Em avaliação nas obras da Estação 14-Bis da Linha 6-Laranja de metrô de São Paulo, região central da capital, foram encontrados vestígios de um sítio arqueológico a cerca de 3 metros de profundidade. O grupo Acciona, responsável pelas obras, informou que o fato gerou a necessidade de elaboração de um projeto de resgate que permitisse a investigação sobre esses achados.
Contratada para a realização da pesquisa arqueológica no terreno, como parte do processo de Licenciamento Ambiental da Linha 6-Laranja, a empresa de consultoria A Lasca enviou esse projeto de resgate ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de acordo com o grupo. O Iphan informou que aguarda um relatório final da consultoria sobre as condições no local.
“De acordo com o relatório, os objetos resgatados no sítio arqueológico poderão fazer parte do acervo do Centro de Arqueologia de São Paulo, vinculado ao Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura, ou serão identificadas alternativas de exposição em conjunto com a comunidade do entorno, de forma a garantir o direito de acesso e conhecimento do material encontrado”, disse, em nota, o grupo Acciona sobre o documento.
O Acciona afirmou que foi autorizada a continuidade da etapa construtiva com a execução das paredes de contenção do local, necessárias como medida de segurança para que os arqueólogos possam iniciar a escavação e a continuidade das obras mantenha a integridade do patrimônio cultural.
De acordo com o Iphan, ao longo das escavações da linha 6 laranja do Metrô, foram diagnosticados contextos de ocorrências históricas por meio de metodologia arqueológica e que tecnicamente foram denominados sítios arqueológicos de interesse histórico “que possuem contexto e origem de sociedades de período histórico e, no caso do Sítio Saracura-14 Bis, vestígios da população na cidade de São Paulo em meados do Século XX, marco histórico de resistência da cidade”.
O instituto informou que, conforme fonte de projeto de pesquisa arqueológica em andamento pela A Lasca, essa região abrigou no século XIX um dos primeiros quilombos da cidade de São Paulo, o Quilombo da Saracura, sendo o local também denominado como Quadrilátero Negro ou da Saracura. As informações dão conta de que inicialmente o local deve ter servido para descanso na rota de fuga de pessoas negras escravizadas e que hoje ainda tem em sua paisagem indicativos de presença da cultura afrodescendente, como a escola de samba Vai-Vai.
“Contudo, sobre o material que aflorou na fase de prospecção arqueológica, conforme a fonte da pesquisa supramencionada, consiste em material arqueológico oriundo de épocas mais recentes como louças, vidros, moedas e, de acordo com a fase atual de pesquisa, os dados obtidos por meio das intervenções executadas nesta área sugerem que, de modo geral: “a camada de aterro é presente em todas as áreas averiguadas. Isso remete a drástica alteração na paisagem derivada da consolidação da malha urbana e, sobretudo, do processo de aterramento do córrego Saracura’”, diz nota do Iphan.
Ainda segundo o instituto, os vestígios diagnosticados até o momento tem origem mais recente em decorrência do aterramento do córrego Saracura realizado no início do Século XX, no período do início da industrialização da cidade, “em que o contexto original dos vestígios pode ter sido conturbado”.
Por fim, o Iphan informou que o Sítio Saracura/14 Bis-Estação está devidamente cadastrado no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão e que pesquisas arqueológicas estão sendo desenvolvidas no local pela empresa de consultoria autorizada, contratada pelo interessado.
“Todos os sítios arqueológicos brasileiros possuem a mesma importância para Iphan. São bens da união que são tratados por meio das mesmas políticas de proteção. No que tange o valor acadêmico ou social, apenas os resultados das pesquisas mais aprofundadas poderão inferir”, finalizou o órgão.
A Lasca confirmou que, desde meados de 2021, vem desenvolvendo as pesquisas arqueológicas no terreno e, no final de abril de 2022, recebeu a autorização do Iphan para o salvamento emergencial do Sítio Arqueológico Saracura/14 Bis. A partir de então, foram escavadas áreas mais profundas do solo para a delimitação da região em que será realizada a escavação do sítio arqueológico.
Foi identificado o sítio arqueológico na região em que passava o córrego Saracura, canalizado e aterrado ao longo do tempo com sedimentos provenientes de outras partes da cidade. “Convém pontuar que, antes do aterramento, o local era o Quilombo Saracura, um dos maiores e mais antigos quilombos da cidade de São Paulo e a partir do qual se originou o bairro do Bixiga. Trata-se, portanto, de significativo local de memória para a história da cidade e para a comunidade originária dessa ocupação”, diz nota da Lasca.
Na década de 1970, a consultoria afirma que “grandes transformações urbanas geraram alterações significativas na topografia do terreno e soterramento do solo original do Quilombo”. Dessa forma, os achados arqueológicos iniciais, ou sejam menos profundos, presentes em relatórios enviados ao Iphan são de origem desses aterros.
“No que toca ao antigo Quilombo da Saracura, ainda não foram encontrados vestígios materiais que pudessem ser diretamente relacionados às particularidades desse contexto, o que não significa que o material histórico identificado não possa estar vinculado ao cotidiano de seus ocupantes e descendentes, já no século XX. Além disso, afirmar que no local foram encontrados objetos mais recentes em consequência de aterramentos não quer dizer que a área não abrigue outros tipos de objetos – inclusive relacionados ao Quilombo Saracura”, avaliou a Lasca.
Segundo a consultoria, a pesquisa na área ainda não terminou e um dos objetivos do salvamento arqueológico é garantir que a operação do empreendimento não comprometa as informações ali contidas. “A próxima etapa das atividades de escavação arqueológica precisa seguir o cronograma das obras, de forma a se evitar riscos à equipe e à viabilidade das instalações da futura estação, garantindo, assim, a salvaguarda do contexto arqueológico sem prejudicar a instalação da estação e colocar em risco a segurança das equipes envolvidas.”
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura (SMC), e do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), informou que até o momento não há nenhum procedimento sobre o tema em análise no DPH/CONPRESP. A legislação determina que a participação do município sobre sítios arqueológicos seja feita após análises e constatações realizadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan).
“Em relação ao sítio arqueológico é preciso ainda ser analisado, bem como o material ser estudado, para que seja possível elaborar um plano. O material proveniente das escavações arqueológicas e das etapas de prospecção, ficarão sob guarda do Centro de Arqueologia de São Paulo – DPH/SMC, conforme orienta a legislação”, disse, em nota.
O município acrescentou que o Centro de Arqueologia de São Paulo faz parte do Cadastro Nacional das Instituições de Guarda e Pesquisa (CNIGP), instituído pela Portaria Iphan nº 196/2016 e mantido pelo Centro Nacional de Arqueologia do Iphan, estando, portanto, apto, para manter a guarda das coleções arqueológicas oriundas de projetos de pesquisas.