Se no Brasil os presentes se limitam ao dia 25 de dezembro, em muitos lugares da Europa a memória de São Nicolau se soma ao próprio Natal.
Como qualquer personagem cuja história remonta a séculos, é difícil separar o que é lenda do que é fato na vida desse ex-bispo de Mira, na antiga região da Lícia, atual Turquia.
Nicolau, registrado no Martirológio Romano como um santo a ser celebrado em 6 de dezembro, é uma daquelas figuras que transcenderam o catolicismo: sua reputação de ser gentil com as crianças transcendeu os limites da religião e acabou se tornando a inspiração para a criação do velho benevolente homem que dá presentes para o Natal, Papai Noel.
Mas enquanto no Brasil os presentes se limitam ao dia 25 de dezembro, em muitos lugares da Europa a memória de São Nicolau é agregada ao próprio Natal. Claro que as crianças não reclamam da duplicação: no dia 6 de dezembro, ou seja, dia do santo, elas também ganham mimos de final de ano. A tradição se mantém em países como Alemanha, Áustria, Itália e Eslovênia.
“Embora São Nicolau seja muito admirado e reverenciado, principalmente nas tradições da Igreja Católica, no Brasil a celebração de seu nome, ao contrário da Europa, não surgiu”, disse o pesquisador Ítalo Francisco Curcio, educador e professor da Universidade Presbiteriana. BBC News Brasil. Mackenzie.
Do período em que viveu em Portugal, onde fez pós-doutoramento na Universidade do Minh, recorda as festas em honra de São Nicolau na cidade de Guimarães. “São conhecidas como Festas Nicolinas e acontecem desde 1664. São realmente emocionantes e tradicionais”, relata.
“Em particular, acho que no Brasil, a figura do Papai Noel acabou se sobrepondo à imagem original do São Nicolau, por causa da massiva divulgação que foi dada ao bom velhinho como uma figura mítica que presenteia as crianças que fazem o bem .” , comenta a professora.
“Por sua vez, o comércio começou a explorar esse mito e acabou encantando a nação brasileira com essa imagem. Acho também que a Igreja Católica no Brasil acabou dando pouco valor à figura de São Nicolau e destacou outros santos a serem venerados. ”
Hagiografia
Acredita-se que Nicolau tenha nascido na antiga cidade de Patara, na Ásia Menor, localizada na atual Turquia. Não há registros de sua data de nascimento, mas acredita-se que seja por volta de 275. Foi consagrado bispo da Igreja Católica em Mira, cidade da mesma região. Ele morreu por volta do ano 350 — segundo a tradição, em 6 de dezembro, data comemorativa.
Como destaca o livro Il Santo Del Giorno (“O Santo para Cada Dia”, na versão em português), de Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini, sobre São João. brotou em torno deste santo tão querido”.
Os autores apontam que sua imagem foi “invertida pelos mercadores” como Papai Noel, “um velho ruivo de barba branca, carregando nas costas uma sacola cheia de presentes”.
Segundo a hagiografia, sua vocação religiosa já era evidente no momento em que nasceu, filho de uma rica família católica da região. Conta-se que ainda recém-nascido, ao tomar seu primeiro banho, levantou-se sozinho da pia e impressionou a todos.
Segundo o livro Il Santo Del Giorno, ele era “um menino de excelentes qualidades e já inclinado ao ascetismo” e “recusava o leite materno às quartas e sextas-feiras” — praticava o jejum. “À medida que foi crescendo, passou a desprezar a diversão e a vaidade e passou a frequentar mais a igreja”, enfatiza o texto.
Quando adulto, tornou-se padre e acabou sendo nomeado bispo. Ele era visto como um homem muito gentil. “Seus biógrafos dizem que ele salvou três meninas da prostituição jogando três sacos de ouro nas janelas à noite como dote de casamento”, disse à BBC News Brasil o teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Junior, chefe do departamento de ciências sociais da universidade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Este episódio vai tratar de um vizinho que, em situação de extrema pobreza, decide mandar suas três filhas virgens se prostituírem. Com moedas de ouro das religiosas, conseguiriam bons maridos.
