Além de mentir sobre sua formação, ele ainda fez uma lista de vítimas se passando por pastor evangélico, missionário na África, coach cristão e namorado, com mais de uma companheira ao mesmo tempo.
Por Poliana Casemiro, g1 Vale do Paraíba e Região
Gerson Lavísio, falso médico detido depois determinar a amputação da perna de uma vítima de acidente na via Dutra, era um falsário. Além de mentir sobre sua formação, ele ainda fez uma lista de vítimas se passando por pastor evangélico, missionário na África, coach cristão e namorado, com mais de uma companheira ao mesmo tempo. Ele usava as redes sociais para convencer algumas das vítimas, ostentando uma vida que não tinha.
A investigação do Fantástico apontou que o homem é de Cambará, no Paraná, tem 32 anos e exerce a função como falso médico há pelo menos quatro meses, quando começou a apresentar um diploma falso de medicina pela Unicid, que negou que ele tenha feito qualquer curso na instituição. Com ele, atendeu em três lugares diferentes. Os prontuários que ele fazia seguiam com erros de português e com medicações iguais para pacientes com queixas diferentes.
Em um dos hospitais, ele receitou o mesmo antibiótico para três pacientes com queixa de dores de coluna e cabeça. O prontuário ainda trazia como orientação a medicação na enfermagem a escrita “tose adulta”, para sinalizar a dose adulta do medicamento (veja a imagem abaixo).
Durante o atendimento à CCR, os colegas disseram que ele mais de uma vez errou em procedimentos básicos. Em um deles, atendeu uma queda de bicicleta em que o paciente reclamava de dor nas costas.
“Ele chegou e ordenou que a gente desse 10 miligramas de Diazepam, que é calmante, e tivemos que aplicar. O resultado foi o paciente inconsciente, tendo que ser hospitalizado após o atendimento”, contou um funcionário.
Enquanto atendia, ele fazia várias fotos nas unidades hospitalares, de equipamentos médicos, com jalecos e uniformes para ostentar nas redes sociais. No Instagram, se dizia médico cirurgião e divulgava com frequência postagens sobre seus plantões.
Relacionamento
Quando a mentira de Gerson veio à tona, sua ex-namorada, Regiane Arabi foi surpreendida. Enquanto namoravam, o que sabia sobre ele é que era médico e que passavam fins de semana fora em plantões.
Durante o namoro, ele contava sobre sua história de vida simples e de tempos em tempos pedia ajuda financeira. Inclusive para corridas por aplicativo. “Ele falava que estava precisando chamar Uber, se eu não poderia pagar e eu pagava. Paguei contas para ele..”, conta.
Após descobrir que ele era um falsário, descobriu que além dela, ele mantinha outra namorada ao mesmo tempo, para quem também dizia ser médico. Um dos boletins de ocorrência registrados contra ele na Polícia Civil era por apropriação indébita, depois de levar o computador de uma das namoradas e se recusar a devolver.
Falso pastor
Gerson também se passava por pastor. Na rede social, ostentava vídeos no púlpito de igrejas e vídeos em que entrega profecias a fieis. Em um deles, diz a um jovem que ele teria uma promessa de ser jogador de futebol. Na visão que ele diz ter ele erra a idade do adolescente e é corrigido pelos pais.
Ele se dizia fazer parte da igreja ‘Acordando as Nações’, que não existe. Em publicações, ele chegava a compartilhar cartazes de eventos em que ele estaria, mas com endereços falsos. A reportagem conversou com pessoas que conheceram o falsário. A eles, dizia que era pastor, fazia campanhas de oração e fazia mentorias como ‘coach cristão’. De um de seus discípulos ele chegou a levar R$ 400 e durante a pandemia, recebia contribuições mensais.
“Você acredita de liderança espiritual, a habilidade que ele tinha na voz e nas palavras convencia. – E você passa acreditar naquilo como uma liderança cristã mesmo, até por causa dessa fragilidade toda de pandemia”, contou o homem que não quis se identificar.
Apesar de se dizer pastor presidente de uma igreja, ele peregrinava por igrejas menores. Segundo fieis, ele se passava por missionário em Moçambique na África. Com isso, arrecadava dinheiro. Em uma de suas campanhas, chegou a arrecadar R$ 16 mil.
“Nessa primeira viagem que a gente começou a ajudar foi pouco mais de R$16 mil. Inclusive, ele ‘comprovou’, mandou lá pra gente em um grupo de WhatsApp na época. Esse valor ninguém sabe no que foi usado na verdade”, conta um seguidor que não quis se identificar.
Processos
Apesar da série de mentiras, Gerson nunca foi preso. Em seu nome, em uma consulta à Polícia Civil, constam apenas três boletins de ocorrência. Dois por exercício ilegal da profissão e um por apropriação indébita, feito pela namorada.
O primeiro boletim sobre exercício ilegal da profissão é de dezembro quando atendeu em uma unidade de saúde em Parelheiros, na capital. No local, ele atendeu 18 pacientes. O diretor clínico da unidade suspeitou dele quando leu os prontuários com erros de ortografia.
Ele foi levado à delegacia e denunciado por exercício ilegal da profissão. O crime é considerado de menor potencial ofensivo, não cabendo prisão. Por esse caso, o Ministério Público propôs um acordo a Gerson que incluía o pagamento de R$ 2 mil e um mês de serviços comunitários. A audiência para ele dizer se aceita ou não o acordo acontece no início de abril.
O segundo caso foi o boletim feito após a descoberta do falsário no atendimento na rodovia. Ele também não foi preso. Agora, ele pode responder a um processo na Justiça Federal por apresentar documentos falsos para tentar um registo com o Cremesp. O órgão fez a denúncia na última semana ao Ministério Público Federal (MPF). O órgão disse que ainda analisa o caso.
O Cremesp ainda apontou que houve imperícia por parte da Enseg, empresa terceirizada, e que o médico responsável pela empresa vai ser acionado em procedimento administrativo por infração ao código de ética médica.
O que dizem os envolvidos
A CCR Rio-SP informou que o médico foi desligado da terceirizada e que adotou junto à empresa uma apuração do corpo clínico e novos processos de checagem durante as contratações. A Enseg segue prestando serviços para a empresa.
A concessionária disse ainda que lamenta o caso, está à disposição da família da vítima e que colabora com as investigações.
A Enseg, empresa contratada pela CCR Rio-SP, informou que afastou o falso médico e está cooperando com investigações.
As prefeituras de São Paulo e de Votorantim, onde ele atendeu em hospitais públicos, dizem que Gerson trabalhou apenas um dia nas unidades, e que ele foi enviado aos plantões por empresas terceirizadas.
A Cirmed, que atua em Votorantim, diz que foi vítima de uma tentativa de fraude. E a Associação Saúde da Família (ASF), que presta serviços para a secretaria da saúde de São Paulo, não respondeu até a publicação.
A Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), de quem Gerson disse ter diploma, afirmou que não reconhece os documentos apresentados pelo falsário e que ele nunca foi aluno da instituição. Disse ainda que está adotando todas as medidas legais cabíveis.
Desde o dia 15 de março a reportagem tenta contato com Gerson Lavísio, mas ele não quis comentar e não apontou um advogado para sua defesa.
Fonte: G1