Com aprovação da urgência, tramitação do projeto, que estabelece um marco temporal para demarcação de terras indígenas, fica mais rápida.
O Senado surpreendeu nesta quarta-feira (27) ao aprovar, por uma margem de 41 votos a 20, a urgência do projeto que estabelece um marco temporal para demarcação de terras indígenas. Essa aprovação representa um movimento audacioso por parte do Senado, indo de encontro à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que havia declarado a tese do marco temporal ilegal. Com a urgência aprovada, a tramitação do projeto agora segue em ritmo acelerado, permitindo em breve a análise do conteúdo da matéria.
O texto, que foi aprovado sem alterações na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, mantém a versão da proposta aprovada na Câmara dos Deputados em maio. Agora, a expectativa é que, se o projeto passar no Senado, ele seguirá para sanção presidencial, o que adiciona um elemento adicional de controvérsia ao debate sobre demarcação de terras indígenas.
O projeto, em sua essência, estabelece uma regra que restringe os direitos dos povos indígenas ao afirmar que eles só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam de forma “permanente” na data da promulgação da Constituição de 1988. Isso implica que, se as comunidades não conseguirem comprovar sua presença nas terras até 5 de outubro de 1988, poderão ser sujeitas a expulsão.
No entanto, essa tese do marco temporal já foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada, e a corte a rejeitou por uma maioria de nove votos a dois, considerando-a ilegal. Isso torna o movimento do Senado uma afronta à decisão do mais alto tribunal do país.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tentou minimizar a situação, afirmando que a votação do texto não representa um “enfrentamento” ao tribunal, e ele alegou que o Congresso está apenas exercendo seu papel legislativo. Segundo Pacheco, questões desse tipo devem ser tratadas pelo parlamento.
O projeto também apresenta outros pontos controversos, que incluem autorização para garimpos e plantação de transgênicos dentro de terras indígenas, flexibilização da política de não-contato de povos em isolamento voluntário, e a possibilidade de realização de empreendimentos econômicos sem que os povos afetados sejam consultados. Além disso, prevê a celebração de contratos entre indígenas e não-indígenas para exploração de atividades econômicas nos territórios tradicionais.
O relator do projeto, Marcos Rogério (PL-RO), sinalizou que o governo poderá vetar os pontos mais polêmicos, como a possibilidade de plantar transgênicos em terras indígenas. Essa questão também é alvo de intensos debates entre defensores dos direitos indígenas e setores interessados na exploração econômica dessas terras.
Um aspecto do projeto que tem gerado preocupação é a revogação da regra em caso de conflitos de posse pelas terras. Nesses casos, as comunidades indígenas poderão enfrentar dificuldades para provar na Justiça o conflito ou a expulsão, o que poderia levar à perda de suas terras ancestrais.
Outro ponto que chama atenção é a obrigação do governo indenizar a desocupação das terras e validar títulos de propriedade em terras das comunidades indígenas. Especialistas argumentam que isso permitiria a indenização de não indígenas que tenham invadido áreas de comunidades indígenas.
Dos partidos da base aliada, apenas MDB e PT se posicionaram contra a urgência da tramitação do projeto. PSD e PSB optaram por deixar a bancada livre, enquanto União e PP, que têm ministérios no governo, apoiaram a aceleração da proposta.
As organizações indígenas, por sua vez, têm manifestado forte resistência ao projeto e buscado formas de influenciar sua redação. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) encaminhou sugestões de mudanças ao texto em agosto, incluindo a separação do processo de indenização da demarcação de terras, visando evitar que aqueles que se envolveram em conflitos possessórios com indígenas sejam indenizados. Para a Apib, o projeto representa uma violação do Direito Originário dos Povos Indígenas, que é reconhecido desde o Brasil Colônia e está enraizado na história do país.
A discussão em torno do marco temporal para demarcação de terras indígenas continua a dividir o país e envolve questões legais, políticas e éticas profundas. À medida que o projeto avança no Senado, o debate certamente se intensificará, com diferentes atores lutando para influenciar o resultado final e seus impactos nas comunidades indígenas e no futuro do país.