Ação movida pela PGR aponta que diferença no tratamento contribui para a desigualdade
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, derrubar a previsão de prisão especial para pessoas com diploma de ensino superior. A decisão foi tomada na última sexta-feira (31), em julgamento virtual, e se baseia na inconstitucionalidade da diferença de tratamento entre presos. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334 foi movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que argumenta que a discriminação por nível de instrução contribui para a perpetuação da seletividade do sistema de justiça criminal.
O artigo 295, inciso VII, do Código de Processo Penal previa que diplomados por qualquer instituição de Ensino Superior do país tinham direito a prisão especial até decisão definitiva da pena. O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, apontou que a prisão especial é uma forma diferenciada de recolhimento da pessoa presa, o que vai contra a regra processual. “Apenas o fato de a cela em separado não estar superlotada já acarreta melhores condições de recolhimento aos beneficiários desse direito, quando comparadas aos espaços atribuídos à população carcerária no geral – que consiste em um problema gravíssimo em nosso país, podendo extrapolar em até quatro vezes o número de vagas disponíveis”, disse.
Além disso, Moraes afirmou que a prisão especial é uma medida discriminatória, que “fortalece desigualdades, especialmente em uma nação em que apenas 11,30% da população geral tem ensino superior completo e em que somente 5,65% dos pretos ou pardos conseguiram graduar-se em uma universidade”. A regra beneficiava pessoas que já são mais favorecidas socialmente, que tiveram o privilégio de acesso a uma universidade.
Em seu voto, o ministro Edson Fachin argumentou que “condições condignas no cumprimento da pena devem ser estendidas a todos os presos, sem distinção, os quais merecem respeito aos direitos fundamentais”. Fachin ainda ressaltou que a decisão é uma “oportunidade para a afirmação da isonomia entre as pessoas encarceradas, independentemente de terem ou não diploma universitário”.
A decisão do STF foi recebida de forma positiva por movimentos que defendem a igualdade de tratamento no sistema prisional. A ONG Conectas Direitos Humanos publicou uma nota em que afirma que a decisão é um “importante passo para o combate à seletividade do sistema de justiça criminal”. Ainda de acordo com a organização, a prisão especial “reforça a ideia de que pessoas com maior nível de escolaridade devem ser tratadas de forma distinta dos demais presos e permite que criminosos mais abastados, em geral brancos, fiquem em celas melhores e mais protegidos”.
Em contrapartida, alguns juristas apontam que a decisão pode gerar problemas na organização do sistema carcerário. O advogado criminalista Leonardo Pantaleão afirma que a medida pode sobrecarregar as cadeias e gerar um caos ainda maior no sistema prisional. Ele argumenta que a prisão especial era uma medida importante para evitar a mistura de presos comuns com aqueles que possuem um nível de instrução maior, o que poderia gerar conflitos e até mesmo colocar em risco a integridade física dessas pessoas.
Pantaleão também ressalta que a prisão especial é uma medida que existe em diversos países do mundo e que sua extinção pode gerar uma insegurança jurídica, já que muitos réus podem questionar a validade de suas prisões. Segundo o advogado, é preciso buscar alternativas para melhorar as condições de detenção de todos os presos, sem deixar de lado a importância de garantir a segurança e a integridade dos detentos.
Para o ministro, a medida era incompatível com o princípio da isonomia, já que a Constituição Federal garante a todos o direito à igualdade. “Nesse contexto, não há fundamento para que seja assegurada a alguém o direito a tratamento diferenciado em virtude da sua formação acadêmica”, afirmou.
A decisão do STF impacta diretamente a população carcerária, que já sofre com as condições precárias dos presídios brasileiros. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o país tem uma população carcerária de cerca de 750 mil pessoas, sendo que a capacidade é de aproximadamente 430 mil vagas.
Com a decisão, os presos com diploma de ensino superior não terão mais direito a uma cela especial e serão recolhidos em celas comuns, como os demais detentos. A medida visa a garantir a igualdade no tratamento de todos os presos, independentemente de sua formação acadêmica.
A ADPF 334 foi ajuizada em 2016 pela PGR e teve como base uma denúncia apresentada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em 2014. Na época, o órgão questionou a legalidade da prisão especial concedida a um empresário condenado por crimes contra a ordem tributária.
A decisão do STF foi elogiada por organizações que atuam em defesa dos direitos humanos. Para o coordenador do programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio, a medida é um avanço na garantia da igualdade no sistema prisional brasileiro.
“Essa decisão é muito importante porque retira um privilégio indevido de uma minoria que tem formação superior, e faz com que essas pessoas sejam recolhidas em condições iguais às demais”, afirmou. “A prisão especial só contribui para a seletividade do sistema de justiça, já que beneficia apenas uma parcela da população carcerária, que é majoritariamente negra e pobre.”
A decisão do STF também é vista como um passo importante para a redução da desigualdade social no Brasil. Segundo o IBGE, apenas 16,5% da população brasileira com mais de 25 anos possui diploma de ensino superior, o que significa que a grande maioria dos presos não se encaixa nessa categoria.
Com a derrubada da prisão especial para pessoas com diploma de ensino superior, o STF reafirma seu compromisso com a igualdade e a justiça social, garantindo que todos os cidadãos brasileiros sejam tratados de forma equânime pelo sistema de justiça criminal.