Para especialistas, discurso “economês” de Haddad diz respeito ao povo


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Em dezembro de 2022, pouco antes de assumir o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad disse em uma entrevista que, naquele momento, o mais importante para integrantes do novo governo era “harmonizar a política fiscal e monetária”. A declaração do ministro logo se tornou uma espécie de diretriz para a equipe econômica. Desde então, Haddad e outros membros do governo federal a têm repetido em diferentes circunstâncias.

Na semana passada, ao falar com jornalistas sobre sua indicação para a Diretoria de Política Monetária do Banco Central (BC), o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, prometeu que, caso o Senado aprove sua nomeação, trabalhará para que haja harmonia entre as políticas fiscal e monetária.

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Galípolo é o número dois na hierarquia do ministério comandado por Haddad e visto por especialistas do mercado como potencial substituto do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, cujo mandato termina em 2024. Ele destacou que, à frente da pasta, Haddad “vem tentando evitar um equívoco que existe há muito tempo na economia brasileira, que é termos uma política monetária que vai para um lado e uma política fiscal que vai para o lado oposto”.

Nessa sexta-feira (19), o próprio ministro voltou a mencionar a importância de se “harmonizar” as políticas fiscal e monetária, “compatibilizando” a responsabilidade fiscal com as legítimas demandas da sociedade. Horas depois, o próprio ministério assegurou, em nota, que as palavras de Haddad “destacam uma visão de gestão econômica que não enxerga a política fiscal e monetária como elementos opostos, mas sim como ‘dois braços do mesmo organismo que precisam funcionar juntos’”.

Traduzindo o discurso

Para economistas ouvidos pela Agência Brasil, por trás da frase de Haddad está uma disputa em torno de decisões econômicas que afetam o dia a dia dos cidadãos, como as definições da taxa de juros e o peso dos futuros investimentos públicos para estimular a economia brasileira.

“A harmonização é importante porque quanto mais coordenadas ou afinadas as políticas fiscal e monetária, maior a eficácia da política econômica”, afirmou a professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Simone Deos. “O ministro parece dizer a todo momento que o Ministério da Fazenda e o BC não podem fazer política econômica descoordenadamente”, antecipou-se.

Políticas Econômicas

Junto com a política cambial, as políticas fiscal e monetária estruturam a política econômica, ou seja, o conjunto de medidas que os governos adotam para incentivar o crescimento sustentável da atividade produtiva dos países e garantir o bem-estar das sociedades.

Grosso modo, a política monetária diz respeito às ações que, no Brasil, o BC prescreve para controlar o custo e a quantidade de dinheiro em circulação no país. Já a política fiscal compreende as medidas que o governo federal adota para controlar o orçamento público, ou seja, a arrecadação e investimentos governamentais.

No Brasil, a política monetária é conduzida pelo BC, autarquia independente que, além de preservar a solidez do sistema financeiro, atua para manter a inflação sob controle, preservando o valor do Real e mantendo o poder de compra dos brasileiros. Já a política fiscal é definida pelo governo federal e expressa na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pelo Congresso Nacional.

O principal instrumento da política monetária é a já citada taxa Selic, definida a cada 45 dias pelo Comitê de Política Monetária (Copom), órgão do Banco Central criado em 1996 com a função de estabelecer as diretrizes da política monetária e acompanhar o cumprimento das metas de inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Desde agosto do ano passado, o Copom mantém a taxa Selic em 13,75% ao ano. O percentual é o mais alto desde janeiro de 2017. O que, segundo a gestora de fundos de investimentos Infinity Asset Management, torna o juro real (taxa básica de juros menos a inflação projetada para os próximos 12 meses) brasileiro, que no início do mês era de 6,82%, o maior em todo o mundo. Já em termos nominais, o Brasil começou o mês atrás apenas da Argentina, onde a taxa de juros oficial estava em 91% ao ano.

Já o Conselho Monetário Nacional, composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central, definiu em 3,25% a meta da inflação para este ano, com uma tolerância de 1,5 ponto percentual, ou seja, podendo chegar a 4,75%. Contudo, no último Relatório de Inflação que divulgou, no fim de março, o BC admitiu a possibilidade da inflação oficial superar o teto da meta.

Coordenação

“Teoricamente, o Banco Central mantém taxas de juros muito altas por ter que cumprir a meta de inflação custe o que custar”, disse o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), Carlos Pinkusfeld Monteiro Bastos, para quem a “harmonização” proposta por membros do governo federal comporta mais de uma interpretação.

“Pode tanto indicar [que o governo reconhece] a necessidade de fazer ajustes na política fiscal que permitam ao Banco Central começar a baixar as taxas de juros, como pode apontar que se as taxas de juros não baixarem, o governo federal não terá como conduzir a política fiscal da forma que planejava, sendo obrigado a adotar uma linha muito mais austera, contracionista. Mas uma coisa é certa: ao falar em harmonia fiscal e monetária, o ministro [Haddad] está se referindo principalmente à taxa de juros e à necessidade de reduzi-la, o que é sim muito importante para o dia a dia do cidadão”, pontuou Bastos.

“O que o ministro parece tentar construir é um certo caminho de coordenação possível das políticas econômicas”, interpretou Simone Deos, lembrando que desde o início de 2021 o Banco Central tem autonomia em relação ao governo federal e que o presidente e os diretores da autarquia têm mandatos de quatro anos não coincidentes com os mandatos de presidentes da República. A ideia é justamente tentar evitar eventuais interferências políticas.

“Esta coordenação deve ser sempre um objetivo de governo. Agora, quando os bancos centrais se tornam independentes ou autônomos, isso se torna mais desafiador, pois os eles já não precisam mais tomar decisões [monetárias] de acordo com a política fiscal dos governos – o que pode gerar perda de objetividade e de eficácia da política econômica”, complementou Simone.