Família diz que Prevent deu cuidado paliativo a paciente não terminal

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Familiares de um paciente da Prevent Senior que teve Covid-19 reuniram documentos que indicam que operadora queria adotar o tratamento sem a autorização da família. Senador Otto Alencar afirma que CPI tem provas de que operadora realizava ‘eutanásia disfarçada’. Em nota, Prevent Senior disse que não toma decisões com base em custos.

Familiares do advogado Tadeu Frederico Andrade, de 65 anos, que teve Covid-19 acusam a operadora Prevent Senior de recomendar a adoção de tratamento paliativo, que é oferecido, dentre outras situações, para pacientes incuráveis, para economizar em outros procedimentos. Segundo a família, o cuidado paliativo seria adotado em detrimento de outros tratamentos.

Recuperado, Tadeu encaminhou na última sexta-feira (24) uma denúncia ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Entre os documentos enviados está um prontuário médico no qual uma médica da operadora orienta a suspensão de uma série de procedimentos médicos, como medicação intravenosa e hemodiálise, e também pede que o paciente não seja submetido a manobra para reanimação cardiorrespiratória. Nesse caso, segundo a família, a suspensão dos procedimentos ocorreu porque para a Prevent era mais vantajoso financeiramente.

Os familiares afirmam que a suspensão de cuidados por pouco não foi adotada sem sua concordância.

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Em nota, a Prevent Senior disse que a operadora não toma decisões com base em custos e que, no caso em questão, a empresa deu todo o suporte ao paciente, acatando a vontade dos familiares.

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Trecho do prontuário que suspende os medicamentos e tratamentos do paciente — Foto: Reprodução

Em entrevista à GloboNews, o paciente declarou que está totalmente recuperado, trabalhando e até dirigindo, “graças a Deus e graças à minha família que lutou por mim.”

“Mas me entristece muito saber que muitas vidas se foram por um cálculo meramente financeiro da Prevent Senior”, afirmou Tadeu Frederico de Andrade.

“Muitas famílias perderam seus entes queridos por desconhecerem o que é o tratamento paliativo [da Prevent Senior], e as famílias infelizmente não lutaram ou não puderam lutar por desconhecimento. Essas famílias foram enganadas”, completou.

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Prédio da Prevent Senior na região do Ibirapuera, Zona Sul de SP — Foto: Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo

O advogado ficou 120 dias internado em um hospital da rede em São Paulo após ser diagnosticado com coronavírus e receber da operadora o chamado kit Covid, um conjunto de remédios que inclui medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19.

Em meio à CPI da Covid-19 no Senado, o senador Otto Alencar declarou nesta segunda (27) que a comissão tem provas de que a operadora realizava “eutanásia disfarçada” em casos como os do paciente Tadeu de Andrade. A denúncia do paciente também foi encaminhada à CPI.

Denúncias

No começo do ano, médicos denunciaram à GloboNews que a diretoria do plano de saúde Prevent Senior os obrigou a trabalhar infectados com Covid-19 e a receitar medicamentos sem eficácia para pacientes.

Depois disso, um dos médicos inclusive registrou um boletim de ocorrência em que relata ter sofrido ameaças do diretor-executivo da operadora de saúde, Pedro Benedito Batista Júnior.

Agora, a CPI da Covid-19 investiga um dossiê que aponta que a Prevent ocultou mortes em um estudo com hidroxicloroquina, remédio que não funciona contra Covid.

Os indícios da fraude aparecem em documentos e áudios e, segundo os documentos, houve pelo menos o dobro de mortes entre os pacientes tratados com cloroquina analisados pelo estudo.

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Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, durante depoimento à CPI — Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A suposta pesquisa seria um desdobramento de um acordo da operadora de planos de saúde com o governo federal, e teria resultado na disseminação do uso da cloroquina e de outros medicamentos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) já descartou o medicamento para esse tipo de tratamento.

A Prevent repudia as denúncias e afirma que “sempre atuou dentro dos parâmetros éticos e legais”. O diretor-executivo do plano de saúde, Pedro Batista Júnior, foi ouvido na CPI na quarta-feira (22) e afirmou que foram os pacientes que passaram a exigir a prescrição da cloroquina, mas confirmou que a operadora orientou médicos a modificarem, após algumas semanas de internação, o código de diagnóstico (CID) dos pacientes que deram entrada com Covid-19.

Além da CPI da Covid-19, no Congresso Nacional, a operadora é investigada pelo Ministério Público Federal, pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo e pela agência reguladora dos planos de saúde, a ANS.

