guaíba atingiu 4,76 metros. O nível de alerta para a região do centro histórico é de 2,5 metros, sendo 3 metros para inundação.
O Estado totaliza 39 mortes em decorrência às fortes chuvas, segundo o balanço mais recente da Defesa Civil. Outras 68 pessoas desaparecidas e 74 estão feridas. Segundo o governo, 265 municípios e 351.639 moradores foram afetados.
Na capital, o vazamento de água por bueiros e bocas de lobo interditou as principais vias de acesso à região e várias ruas ao longo da orla da cidade. A avenida Mauá ficou quase inteiramente debaixo d’água. A correnteza sobre o asfalto era tamanha que um contêiner de lixo boiava, arrastado rapidamente pela chuva.
Na avenida Júlio de Castilhos, via de saída, a situação é semelhante. Todos os pontos de ônibus do local ficaram alagados ou inacessíveis, e trabalhadores que foram dispensados ao meio-dia não sabiam como voltar para casa.
À noite, a situação ficou pior. Moradores que ainda não haviam deixado o bairro ficaram às escuras, após a interrupção do fornecimento de energia elétrica.
Cerca de 4.000 unidades estão sem luz dentro do polígono que inclui trechos das avenidas Mauá, Borges de Medeiros e Independência, a rua Riachuelo e a Estação Rodoviária, informa a distribuidora CEEE Equatorial. Segundo a companhia, o desligamento aconteceu após solicitações da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, do Corpo de Bombeiros e das prefeituras municipais.
A região também está sem água, após o Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos) interromper nesta sexta a operação do SAA (Sistema de Abastecimento de Água) Moinhos de Vento. Outros 20 bairros foram afetados pela parada dos serviços.
A falta de luz e água traz mais um motivo para que os moradores deixem suas casas temporariamente. O governador Eduardo Leite (PSDB) alertou na quinta-feira (2) à noite, antes de a água tomar conta do centro, que o nível do Guaíba poderia atingir 5 metros neste sábado (4).
A Defesa Civil emitiu à tarde um alerta de evacuação para moradores e trabalhadores do centro histórico que estejam próximos às ruas Siqueira Campos, Sete de Setembro, Andradas e a avenida Júlio de Castilhos.
As ruas são um polo comercial de Porto Alegre, com muitas lojas populares, bares e restaurantes, além de concentrar a maior parte das saídas de ônibus da cidade rumo à zona norte e aos arredores da PUCRS, no bairro Partenon. Há ainda muitos prédios residenciais na região, especialmente na Andradas, cujos moradores correm o risco de ficarem ilhados e sem serviços básicos. Como o acesso a trechos do bairro está bloqueado por agentes de segurança, a circulação é limitada.
Na tarde desta sexta, a inundação subiu o nível do asfalto e começou a invadir o térreo de prédios nos arredores da avenida Mauá. A água já inundou partes do Mercado Público de Porto Alegre, do Museu de Artes do Rio Grande do Sul e do Farol Santander, além de comércios ao longo da avenida Voluntários da Pátria e ruas adjacentes.
Os pontos de ônibus do largo Parobé e do Pop Center, que ligam o centro ao norte da capital, estão desativadas. Sem acesso de veículos ao largo, não havia como remover as frutas e legumes. O plano era fazer como os primeiros fruteiros a deixar o local, e guardar tudo no lugar mais alto possível das bancas.
“A gente já comprou umas lonas, vamos enlonar tudo, porque o pessoal que cuida à noite não vai poder vir.”
O trecho final da rua Voluntários da Pátria, centro comercial popular ficou intransitável. Muitos vendedores terminavam de levantar produtos e trancavam seus estabelecimentos faltando centímetros para a água entrar.
Na rua dos Andradas, duas quadras acima da Mauá, a lojista Vitória Collar saiu de manhã cedo da sede administrativa para ajudar na arrumação preventiva da filial de uma rede de produtos de cama, mesa e banho.
“A sensação é de incredulidade”, diz. “Eu tenho medo, porque a gente não sabe até onde vai a água, se vai vir um metro, dois metros, as informações estão desencontradas.”
