A pandemia de covid-19 reduziu em cerca de 60% o volume de colonoscopias, revela pesquisa feita pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Autor da pesquisa, o proctologista Rogério Serafim Parra disse hoje (6) à Agência Brasil que isso ocorreu devido ao fechamento de alguns centros de endoscopia e à dificuldade dos pacientes para fazer os exames.
O estudo envolveu 225 pacientes de 18 a 74 anos, dos quais 179 (79,6%) tinham doença de Crohn e 46 (20,4%), retocolite ulcerativa. Publicada na edição de 2021 da revista Annals of Gastroenterology, a pesquisa revela que cerca de 85% dos pacientes entrevistados faltaram às consultas por causa da pandemia, quase 50% perderam a coleta de exames laboratoriais, 42% não tomaram as vacinas na época e quase 20% não conseguiram a prescrição dos seus medicamentos.
Houve reflexos também no âmbito psicológico. No primeiro pico da pandemia, sintomas de depressão foram relatados por mais de 80% dos entrevistados. Medo da morte e ansiedade gerados pela pandemia foram observados em quase 60% dos pacientes. Insônia, em mais da metade dos pacientes, e problemas relacionados à produtividade ao trabalho em cerca de 45% dos participantes também foram informados pelas pessoas ouvidas.
Problemas
Membro titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), Parra destacou que a diminuição das colonoscopias trouxe dois problemas: o primeiro refere-se ao diagnóstico. “As pessoas que têm diarreia, dor na barriga e sangramento, não têm plano de saúde e não conseguiram realizar os exames têm, com certeza, atraso no diagnóstico, tanto do câncer de intestino quanto das doenças inflamatórias do intestino, como as colites.”
O segundo problema é o atraso no acompanhamento dos pacientes. ”Aqueles que estavam tomando medicamento para câncer ou para colite não tiveram acompanhamento adequado e tiveram também atraso na realização dos exames”, disse o médico, que é responsável pelo Ambulatório de Proctologia e Doenças Inflamatórias Intestinais do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
Com a melhora da pandemia no país, os serviços de endoscopia no sistema público de saúde estão reabrindo, mas enfrentam demanda reprimida, com número grande de casos para serem encaixados. No serviço do hospital de Ribeirão Preto, só há vagas para atendimento em março de 2022. “O paciente não pode, muitas vezes, esperar todo esse tempo”, alertou Parra.
Para reduzir o problema, a Sociedade Brasileira de Coloproctologia tem feito campanhas e mutirões de colonoscopia em parceria com empresas privadas, em todo o Brasil. Nesta sexta-feira (6), o mutirão está sendo realizado no Recife. No próximo dia 14, será no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Parra argumentou, no entanto, que essa iniciativa não será suficiente para suprir a demanda. Segundo o médico, serão necessários mais mutirões para tentar vencer a fila de espera criada durante a pandemia.
Somente no Hospital da USP em Ribeirão Preto, os pesquisadores constataram que o número de colonoscopias caiu de 1.274, uma média de 182 exames por mês, de abril a outubro de 2019, para 513, com média de 73 exames por mês, no mesmo período de 2020. A colonoscopia é um exame essencial no diagnóstico do câncer de intestino. Este é o segundo câncer mais frequente em mulheres atualmente no Brasil, depois do de mama, e o terceiro em homens, depois dos cânceres de próstata e de pulmão.
Faixa etária
De acordo com o proctologista, inflamações do intestino, como a doença de Crohn e a retocolite, acometem mais pessoas jovens, na faixa de 20 até 50 anos de idade . Já o câncer de intestino pode acometer pessoas a partir de 40 anos ou 45 anos até os 70 anos de idade. Segundo Parra, a prevenção relativa ao câncer de intestino deve ser iniciada aos 45 anos, ou em alguns casos, aos 50 anos, em média. No caso das colites, a prevenção deve ser antes dos 40 anos.
As campanhas são fundamentais para que os especialistas possam diagnosticar o paciente na fase pré-câncer, que são os pólipos. Cerca de 90% dos casos de câncer colorretal têm origem em um pólipo, que é uma alteração decorrente do crescimento anormal da mucosa do intestino grosso. Inicialmente, os pólipos são pequenos e benignos, mas podem crescer e se tornar malignos. Quando descobertos e removidos precocemente, por meio da colonoscopia, evita-se que se transformem em câncer.
“Os pólipos são algumas verruguinhas que dão no intestino, crescem e viram câncer. A pessoa, fazendo colonoscopia, detecta e retira esse pólipo e evita que haja uma progressão para tumor”, explicou o médico. Também nas inflamações do intestino, quando são diagosticadas no começo, as chances de tratamento efetivo são maiores.
Na opinião de Rogério Parra, para desafogar o Sistema Único de Saúde (SUS), é preciso que outras instituições se unam à SBCP para realizar mais mutirões e disponibilizar colosconospias em outros locais.
O médico recomenda aos que apresentem sintomas digestivos como diarreia, sangramento, dor na barriga e emagrecimento que procurem um especialista, que pode ser um gastroenterologista ou um protectologista, para avaliação e, se for o caso, encaminhamento para colonoscopia. “Em algumas situações, não há necessidade da colonoscopia. Um exame físico bem-feito detecta, por exemplo, uma hemorroida que, em paciente jovem, não requer colonoscopia. Isso precisa ser avaliado, porém, em uma consulta”. No caso de pessoas com mais de 45 anos que tenham sangramento, quase sempre é necessária a colonoscopia, a não ser que esta já tenha sido feita antes, disse Parra.