A catástrofe socioambiental que afetou mais de 2,34 milhões de pessoas em 468 das 497 cidades do Rio Grande do Sul, ceifando ao menos 163 vidas, também evidenciou a necessidade de investimentos públicos e privados em aeroportos regionais.
Para políticos e empresários gaúchos, do ponto de vista logístico, a concentração de voos de cargas e passageiros no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, torna o Rio Grande do Sul mais vulnerável às consequências de eventos climáticos extremos.
Deputados, senadores, prefeitos e empresários argumentam que a ampliação ou adequação de outros terminais aeroportuários existentes no estado favoreceria a conectividade, estimulando o desenvolvimento econômico de outras regiões do estado.
“Precisamos avançar muito na questão da infraestrutura aeroportuária. E não é de hoje”, destacou o deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) na quarta-feira (22), durante uma videoconferência da qual participaram o ministro do Turismo, Celso Sabino, o governador Eduardo Leite, vários parlamentares gaúchos e empresários do setor turístico. Entre outras necessidades, eles debateram a ampliação de aeroportos como os de Caxias do Sul, Gramado e Canoas.
Em 2023, o aeroporto de Porto Alegre ocupou a décima posição entre os mais movimentados do país, com 72.940 pousos e decolagens, conforme boletim do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). Afetado pelas consequências dos temporais que atingiram o estado ao longo do último mês, o Salgado Filho está fechado por tempo indeterminado desde o último dia 3.
Parte dos voos teve que ser emergencialmente transferido para outras seis cidades gaúchas (Caxias do Sul; Santo Ângelo; Passo Fundo; Pelotas; Santa Maria e Uruguaiana) e três de Santa Catarina (Florianópolis, Chapecó e Jaguaruna). E para poder avaliar a real dimensão dos danos do Salgado Filho, a concessionária Fraport Brasil aguarda pelo escoamento das águas que deixaram a pista de pousos e decolagens submersas e que, em alguns pontos do terminal de passageiros, chegaram a 2,5 metros de profundidade.
CAXIAS DO SUL
Uma parcela dos voos reprogramados do Salgado Filho foi transferida para a base militar que a Força Aérea Brasileira (FAB) administra em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, a cerca de 120 quilômetros de Porto Alegre. Como o terminal não dispõe da estrutura adequada para receber passageiros civis, o embarque e desembarque dos usuários está sendo feito em uma estrutura improvisada em um shopping, a cerca de três quilômetros de distância, de onde os usuários são transportados em ônibus.
Importante polo industrial, comercial e turístico, Caxias do Sul conta ainda com o Aeroporto Regional Hugo Cantergiani, inaugurado em 1988 e administrado pela prefeitura, que também está recebendo parte das aeronaves que transporta mantimentos e ajuda humanitária para a região. Segundo a prefeitura, embora tenha passado por obras entre 2010 e 2012 e tem uma pista de 1.670 metros de extensão por 30 metros de largura (o Salgado Filho tem 3.200 metros por 45 metros de largura), o Cantergiani “apresenta limitações físicas que impossibilitam a ampliação do seu potencial para atendimento às demandas atuais e futuras”.
Nessa quinta-feira (23), a prefeitura de Caxias do Sul solicitou à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a internacionalização do Hugo Cantergiani. “Com o processo, o terminal passará a ter capacidade para operar um número maior de aeronaves”, justificou a prefeitura, em nota em que assegura estar investindo na melhoria da infraestrutura do espaço, ampliando as áreas de embarque e desembarque e procurando instalar novos equipamentos.
“Estamos orçando intervenções para a pista e já houve a encomenda dos equipamentos para melhorar o pouso e a decolagem com tempo chuvoso ou neblina”, destacou o prefeito Adiló Didomenico, em nota. “Buscamos ampliar em 500 metros quadrados da área de embarque e 300 metros quadrados [m²] da sala de desembarque, quase triplicando a nossa área de acolhimento de pessoas. Com mais 800 m², a Polícia Federal, a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e a Receita Federal podem se instalar tranquilamente. Não deve passar de 40 dias para deixarmos o terminal com uma estrutura bem melhor”, assegurou o prefeito.
