Enquanto salas de concerto ainda se encontram de portas fechadas devido à pandemia de covid-19, orquestras vêm desenvolvendo nova relação com os seus públicos. As cortinas se abrem pelas telas da televisão, do computador, do celular e as notas musicais, antes ecoadas em ambientes fechados, ganham novos espaços.
Com transmissão online, não há limites físicos e até mesma novas formas de interação são possíveis: somente nesta semana, estreia um concerto inédito da Orquestra Sinfônica Brasileira, ao passo que a Orquestra Ouro Preto prepara uma apresentação virtual em que o repertório será escolhido pelo público em tempo real.
Gravado no Theatro Municipal de Niterói, o concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira poderá ser acessado pelas suas redes sociais. A estreia será hoje (7), às 20h. A partir desse dia e horário, amantes da música erudita poderão escolher o melhor momento para apreciar interpretações da obra de Paul Dukas, Heitor Villa-Lobos, Gilberto Gagliardi, Richard Strauss e Charles Gounod. Desde que começou a crise sanitária, esta é apenas a terceira apresentação da Orquestra Sinfônica Brasileira em que os músicos se reuniram.
“No início da pandemia, cada um gravava de sua casa. Agora, mesmo sendo uma apresentação online, os ensaios são presenciais. Isso traz uma motivação nova para o grupo, uma sintonia maior. Os músicos estão muito felizes por tocarem juntos novamente”, diz a maestrina Priscila Bomfim, convidada para reger a Orquestra Sinfônica Brasileira pela segunda vez em sua carreira.
Apesar do reencontro, o momento ainda inspira cuidados e apresenta desafios. Os protocolos de segurança, que incluem o uso de máscaras, limitam a expressividade facial. “É uma perda para os maestros. Por exemplo, a respiração e os movimentos com a boca. Os nossos movimentos se restringem muito mais ao olhar e às nossas mãos. Foi uma experiência diferente nesse sentido. Precisamos usar muito mais os recursos das mãos, pois estamos com nossa expressividade reduzida”, comenta Priscila.
Um dos principais destaques do novo concerto, para a maestrina, é uma música de Gilberto Gagliardi. “Representa bem a cultura nordestina e brasileira. Podemos sentir, em uma mesma obra, diversos climas criados pelos naipes de metais na orquestra e a percussão. É uma obra muito importante para o repertório de metais porque Gilberto Gagliardi era trombonista e vinha de uma família de trombonistas. Acho que o público vai se identificar muito. É um ritmo que já está dentro do brasileiro”.
Fundada em 1940, a Orquestra Sinfônica Brasileira é considerada um dos conjuntos sinfônicos mais importantes do país. Além dos concertos, o grupo também desenvolve projetos com objetivos sociais e educativos. Suas atividades têm sido viabilizadas por meio de instrumentos da Lei Federal de Incentivo à Cultura, como o Instituto Cultural Vale e diversos apoiadores e patrocinadores, como a Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e a Brookfield.
Em abril deste ano, ela foi reconhecida como patrimônio cultural imaterial da cidade do Rio de Janeiro, conforme decreto assinado pelo prefeito Eduardo Paes. Atualmente é composta por cerca de 70 músicos. A seleção ocorre por meio de audições anunciadas por editais, sempre que há vagas a serem preenchidas.
Você decide
Outra atração para os apreciadores dos concertos acontecerá no sábado (10), às 20h30. A Orquestra Ouro Preto se propôs a realizar pela primeira vez uma experiência diferente: as músicas serão definidas pelo público durante o evento. A votação do repertório ocorrerá por uma enquete que será gerada por meio do Youtube, plataforma usada para a transmissão.
“Nas décadas de 80 e 90, ficou muito famoso o programa de televisão Você Decide, em que o público escolhia o final da história. Inspirados nisso, vamos fazer o nosso Você Decide. São os desafios que essa pandemia nos impõe. Estamos tentando pensar novas saídas para esse formato virtual e imaginamos uma maneira de tornar essa apresentação mais interativa”, explica o maestro Rodrigo Toffolo.
O palco de onde ocorrerá a transmissão é o do Sesc Palladium, em Belo Horizonte. “Quem podia imaginar que seria possível votar em um concerto entre uma música de Beethoven e de Mozart, ou então as mais pedidas do A-Ha? Que tal Beatles x Rolling Stones?”, pergunta uma chamada nas redes sociais da Orquestra Ouro Preto.
Com 21 anos de existência, a Orquestra Ouro Preto foi fundada por professores na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e é conhecida por repertórios que vão muito além da música clássica, incluindo versões para sucessos do rock, jazz, de ritmos brasileiros e de músicas que ficaram famosas no cinema. Essa diversidade faz com que, entre seus principais trabalhos, estejam adaptações de composições de Vivaldi, Beatles e Milton Nascimento. Ao longo de sua trajetória, foram gravados 11 CDs e sete DVDs. Um desses DVDs, batizado de Valencianas, foi gravado ao vivo junto com o cantor Alceu Valença e acabou recebendo o Prêmio da Música Brasileira de 2015.
No início da pandemia, no ano passado, a Orquestra Ouro Preto paralisou suas atividades. A retomada ocorreu aos poucos e já são 15 eventos online, que somam mais de 500 mil visualizações. Será, no entanto, a primeira experiência em que o público participará da escolha do repertório. O formato gera um desafio adicional: ensaiar um número bem maior de músicas.
“Preparamos 30 peças e serão 15 desafios. A principal brincadeira será Beatles contra Rolling Stones. Serão quatro batalhas entre as duas bandas. E tem algumas estreias. Por exemplo, o repertório dos Rolling Stones nós nunca tocamos. Teremos desafios de música erudita também”, diz Rodrigo.