Moradora de Quaraí, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, a dona de casa Samara Aguilera viajou a Porto Alegre para fazer exames médicos na semana passada. Ela pretendia retornar nesta semana para casa, mas as chuvas a deixaram presa.
“Não tem como voltar, as estradas estão todas bloqueadas”, conta Samara. Além disso, a rodoviária de Porto Alegre está alagada.
“Eu já morei em Porto Alegre por 30 anos, e nunca vi isso. Via alagamentos na avenida Beira-Rio [via próxima ao Guaíba e fora do sistema de contenção], mas isso aqui, nesse estado assim, nunca. É assustador.”
A Prefeitura de Porto Alegre decretou estado de calamidade pública. A Defesa Civil indica possibilidade de continuidade das chuvas extremas até o meio-dia de segunda-feira (6).
“Teremos a elevação do Guaíba num patamar que nunca vimos e vamos precisar que as pessoas se coloquem em situação de segurança”, alertou o governador na quinta.
Entre a tarde de quinta-feira e a madrugada desta sexta-feira, os Centros de Treinamento do Grêmio e Internacional foram inundados. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) já havia adiado todas as partidas envolvendo equipes gaúchas até segunda.
A gestão do Aeroporto Salgado Filho suspendeu por tempo indeterminado os pousos e decolagens no local.
Segundo a Fraport Brasil, concessionária que administra o aeroporto, a decisão foi tomada para garantir a segurança de funcionários e passageiros
“Aos passageiros, pedimos que entrem em contato com a sua companhia aérea para mais informações sobre os seus voos”, disse a empresa.
Durante o dia, o aeroporto funcionou de forma contingencial. De acordo com a empresa, 15 voos, entre chegadas e partidas, haviam sido cancelados pelas empresas aéreas até às 18h30 desta sexta-feira.
Segundo o site Aeroin, pilotos relataram que uma parte da pista de táxi foi fechada por alagamento. Questionada, a concessionária não confirmou a informação.
O governo gaúcho monitora quatro barragens que estão em situação de emergência e correm o risco de se romper por causa das fortes chuvas. Uma das represas em situação de emergência é a 14 de Julho, entre os municípios de Cotiporã e Bento Gonçalves, que já teve rompimento parcial nesta quinta (2).
As outras três barragens em situação mais crítica são: usina hidrelétrica de Bugres, no município de Canela; barragem do Arroio Barracão, em Bento Gonçalves; e barragem Saturnino de Brito, em São Martinho da Serra.
A situação de emergência significa “risco de ruptura iminente, exigindo providências para preservar vidas”, segundo nota do governo. Em Bento Gonçalves houve erosão da margem direita da barragem do Arroio Barracão, e 50 famílias eram retiradas dos arredores no início da tarde desta sexta, de acordo com o governo do estado.
As chuvas provocaram danos e alterações no tráfego nas rodovias estaduais gaúchas. Às 18h desta sexta-feira eram 136 trechos em 68 delas, com bloqueios totais e parciais, entre estradas e pontes.
Em live no fim da tarde, Eduardo Leite afirma que ainda há muita dificuldade de resgatar pessoas isoladas pela chuva. “É uma aflição enorme porque o tempo não tem dado trégua”, afirmou o governador em live no fim da tarde. Ele alertou para o fato de solos continuarem encharcados e há muito risco geológico de deslizamentos.
De acordo com o governador, algumas localidades podem chegar a acumular mil milímetros de chuva no estado.
Na entrevista, o tucano lembrou que o Rio Grande do Sul ainda está no meio da emergência. “Temos os eventos críticos na região central do estado, dos Vales, na Serra Gaúcha, onde há muitos estragos, para acessar e resgatar pessoas”, disse.
Leite relatou dificuldades de resgate, como na região onde houve o rompimento da barragem 14 de Julho, no rio Taquari.
Disse que o socorro de pessoas que estavam há cerca de 48 horas, inclusive com fratura exposta, em Veranópolis foi possível com a ajuda de um helicóptero com uma equipe de resgate do Rio de Janeiro.
Conforme o Leite, o governo passou também a observar a bacia do rio Uruguai. “A chuva se concentra no noroeste do estado e nessa faixa há muita contribuição do Uruguai que leva para outras bacias, inclusive a fronteira oeste”, afirmou.