Na mesma videoconferência, em que Marcel Van Hattem reafirmou o compromisso de, junto com o também deputado federal Maurício Marcon (Podemos-RJ), destinar R$ 1,3 milhão em emendas parlamentares para a compra de equipamentos necessários à ampliação da capacidade operacional do Hugo Cantergiani, a deputada federal Denise Pessoa (PT-RS) defendeu a proposta de internacionalizar o aeroporto municipal. Para a parlamentar, a medida favoreceria o ambiente de negócios, inclusive o turismo na Serra Gaúcha.
“O Hugo Cantergiani é um equipamento extremamente importante, como alternativa ao Salgado Filho. Por isso, reforço o pedido para que ele seja internacionalizado. Não dá para termos, em todo o estado, apenas um aeroporto internacional. Isso acaba inviabilizando [o desenvolvimento econômico de todo o estado]”, disse Denise, destacando a importância do projeto, em curso, de construção de um terceiro aeródromo na cidade, o Aeroporto Regional da Serra Gaúcha, no bairro Vila Oliva. “Precisamos investir nos aeroportos e já temos um projeto, o Aeroporto de Vila Oliva, que é um projeto muito mais amplo e que interligará toda a Serra Gaúcha.”
De acordo com a prefeitura de Caxias do Sul, pesquisas indicaram que cerca de 10% dos passageiros que desembarcam no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, têm como destino final Caxias do Sul e outras cidades da Serra Gaúcha. Para os parlamentares, contudo, há outras regiões do Rio Grande do Sul que se beneficiariam economicamente com uma melhor conectividade aérea.
“O estado tem outras regiões com extraordinário potencial turístico, como a região sul, onde precisamos de um aeroporto operante”, disse o deputado federal e ex-prefeito de Rio Grande, no litoral sul gaúcho, Alexandre Lindenmeyer (PT-RS). “Desde que eu era jovem, escuto falar nos investimentos no Aeroporto de Passo Fundo. Que nunca foram feitos como deveriam; nunca acompanharam o ritmo de crescimento da economia regional”, acrescentou o deputado federal Luciano Azevedo (PSD – RS), pedindo que o governo federal “esteja atento às necessidades de Passo Fundo”.
Também o prefeito de Gramado, na Serra Gaúcha, Nestor Tissot, aproveitou a reunião com o ministro do Turismo e com o governador gaúcho para manifestar sua preocupação com o impacto que o fechamento do Salgado Filho terá na atividade turística no estado. “O turismo é a vida da cidade de Gramado. Para não criar uma segunda crise social, a gente precisa voltar a receber visitantes”, destacou Tissot, pedindo medidas para ampliar o número de voos para Caxias do Sul, cidade mais próxima. O turismo responde por 86% da economia local, empregando diretamente mais de dez mil pessoas na cidade, que tem 40 mil habitantes.
Em fevereiro, o Ministério de Portos e Aeroportos anunciou que o governo federal e empresas aeroportuárias planejam investir, nos próximos anos, R$ 20 bilhões na modernização e construção de aeroportos regionais em todo o Brasil. Segundo o ministro Silvio Costa Filho, parte desses recursos possibilitará ampliar a malha aérea a partir de terminais regionais. “Ampliar o modal aéreo para regiões onde não há operação vai ao encontro de nosso plano de universalização do transporte aéreo, que [objetiva] ampliar a malha e diminuir o preço da tarifa”, disse o ministro.
Esta semana, Costa Filho se reuniu com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e com representantes do grupo CCR, gestor de 17 aeroportos, incluindo os de Pelotas, Uruguaiana e Bagé, no Rio Grande do Sul. O ministro apresentou as ações que sua pasta vem implementando para conectar pequenos e médios municípios aos grandes centros urbanos, como as melhorias realizadas em parceria com governos estaduais, municipais e iniciativa privada. “Estamos avançando com essa pauta, que além de ser um grande propulsor econômico, tem papel social.”