PGR diz ao Supremo que é contra tese do marco temporal; ministros votam na próxima semana

STF julga se é válida a tese de que indígenas só têm direito às terras que já eram ocupadas por eles antes da promulgação da Constituição de 1988. Relator, Fachin lê voto na próxima quarta.

Por Rosanne D’Agostino, G1 — Brasília

O procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou manifestação contrária ao “marco temporal” nesta quinta-feira (2) no Supremo Tribunal Federal (STF). Para Aras, o direito dos indígenas sobre as terras é “originário” e deve ser analisado caso a caso.

O STF retomou nesta semana o julgamento que discute se a demarcação de terras indígenas deve seguir o critério chamado de “marco temporal”. Por essa regra, os índios só podem reivindicar terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988.

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Entre quarta e quinta, o plenário do STF ouviu 39 sustentações orais de interessados no tema e de partes no processo. O julgamento deve ser retomado na próxima quarta (8) com o voto do relator, ministro Edson Fachin.

“A nossa Constituição Federal reconheceu direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam os índios”, disse Aras. “Demarcar consiste em atestar a ocupação dos índios como circunstância anterior à demarcação”, defendeu.

O procurador-geral da República disse também que o Brasil não “não foi descoberto” e que o país não pode “invisibilizar” os seus “ancestrais”.

“O Brasil não foi descoberto. O Brasil não tem 521 anos. Não se pode invisibilizar os nossos ancestrais que nos legaram este país”, afirmou Aras.

Aras afirmou, ainda, que muitos índios foram expulsos de suas terras em razão de conflitos. “Não seria exigível o marco temporal”, afirmou. “Este PGR manifesta concordância com o afastamento do marco temporal.”

Indígenas dançam e cantam e roda diante do STF durante julgamento do ‘marco temporal’ — Foto: Fábio Tito/G1

Segundo Aras, “por razões de segurança jurídica, a identificação e delimitação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios há de ser feita no caso concreto, aplicando-se a cada fato a norma constitucional vigente ao seu tempo”.

O governo Jair Bolsonaro é favorável à tese do “marco temporal” e, desde que assumiu o poder, estacionou os processos de demarcação de terras. Os indígenas são contra a tese e argumentam que o critério pode levar, inclusive, à revogação de demarcações que já existem.

O julgamento

O julgamento começou na última quinta-feira (26), mas foi interrompido após a leitura do resumo do caso pelo ministro Edson Fachin, relator do caso.

Nesta quarta e quinta, são ouvidas mais de 30 entidades interessadas na causa, o advogado-geral da União e o procurador-geral da República. Somente depois o relator lê seu voto.

A decisão dos ministros do STF é aguardada por milhares de indígenas de várias regiões do país que estão há 8 dias em Brasília no acampamento “Luta pela Vida”, montado a cerca de dois quilômetros do Congresso Nacional. Atualmente, há mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas abertos no país.

Os indígenas são contra o reconhecimento da tese do “marco temporal”, enquanto proprietários rurais argumentam que o critério é importante para garantir segurança jurídica. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é favorável à tese.

Recurso da Funai

O caso está sendo julgado pelo STF porque, em 2013, o TRF-4 aplicou o critério do “marco temporal’ ao conceder ao instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina uma área que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás, Terra Indígena Ibirama LaKlãnõ.

Após a decisão, a Funai enviou ao Supremo um recurso questionando a decisão do TRF-4. O entendimento do STF poderá ser aplicado em outras decisões semelhantes no Brasil.