Um projeto inédito mostra o impacto da temperatura do oceano, da força das ondas e do volume de água doce que chega no mar na biodiversidade marinha. Os resultados funcionam como um ‘IBGE da vida marinha’ e avaliam a variação na abundância e no tamanho de organismos em costões rochosos ao longo da costa sudeste e permitem prever os impactos que as alterações climáticas podem trazer para estes organismos.
O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em parceria com a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar/USP) e universidades do exterior, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Este foi o primeiro projeto na costa brasileira a avaliar a biodiversidade do entremarés em costões rochosos em uma escala espacial de mais de 800 km, desde Itanhaém até Armação dos Búzios (RJ).
O projeto contou com várias etapas: primeiro, os pesquisadores fizeram campanhas de campo intensivas para coletar os dados em 62 costões rochosos em um espaço de poucos meses, garantindo que todos os dados estivessem sob influência de um mesmo regime de estação climática.
Além disso, outras campanhas de coleta de campo foram realizadas para avaliação da predação entre as espécies principais. Por fim, foram realizados experimentos em 18 costões rochosos neste gradiente latitudinal para testar como fatores das mudanças climáticas podem influenciar a predação entre estes animais.
Esse experimento envolveu uma força tarefa para instalar e monitorar gaiolas nas rochas na zona costeira.
Além das etapas de campo e análises dos organismos em laboratório, foram realizadas etapas de sensoriamento remoto e modelagem para obter dados de monitoramento de satélite da temperatura do oceano, da descarga de água doce por rios na zona costeira e da força de impacto das ondas para entender como cada um destes fatores varia em uma escala de menos de 10 km ao longo da costa.
Ao todo, foram 4 anos de trabalho de campo e laboratório que envolveu uma equipe de 20 pesquisadores e estudantes que agora resultaram em diferentes publicações científicas nos últimos anos. Nos últimos 2 anos, artigos científicos do projeto começaram a mostrar os resultados da biodiversidade neste sistema.
“Entender os impactos da mudança do clima na biodiversidade é complexo. Impactos como o aumento das chuvas intensas, da temperatura do oceano, da frequência de ressacas na costa e das ondas de calor atmosférico são desafiadores dada a larga escala espacial que estes eventos ocorrem, a dificuldade de manipular estes fatores para gerar experimentos controlados e o fato de que seu impacto nem sempre é pontual no tempo, mas reflete em processos de crescimento, alimentação, reprodução que ocorrem ao longo de semanas, meses e anos”, afirma Ronaldo Christofoletti, coordenador do projeto e do grupo de pesquisa.
Principais resultados
Os dados inéditos, liderados pelo pesquisador Cesar Cordeiro, mostram que a maior parte das espécies avaliadas tendem a ser menores nas áreas de água mais quente (região da Baixada Santista até o litoral sul do RJ) do que em áreas de águas mais frias (como a região dos Lagos no RJ). As espécies filtradoras (cracas e mexilhões) foram 25 a 35% maiores em águas mais frias, enquanto a espécie carnívora chegou a ser 50% maior e as espécies herbívoras 100 a 130% maiores na região de águas mais frias.
A diferença de tamanho pode ocorrer por duas razões. Primeiro, porque em águas mais quentes os animais tendem a alcançar a maturidade sexual mais cedo. Logo, investem energia em crescimento por menos tempo e ficam menores, pois depois investem mais energia na reprodução. Segundo, a região dos Lagos RJ é influenciada pelo processo de ressurgência, que traz nutrientes do fundo do oceano e enriquecem a água, podendo trazer mais energia na cadeia trófica.
Os estudos não mostraram que a alimentação era limitante em nenhuma região, pois sempre havia presas disponíveis para os animais se alimentarem. Mas o fato de termos águas naturalmente mais ricas em nutrientes pode influenciar em uma maior taxa de crescimento. Esta hipótese teria sido avaliada pelo projeto, porém esta etapa foi interrompida pela pandemia de covid-19 e não foi possível dar sequência posteriormente.
Fonte: Com Diário do Litoral