Roberto Dias teve boletos pagos após assumir gestão no Ministério da Saúde de contrato de empresa investigada na CPI da Covid

Cruzamento de datas reforça as suspeitas de irregularidades em negócios do governo ferderal com a VTC Log

Ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias depõe à CPI da Covid, no Senado Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
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BRASÍLIA — Um cruzamento de datas reforça as suspeitas de irregularidades em negócios firmados pelo governo com a empresa de logística VTC Log, investigada pela CPI da Covid. Boletos de pagamento emitidos pela agência de viagens Voetur Turismo em nome do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias começaram a ser quitados 11 dias depois de uma manobra que transferiu um contrato milionário da VTC Log para a área que ele comandava na pasta. A Voetur Turismo e a VTC Log pertencem ao mesmo grupo empresarial.

A CPI afirma ainda que os pagamentos dos boletos em nome de Dias foram feitos pela VTC Log. O depoimento ontem de Ivanildo Gonçalves da Silva, que trabalha como motoboy para a VTC Log, reforçou as suspeitas. Ele confirmou à CPI que realizou diversos saques de altas quantias a mando da empresa. O maior deles foi de aproximadamente R$ 400 mil. A comissão já havia mostrado na terça-feira que idas de Ivanildo a agências bancárias para realizar os saques coincidem com as datas de pagamentos dos boletos de Dias. Ontem, a CPI decidiu quebrar o sigilo fiscar de Ivanildo.

A transferência do contrato da VTC Log para o guarda-chuva de Dias aconteceu no dia 7 de maio. A quitação da primeira fatura em nome do ex-diretor ocorreu no dia 18 do mesmo mês. Os boletos em questão não especificam a quais serviços prestados pela Voetur eles se referem. A CPI investiga se Dias recebeu itens como passagens ou pacote de viagens para beneficiar a empresa.

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Naquele 7 de maio, Roberto Dias assinou um termo de sub-rogação do contrato que a VTC Log tem com o ministério para o transporte de insumos como remédios e vacinas no valor de R$ 573 milhões, com vigência até 2023. A sub-rogação é um instrumento que permite a migração de um contrato entre dois departamentos de um órgão público. De 2018 a maio de 2020, o contrato da VTC Log ficava sob a responsabilidade da Coordenação-Geral de Material e Patrimônio, vinculada à Secretaria Executiva da pasta.

A equipe da Polícia Federal que auxilia os trabalhos da CPI identificou nove boletos da Voetur Turismo no nome de Dias, sinalizando que ele seria o beneficiário dos serviços. Todos foram quitados entre 18 de maio e 6 de julho, mas em nenhum dos casos o pagamento saiu da conta do ex-diretor.

A CPI descobriu ainda que em pelo menos três ocasiões tais transações foram feitas em uma agência do banco Bradesco no mesmo dia em que o motoboy Ivanildo Silva esteve no local. Durante seu depoimento à comissão, ele confirmou que costumava sacar dinheiro em espécie para a VTC Log e que chegou a retirar mais de R$ 400 mil de uma só vez.

— No início, uma vez eu saquei o valor de R$ 400 e poucos mil, na boca do caixa — disse Silva, ao ser questionado sobre o maior volume que ele lembra ter sacado.

Questionado pelos parlamentares se já havia feito transações financeiras que envolvesse Roberto Dias, o motoboy disse que não se recordava.

Ainda durante o depoimento, ele contou que a funcionária Zenaide de Sá Reis, do Departamento Financeiro da VTC Log, dava cheques para ele retirar no banco. Todo o contato entre os dois, conforme o relato, era feito pessoalmente. O motoboy disse que, após sacar as quantias e fazer os pagamentos, ele devolvia o que sobrava para Zenaide.

A CPI decidiu então quebrar os sigilos telefônico, fiscal, bancário e telemático tanto de Silva quanto de Zenaide, que foi convocada a prestar depoimento.

Alguns senadores, como Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Simone Tebet (MDB-MS), apontaram a coincidência de datas entre o pagamento de boletos em nome de Roberto Dias e as idas do motoboy à agência bancária onde isso foi feito. Randolfe apresentou, inclusive, imagens de uma pessoa numa agência do Bradesco em Brasília, e Silva confirmou ser ele.

Os parlamentares solicitaram o acesso ao telefone celular do depoente. Como o motoboy se recusou a fornecer, a CPI aprovou um pedido para que a Justiça autorize a apreensão do aparelho.

Discrepância

Como diretor de logística do ministério, de acordo com sua declaração de Imposto de Renda, Roberto Dias recebia R$ 10,2 mil líquidos de salário. Ele também informou ter recebido R$ 35 mil em rendimentos não tributáveis. Ainda assim, em apenas três meses, de maio a julho, os gastos em seu nome na Voetur Turismo somam R$ 47 mil, ou seja, uma despesa mensal de R$ 15,6 mil em viagens ou serviços turísticos, maior que seu rendimento formal. O valor pode ser ainda maior porque, segundo a VTC Log, Dias ainda está em débito com a Voetur.

Procurada, a VTC Log disse não ter conhecimento sobre o departamento do ministério a qual seu contrato estava vinculado e negou que tenha feito pagamentos a Dias. Tanto o ex-diretor de logística quanto o ministério não se manifestaram até o fechamento desta edição.

Fonte: O Globo