Toffoli diz ver indício de ilícitos e circunstâncias ‘incomuns’ em contrato entre governo e Precisa

Ministro autorizou buscas na sede da empresa nesta sexta. ‘Cenário de inconsistências’ citado na decisão inclui contradição nos valores e desenvolvimento atrasado em relação a outras vacinas.

Ao autorizar busca e apreensão na sede da Precisa Medicamentos nesta sexta-feira (17), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli considerou que “circunstâncias aparentemente incomuns” orientaram a escolha do Ministério da Saúde para negociar a compra da vacina Covaxin.

A Precisa Medicamentos era, no momento da negociação, representante do laboratório indiano Bharat Biotech no Brasil. Segundo Toffoli, a recusa da empresa em apresentar documentos sobre as tratativas com o governo representa um “indício da prática de fatos ilícitos”.

Toffoli autorizou a Polícia Federal a cumprir mandados de busca e apreensão na sede da Precisa na manhã desta sexta (17), em endereços na Grande São Paulo. O pedido foi feito pela CPI da Covid, que apura, entre outros temas, supostas irregularidades nesse contrato.

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A compra de doses da Covaxin pelo governo brasileiro custaria R$ 1,6 bilhão, mas o contrato assinado foi cancelado após suspeitas de irregularidades virem à tona.

Nenhuma vacina chegou ao Brasil e nada foi pago – um pagamento adiantado não previsto em contrato chegou a ser inserido nos documentos, mas não chegou a ser efetuado.

Em nota (leia íntegra abaixo), a defesa da Precisa classificou a operação desta sexta como “inadmissível”, “agressiva e midiática” e disse que a empresa entregou todos os documentos à CPI.

A decisão de Toffoli

Na decisão que autorizou as buscas, Toffoli afirma que “tratando-se de um contrato dessa magnitude (em importância e valores empenhados) não é crível – pelas regras da experiência comum e por se tratar de contratação pública, firmada com a Administração e, portanto, sob seus princípios e regras – que só houvesse, até o momento um ‘memorando’, considerado aí o estágio não inaugural das tratativas”.

De acordo com o ministro, é preciso esclarecer o contexto das negociações.

“As circunstâncias aparentemente incomuns da contratação que envolveram a escolha do imunizante Covaxin, em detrimento de outros, como o Pfizer, mais baratos e em estágio mais adiantado de testes e aprovação na Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (ANVISA), em desrespeito aos princípios da publicidade e da transparência (que regem a Administração Pública, e notadamente das regras legais de escolha previstas na lei de licitações e legislação correlata), conduzem à conclusão de absoluta necessidade de seu esclarecimento”.

“Há um cenário de inconsistências, evidenciadas tanto pela contradição (entre depoimento e o registro de ato de reunião) nos valores que seriam pagos pela dose do imunizante como pelo fato incontroverso de a COVAXIN estar em estágio anterior de comprovação científica de segurança e de eficácia e de registro e aprovação na ANVISA, se considerada a concorrente PFIZER, por exemplo; além de seu valor ser superior em 50% (cinquenta por cento) ao da mesma concorrente”, escreveu.

Toffoli diz que a diferença entre os preços das doses ao longo da negociação do contrato chama a atenção. Segundo o ministro, a empresa afirmou à CPI daCovid que o valor da dose seria mesmo de US$ 15, enquanto no registro da reunião (entre a representante da empresa e do Ministério da Saúde) consta um preço de US$ 10 por dose.

“Tratando-se de valores estimados em moeda de referência monetária mundial (dólar norte-americano) não há razão para tamanha discrepância. De fato, é pouco crível que a discrepância tenha se devido ao fato de na estimativa inicial não estarem computados “custos adicionais”, como impostos ou taxas, considerando a envergadura do contrato e da empresa contratante”

Ministério da Saúde

O ministro Dias Toffoli determinou que o Ministério da Saúde entregue ao STF cópia integral do processo que tratou da compra da Covaxin.

Toffoli também requisitou todos os documentos e processos do ministério sobre tratativas e contratações de imunizantes para covid, com ou sem empresas intermediárias, para subsidiar a análise pela CPI.

“Não há, por ora, em meu juízo, razão para supor que a Pasta deixará de prestar tais informações e de dar acesso aos documentos imprescindíveis aos trabalhos da CPI, presumindo-se que o interesse no esclarecimento dos fatos investigados seja por ela compartilhado”, afirmou.

Íntegra

Leia abaixo a nota divulgada pelos advogados da Precisa após o cumprimento dos mandados nesta sexta:

É inadmissível, num estado que se diz democrático de direito, uma operação como essa de hoje. A empresa entregou todos os documentos à CPI, além de três representantes da empresa terem prestado depoimento à comissão. Francisco Maximiano, por exemplo, prestou depoimento e respondeu a quase 100 perguntas, enviou vídeo com esclarecimentos, termo por escrito registrado em cartório, além de ter sido dispensado de depor por duas vezes pela própria CPI, em 1° de julho e 14 de julho.

Além disso, seus representantes, sempre que intimados, prestaram depoimentos à PF, CGU, além de ter entregue toda documentação ao MPF e TCU.

Portanto, a operação de hoje é a prova mais clara dos abusos que a CPI vem cometendo, ao quebrar sigilo de testemunhas, ameaçar com prisões arbitrárias quem não responder as perguntas conforme os interesses de alguns senadores com ambições eleitorais e, agora, até ocupa o Judiciário com questões claramente políticas para provocar operações espalhafatosas e desnecessárias. A CPI, assim, repete o modus operandi da Lava Jato, com ações agressivas e midiáticas, e essa busca e apreensão deixará claro que a Precisa Medicamentos jamais ocultou qualquer documento.

Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, advogados da Precisa Medicamentos

Fonte: G1