Madrasta de estudante indiciado por abusar de irmãs de 3 e 9 anos lembra de suspeita: ‘Meu Deus, será que esse menino é pedófilo?’

49 / 100

P.L. conta como era o convívio da família e como foi descobrindo aspectos da personalidade do enteado indiciado no estupro de vulneráveis

RIO – “Uma vez um Instagram de medicina postou uma foto de um bebê com um tumor na região sacral. Aí, ele veio me perguntar se eu tinha a foto original porque naquela estava a parte dos genitais. Ele queria ver as partes das crianças. Eu não tinha prestado atenção de jeito nenhum porque era um tumor tão grande que você nem reparava no resto. Eu pensei: meu Deus, será que esse menino é pedófilo? Eu não sabia de nada, mas aquilo ficou na minha cabeça”.

São momentos como esse que P.L., madrasta de Marcos Vitor Dantas Aguiar Pereira, de 22 anos, passa e repassa na memória para tentar entender os últimos acontecimentos de sua vida ao lado do enteado. Ela o conheceu ainda com 8 anos e passou a conviver na mesma casa com o garoto quando ele tinha 11 e se casou com o pai dele. No fim do mês passado, depois de mais de uma década de convívio, a família descobriu que Marcos Vitor, uma criança tímida e um adolescente pacato, abusou de quarto crianças, duas delas suas irmãs de 3 e 9 anos.

Indiciado por estupro de vulnerável, o estudante de medicina está em local desconhecido e, segundo o advogado Eduardo Faustino Lima Sá que o representa, o cliente não está foragido e apenas abriu mão do “direito ao interrogatório”.

Continua após a publicidade..

Cada lembrança vai ajudando a construir, para P.L., o que pode ser o Marcos Vitor real. Não o jovem educado e inteligente, que pouco saía ou se envolvia em confusões adolescentes, mas uma mente criminosa que se escondia sob uma versão socialmente aceitável. Entre outras coisas, P.K., que também estuda medicina, lembra que ele passava horas fechado dentro do quarto e que, há pouco tempo, levou uma cobra para dentro de casa, que costumava exibir pendurada no pescoço. Ela estranhou, mas permitiu desde que o animal não ficasse solto pela casa.

— Eu tenho pavor de cobra — lembra, contando que ele deu o animal quando foi estudar medicina numa universidade em Manaus, há cerca de dois anos.

Marcos Vitor, mais recluso, costumava chamar as irmãs para jogar video-game com ele. P.K. acredita que esse não era o único momento que ele usava para perpetrar abusos e tocar nas crianças. Não só nas irmãs, mas também em uma prima, filha de uma irmã da madrasta, que é médica. Além dela, uma quarta criança da família também teria sido abusada. A primeira a denunciar foi a sobrinha de P.L., hoje com 13 anos, que se recorda que a primeira vez foi durante uma viagem de toda a família para o Uruguai, há mais de dez anos. A adolescente, que sofre de depressão e usa fluxetina desde os 6 anos, acredita que tenha sido molestada dos 5 aos 10 anos. Como as outras, não entendia o que estava acontecendo e tinha medo de falar. Marcos Vitor pedia para as crianças, inclusive para as irmãs, que não contassem nada a ninguém.

— Acredito que ele aproveitava qualquer situação. Onde nos reuníamos, na casa dos avós paternos, na casa de praia da minha mãe, em qualquer lugar que ficasse a sós com uma criança — supõe.

Ainda nesta semana, um episódio contado por uma prima foi entendido sob outro prisma, agora que as denúncias vieram à tona e que as crianças relataram as atrocidades sofridas à Justiça. Uma equipe de psicólogos acompanhou os depoimentos e a quase bebê de 3 anos mal sabia pronunciar as partes do corpo que teve tocadas pelo estudante de medicina. A prima recordou que, num fim de semana na casa de praia dos pais de P.L., flagrou ele com uma das crianças num quarto fechado. Disse que estranhou e, ao abrir a porta, viu que Marcos Vitor estava com o zíper aberto. “Ela brigou com a minha sobrinha, disse: “sai daí, quero ninguém em quarto trancado aqui não”, conta P.K. Ele respondeu para a prima que não dava para ver nada porque deixava o lençol por cima. Ela própria foi conferir e viu que ele  já estava sozinho com o zíper da calça fechado.

— Nessa época, se a gente tivesse investigado direito, teria descoberto — acredita. — Só que a gente nem se ligou, mandou a menina sair, ele se vestiu e a gente nem se ligou.

A capa de bom moço, na opinião da madrasta, foi uma estratégia importante para não ser descoberto e ficar impune por tanto tempo, assim como a pouca idade das vítimas escolhidas por ele.

— Nenhuma das crianças entendia, a de 13 (sobrinha) foi desde os cinco. Elas cresceram com ele fazendo isso. Elas não sabiam de nada, porque ninguém vai abordar sobre sexo com uma criança de 3, 4, 5 anos. Elas não sabiam que aquilo era errado — diz. — Ele pintava que era um bom filho, que não gostava de noitada, não gostava de beber, justamente para não levantar suspeitas. Quem conhecia nunca ia pensar uma coisa dessas dele, eu jamais ia imaginar.

Hoje ela entende alguns comportamentos da filha mais velha, de 9 anos, foi, ao longo do tempo, “involuindo”:

— Ela passou a sofrer de ansiedade e passou a ter muita vergonha em se trocar (tirar a roupa). Só queria dormir conosco na cama. Não dormia só no quarto dela, graças a Deus, nem no colchão no nosso quarto queria mais dormir sozinha. Era sempre comigo ou o pai.

P.L. separou-se do marido que, de acordo com ela, suporta tudo “à base de remédios”. De uma família de médicos ou de estudantes de medicina — ela e outras duas irmãs ainda estudam — , acredita possa ter influenciado Marcos Vitor na escolha da carreira. Mas ela não acha foi a única motivação para o jovem, que já tinha cursado cinco períodos de direto e costumava publicar defesas intransigentes de penas mais duras para estupradores.

— Ele sempre gostou de tudo que é bom, sabe? Também pelo dinheiro que ele via que o pessoal ganhava bem e tal. Acho que queria dinheiro e continuar fazendo o mal.

Procurado, o advogado de Marcos Vitor informou que ele não se pronunciaria pelo fato de o processo correr em sigilo de Justiça e envolver menores. O estudante não foi declarado oficialmente foragido, mas a polícia ainda não conseguiu notificá-lo.

Enquanto isso, P.L. tenha reunir o máximo de elementos que a ajude entender e a Justiça formar convicção sobre os atos do rapaz. Mensagens que a madrasta trocou com ele, em que o estudante teria confessado e atribuído seu comportamento a um “lado obscuro” dele, já estão em poder dos investigadores. Assim como inúmeros posts do rapaz, como um de 2016 que parece uma autodescricão: “Todos têm duas face, às vezes até três. Quanto mais perto você olhar, menos vai ver”, seguido de naipes de um jogo de cartas de baralho.

Fonte: O Globo