Acompanhados por auditores da Receita Federal, repórteres do JN refizeram o caminho da comitiva até o momento da apreensão.
O Jornal Nacional teve acesso, com exclusividade, ao depósito do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, onde estão as joias apreendidas pela Receita desde 2021. A reportagem é de Bruno Tavares, Patrícia Marques e Jorge dos Santos.
O avião comercial vindo de Doha, no Catar, pousou no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, por volta das 15h do dia 26 outubro de 2021.
O voo trazia a comitiva do governo brasileiro que viajou para Riad, na Arábia Saudita, para participar oficialmente de uma cúpula climática. Assim que desembarcaram, os integrantes da comitiva seguiram pelos corredores que levam até a Alfândega do aeroporto. No local, qualquer passageiro, mesmo autoridade de Estado, têm que fazer uma opção: bens a declarar ou nada a declarar. Os integrantes da comitiva brasileira seguiram pelo caminho nada a declarar. Só que, um pouco mais adiante, foram parados pela fiscalização da Receita Federal.
O auditor Mario de Marco, que hoje comanda a Alfândega do aeroporto, era o chefe da Divisão de Conferência de Bagagem naquela época. Ele fazia parte da equipe de auditores fiscais que impediu a entrada das joias que estavam com o militar Marcos André dos Santos Soeiro, então assessor do ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque.
De Marco explica que fiscalizações como essa são rotina em aeroportos do mundo todo. O Brasil é um dos poucos países que fiscalizam todos os passageiros por meio de um sofisticado sistema eletrônico.
“A fiscalização da Receita Federal é feita por critérios impessoais e análise técnica. Existe um sistema desenvolvido pela Receita Federal que faz o cruzamento de dezenas de dados de todos os voos que desembarcam no aeroporto de Guarulhos. Esse cruzamento, aliado à uma equipe de inteligência, indica os passageiros com um possível risco aduaneiro, que devem ser vistoriados. Eu acho que é importante frisar que a Receita Federal trabalha com critérios técnicos e impessoais. Não existe um servidor que faça todo o serviço. Cada um faz a sua etapa do serviço de forma correta e é assim que a gente segue, para que as coisas sejam aplicadas, que a legislação seja aplicada de forma correta, sem nenhum erro, desvio ou equívoco”, ressalta.
Apesar das pressões do governo Bolsonaro para tentar liberar as joias, elas seguem retidas no depósito da Receita Federal, a que tivemos acesso com exclusividade. O depósito fica em uma área de segurança do aeroporto, fortemente vigiada 24h por dia e com acesso restrito.
As joias estão guardadas dentro de uma caixa de couro, revestida de veludo, mantida no cofre da Receita Federal. A caixa não é muito grande. O nome de uma joalheria suíça, uma das mais luxuosas do mundo, aparece na parte de dentro.
O colar é feito em ouro branco e tem dezenas de pingentes, todos cravejados em diamantes. Um par de brincos, um anel e um relógio de pulso, também feitos em ouro e pedras preciosas, compõem o conjunto, avaliado em 3 milhões de euros, equivalentes a R$ 16,5 milhões.
Dentro de um pequeno envelope fica a chave que abre e fecha a caixa.
O prazo para a regularização das joias terminou no ano passado, 90 dias depois de serem retidas pela fiscalização da Receita Federal. Se as joias tivessem sido apresentadas aos auditores como um presente para o Estado brasileiro, logo na entrada no país, elas estariam livres de pagamento de tributo e seriam incorporadas ao patrimônio da União.
“Um bem, por exemplo, que vai ser… Um bem público que vai ser incorporado pelo poder público, ele não é um conceito de bagagem. Portanto, ele não pode ser desembaraçado, não pode ser liberado na bagagem. Ele tem que ser retido para se submeter ao regime de importação comum, com uma declaração de importação. O poder público tem imunidade em tributos, então é uma declaração muito simples, uma declaração de importação feita pelo próprio poder público e, imediatamente, é feito o desembaraço da mercadoria”, explica André Martins, adelegado-adjunto da Alfândega da Receita no aeroporto de Guarulhos.
A apreensão das joias revelou um lado menos conhecido da Receita Federal. O órgão, tão lembrado na hora da declaração do imposto de renda, é o mesmo que tem a missão de controlar e proteger as nossas fronteiras.
“A intenção da Receita e de qualquer órgão público é defender a sociedade que atua de forma correta e enquadrar os que não estão atuando de forma correta, para que sigam de forma correta. Quem ganha com isso é a sociedade”, afirma Mario de Marco.
Fonte: G1