Outra lenda deve sua fama ao protetor das crianças. “O bispo ressuscitaria três meninos, mortos pelo açougueiro, para fazer filés tenros”, contam Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini.
“Nicolau vinha de família rica, ou seja, uma pessoa com muitos bens. No entanto, motivado pela mensagem do evangelho cristão, desfez-se desses bens e ajudou pessoas necessitadas, sobretudo viúvas, idosos e crianças”, acrescenta Curcio. “Ele ficou conhecido como taumaturgo, ou seja, um milagreiro, ainda vivo, por isso foi adorado desde muito jovem.”
“Durante o século IV, esse homem de notável fé se transformou em um pai universal e perspicaz, oferecendo às crianças presentes, brinquedos e o carinho de um velho sábio, um bom velhinho”, diz Altemeyer.
Mas esse respeito ainda era muito regional. O continente europeu começou a ganhar fama apenas em 1087, quando 62 soldados roubaram seus restos mortais de Myra e os levaram para a cidade de Bari, localizada no atual território italiano.
Aos poucos, a data de sua morte adquiriu contornos de lenda. “Diz-se que São Nicolau ia de telhado em telhado e colocava presentes em meias colocadas nas paredes das chaminés. Ele é acompanhado por um ‘homem mau’ encarregado de punir as crianças rebeldes”, diz Altemeyer.
Segundo o teólogo, editor e tradutor Joaquim Pereira, autor do livro É Natal!, a popularidade de Nicolau espalhou-se justamente a partir da península italiana — ainda hoje existem muitas igrejas dedicadas a São Nicolau, principalmente no sul do país. “Ele é considerado o santo que inspirou a lenda do Papai Noel na Itália. E de lá, a mesma lenda se espalhou para a Alemanha e outros países da Europa”, diz a BBC News Brasil. “Hoje em dia, Papai Noel é um evento público que envolve praticamente todos os países.”
Durante a Idade Média, os relatos de milagres atribuídos a ele só aumentaram. “Esse era o mote para ter um dia para trocar presentes, para aceitar o dia de sua morte, 6 de dezembro, para essa prática que se tornou um costume e uma tradição em toda a Europa, e em alguns países continua até hoje”, aponta Curcio. Fora. .
Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini dizem que o personagem se tornou protagonista recorrente em produções teatrais medievais e espalhou sua fama. Para o teólogo Altemeyer, não importa saber o que é verdade e o que é ficção na biografia de Nicolau.
“A verdade é que existiu um bispo Nicolau. Não há mentira nas lendas. Elas falam de sinais e sentidos, não de verdades científicas ou teológicas. São forças profundas. Arquétipos”, argumenta.
Transformação de personagem
“São Nicolau hoje, sob o falso disfarce de Papai Noel, nos lembra o grande comandante do amor”, escreve o livro Il Santo Del Giorno.
Mas como aconteceria essa transformação de personagem? Para Altemeyer, o catolicismo paulatinamente conectou a ideia de presentear as crianças com a data de 25 de dezembro, que comemora o nascimento de Jesus. “Juntando as histórias com lendas nórdicas, renas, trenós de neve e elfos míticos, temos os ingredientes de uma história infantil do Hemisfério Norte que pode emocionar os adultos que relembram a infância”, destaca.
“Na antiguidade, havia a tradição de trocar presentes no solstício de inverno como sinal de renovação”, continua o teólogo. “Em Roma, a deusa Strenia era celebrada. Nos países nórdicos, o deus Odin montado em uma nuvem trazia às crianças recompensas ou punições por seu comportamento.”
Mas o bom e velho homem de manto vermelho e bochechas rechonchudas não surgiria até o século 19 nos Estados Unidos. Como diz Altemeyer, “como Nicholas se transformou em um elfo e depois em um velho amigável que vive no Pólo Norte”.
“Existem algumas versões, mas a visão mais aceita é que uma figura desse tipo, um homem mais velho, de grande estatura,
Este texto foi originalmente publicado em dezembro de 2020 e republicado após atualização.
– Texto publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-55191768