Em São Paulo, o Ministério Público iniciou uma investigação ainda em março sobre a distribuição do “kit Covid” pela Prevent Senior. Neste mês, após novas denúncias, o MP criou uma força-tarefa, com quatro promotores: Everton Zanella, Fernando Pereira, Nelson dos Santos Pereira Júnior e Neudival Mascarenhas Filho.

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, disse nesta sexta-feira que os profissionais médicos e diretores da Prevent Senior poderão responder por crime contra a vida, caso fique comprovado o uso de tratamentos ineficazes contra a Covid-19 em pacientes da operadora.

O governador João Doria (PSDB) disse nesta sexta-feira (24) que pediu à Secretaria da Saúde uma investigação sobre a atuação da Prevent Senior durante a pandemia do coronavírus no estado de São Paulo.

“Já determinamos à Secretaria da Saúde que avance com uma fiscalização rigorosa em todos os procedimentos da Prevent Senior”, disse o governador em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.

Meses atrás, a Secretaria Estadual da Saúde chegou a apurar os procedimentos de informação da causa da morte dos pacientes internados nos hospitais da Prevent Senior.

Doria foi questionado sobre o convite feito ao secretário Jean Gorinchteyn para depor na CPI da Covid-19, e disse que acha “até bom porque ele vai ajudar a esclarecer pontos importantes que têm sido debatidos e questionados”.

Cronologia do caso

O paciente que denunciou o tratamento paliativo ao MP-SP, Tadeu Frederico de Andrade, teve os primeiros sintomas da Covid-19 em 24 de dezembro de 2020. No dia 25, ele procurou a Prevent Senior e fez uma teleconsulta, na qual foi orientado a tomar os medicamentos do kit Covid.

Os remédios chegaram em sua casa em 26 de dezembro, um dia antes do resultado positivo do exame RT-PCR que confirmou a suspeita de coronavírus.

Em 30 de dezembro, o paciente teve uma piora dos sintomas e procurou um pronto-socorro da Prevent Senior, onde foi diagnosticado também com pneumonia bacteriana. No dia 31, ele foi intubado e transferido para a UTI.

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Movimentação em Hospital da Prevent Senior, na zona sul de São Paulo, nesta quinta feira (16). — Foto: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Após um mês de internação, em 30 de janeiro de 2021, a família de Tadeu Frederico de Andrade foi procurada por uma médica da operadora. Por telefone, a médica disse que iria iniciar os “cuidados paliativos” para proporcionar mais “conforto e dignidade” ao paciente, e declarou ainda que “o óbito aconteceria em alguns dias”.

A filha do paciente disse à médica que não concordava com o diagnóstico nem com a adoção do tratamento paliativo. Apesar disso, as orientações de suspensão de medicações e de cuidados paliativos foram inseridas no prontuário de Tadeu na tarde do mesmo dia 30 de janeiro.

No final da tarde do dia 30, em reunião presencial com médicos da operadora, a filha do paciente e outros familiares disseram que procurariam a imprensa e também ações judiciais para impedir a adoção dos cuidados paliativos. Após o encontro, os médicos recuaram e suspenderam a adoção do tratamento para doentes terminais.

Os familiares procuraram ainda um médico particular, de outro hospital, para supervisionar os procedimentos da Prevent Senior. Segundo a família, este profissional disse não haver qualquer qualquer motivo médico que justificasse o “tratamento paliativo”.

Por telefone, outro médico da Prevent Senior admitiu a familiares do paciente que não havia necessidade de tratamento paliativo no caso de Tadeu Frederico de Andrade. A ligação foi gravada pela família.

Em 30 de abril, após 120 dias de internação, Tadeu recebeu alta e foi para casa, onde continuou o tratamento com fisioterapia e curativos diários, custeados pela operadora. O tratamento domiciliar foi finalizado em 30 de julho.

Ao longo de todo o período do tratamento, mais de 1.300 exames e procedimentos foram realizados no paciente. Segundo ele, esta grande quantidade de gastos pode ter ocasionado prejuízo à operadora e motivado a orientação de tratamento paliativo para redução de custos.

“Calculo que meu custo financeiro para o plano de saúde passou da casa de centenas de milhares de reais. Eu era um paciente que valia mais morto do que vivo. O cálculo é simples e apenas financeiro, e nada tem a ver com saúde ou salvar vidas”, disse Tadeu Frederico de Andrade em denúncia encaminhada ao MP-SP.

Fonte: G1